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Plinio Corrêa de Oliveira Revolução e Contra-Revolução IntraText CT - Texto |
A par do orgulho gerador de todo o igualitarismo, a sensualidade, no mais largo sentido do termo, é causadora do liberalismo. É nestes tristes profundezas que se encontra a junção entre esses dois princípios metafísicos da Revolução, a igualdade e a liberdade, contraditórios em tantos pontos de vista.
* a. “A hierarquia na alma”: Deus, que imprimiu um cunho hierárquico em toda a criação, visível e invisível, fê-lo também na alma humana. A inteligência deve guiar a vontade, e esta deve governar a sensibilidade. Como conseqüência do pecado original, existe no homem um constante atrito entre os apetites sensíveis e a vontade guiada pela razão: "Vejo nos meus membros outra lei, que combate contra a lei da minha razão" (Rom. 7,23).
Mas a vontade, rainha reduzida a governar súditos postos em contínuas tentativas de revolta, tem meios de vencer sempre... desde que não resista à graça de Deus (cfr. Rom. 7,25).
* b. “O igualitarismo na alma”: o processo revolucionário, que visa o nivelamento geral, mas tantas vezes não tem sido senão a usurpação da função retriz por quem deveria obedecer, uma vez transposto para as relações entre potências da alma haveria de produzir a lamentável tirania de todas as paixões desenfreadas, sobre uma vontade débil e falida e uma inteligência obnubilada. Especialmente o domínio de uma sensualidade abrasada, sobre todos os sentimentos de recato e de pudor.
Quando a Revolução proclama a liberdade absoluta como um princípio metafísico, fá-lo unicamente para justificar o livre curso das piores paixões e dos erros mais funestos.
* c. “Igualitarismo e liberalismo”: a inversão de que falamos, isto é, o direito de pensar, sentir e fazer tudo quanto as paixões desenfreadas exigem, é a essência do liberalismo, isto bem se mostra nas formas mais exacerbadas da doutrina liberal. Analisando-as, percebe-se que o liberalismo pouco se importa com a liberdade para o bem. Só lhe interessa a liberdade para o mal. Quando no poder, ele facilmente, e até alegremente, tolhe ao bem a liberdade, em toda a medida do possível. Mas protege, favorece, prestigia, de muitas maneiras, a liberdade para o mal. No que se mostra oposto à civilização católica, que dá ao bem todo o apoio e toda a liberdade, e cerceia quanto possível o mal.
Ora, essa liberdade para o mal é precisamente a liberdade para o homem enquanto "revolucionário" em seu interior, isto é, enquanto consente na tirania das paixões sobre sua inteligência e sua vontade.
E assim o liberalismo é fruto da mesma árvore que o igualitarismo.
Aliás, o orgulho, enquanto gera o ódio a qualquer autoridade (cfr. item "A", supra), induz a uma atitude nitidamente liberal. E a este título deve ele ser considerado um fator ativo do liberalismo. Quando, porém, se deu conta de que, se deixarmos livres os homens, desiguais por suas aptidões e sua aplicação, a liberdade engendrará a desigualdade, a Revolução, por ódio a esta, deliberou sacrificar aquela. Daí nasceu sua fase socialista. Esta fase não constitui senão uma etapa. A Revolução espera, em seu termo final, realizar um estado de coisas em que a completa liberdade coexista com a plena igualdade.
Assim, historicamente, o movimento socialista é um mero requinte do movimento liberal. O que leva um liberal autêntico a aceitar o socialismo é precisamente que, neste, se proíbem tiranicamente mil coisas boas, ou pelo menos inocentes, mas se favorece a satisfação metódica, e por vezes com aspectos de austeridade, das piores e mais violentas paixões, como a inveja, a preguiça, a luxúria. E de outro lado, o liberal entrevê que a ampliação da autoridade no regime socialista não passa, dentro da lógica do sistema, de meio para chegar à tão almejada anarquia final.
Os entrechoques de certos liberais ingênuos ou retardados, com os socialistas, são, pois, meros episódios superficiais no processo revolucionário, inócuos “qui pro quo” que não perturbam a lógica profunda da Revolução, nem sua marcha inexorável num sentido que, bem vistas as coisas, é ao mesmo tempo socialista e liberal.
* d. “A geração do "rock and roll"“: o processo revolucionário nas almas, assim descrito, produziu nas gerações mais recentes, e especialmente nos adolescentes atuais que se hipnotizam com o "rock and roll", um feitio de espírito que se caracteriza pela espontaneidade das relações primárias, sem o controle da inteligência nem a participação efetiva da vontade; pelo predomínio da fantasia e das "vivências" sobre a análise metódica da realidade: fruto, tudo, em larga medida, de uma pedagogia que reduz que quase nada o papel da lógica e da verdadeira formação da vontade.
* e. “Igualitarismo, liberalismo e anarquismo”: conforme os itens anteriores ("a" a "d"), a efervescência das paixões desregradas, se desperta de um lado o ódio a qualquer freio e qualquer lei, de outro lado provoca o ódio contra qualquer desigualdade. Tal efervescência conduz assim à concepção utópica do "anarquismo" marxista, segundo a qual uma humanidade evoluída, vivendo numa sociedade sem classes nem governo, poderia gozar da ordem perfeita e da mais inteira liberdade, sem que desta se originasse qualquer desigualdade. Como se vê, o ideal simultaneamente mais liberal e mais igualitário que se possa imaginar.
Com efeito, a utopia anárquica do marxismo consiste em um estado de coisas em que a personalidade humana teria alcançado um alto grau de progresso, de tal maneira que lhe seria possível desenvolver-se livremente numa sociedade sem Estado nem governo.
Nessa sociedade -- que, apesar de não ter governo, viveria em plena ordem -- a produção econômica estaria organizada e muito desenvolvida, e a distinção entre trabalho intelectual e manual estaria superada. Um processo seletivo ainda não determinado levaria à direção da economia os mais capazes, sem que daí decorresse a formação de classes.
Estes seriam os únicos e insignificantes resíduos de desigualdade. Mas, como essa sociedade comunista anárquica não é o termo final da História, parece legítimo supor que tais resíduos seriam abolidos em ulterior evolução.