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Ioannes Paulus PP. II Evangelium vitae IntraText CT - Texto |
« Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra » (Gn 1, 28): as responsabilidades do homem pela vida
O texto bíblico manifesta claramente a amplitude e profundidade do domínio que Deus concede ao homem. Trata-se, antes de mais, de domínio sobre a terra e sobre todo o ser vivo, como recorda o Livro da Sabedoria: « Deus dos nossos pais e Senhor de misericórdia, (...) formastes o homem pela vossa sabedoria, para dominar sobre as criaturas a quem destes a vida, para governar o mundo com santidade e justiça » (9, 1.2-3). Também o Salmista exalta o domínio do homem como sinal da glória e honra recebidas do Criador: « Destes-lhe domínio sobre as obras das vossas mãos. Tudo submetestes debaixo dos seus pés; os rebanhos e os gados sem excepção, até mesmo os animais selvagens; as aves do céu e os peixes do mar, tudo o que se move nos oceanos » (Sal 8, 7-9).
Chamado a cultivar e guardar o jardim do mundo (cf. Gn 2, 15), o homem detém uma responsabilidade específica sobre o ambiente de vida, ou seja, sobre a criação que Deus pôs ao serviço da sua dignidade pessoal, da sua vida: e isto não só em relação ao presente, mas também às gerações futuras. É a questão ecológica — desde a preservação do « habitat » natural das diversas espécies animais e das várias formas de vida, até à « ecologia humana » propriamente dita — que, no texto bíblico, encontra luminosa e forte indicação ética para uma solução respeitosa do grande bem da vida, de toda a vida. Na realidade, « o domínio conferido ao homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de "usar e abusar", ou de dispor das coisas como melhor agrade. A limitação imposta pelo mesmo Criador, desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição de "comer o fruto da árvore" (cf. Gn 2, 16-17), mostra com suficiente clareza que, nas relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não só biológicas, mas também morais, que não podem impunemente ser transgredidas ».
Ao falar de « uma participação especial » do homem e da mulher na « obra criadora » de Deus, o Concílio pretende pôr em relevo como a geração do filho é um facto não só profundamente humano mas também altamente religioso, enquanto implica os cônjuges, que formam « uma só carne » (Gn 2, 24), e simultaneamente o próprio Deus que Se faz presente. Como escrevi na Carta às Famílias, « quando da união conjugal dos dois nasce um novo homem, este traz consigo ao mundo uma particular imagem e semelhança do próprio Deus: na biologia da geração está inscrita a genealogia da pessoa. Ao afirmarmos que os cônjuges, enquanto pais, são colaboradores de Deus Criador na concepção e geração de um novo ser humano, não nos referimos apenas às leis da biologia; pretendemos sobretudo sublinhar que, na paternidade e maternidade humana, o próprio Deus está presente de um modo diverso do que se verifica em qualquer outra geração "sobre a terra". Efectivamente, só de Deus pode provir aquela "imagem e semelhança" que é própria do ser humano, tal como aconteceu na criação. A geração é a continuação da criação ».
Isto mesmo ensina, com linguagem clara e eloquente, o texto sagrado ao mencionar o grito jubiloso da primeira mulher, a « mãe de todos os viventes » (Gn 3, 20); consciente da intervenção de Deus, Eva exclama: « Gerei um homem com o auxílio do Senhor » (Gn 4, 1). Assim, na geração, através da comunicação da vida dos pais ao filho transmite-se, graças à criação da alma imortal, a imagem e semelhança do próprio Deus. Neste sentido, se exprime o início do « livro da genealogia de Adão »: « Quando Deus criou o homem, fê-lo à semelhança de Deus. Criou-os varão e mulher, e abençoou-os. Deu-lhes o nome de Homem no dia em que os criou. Com cento e trinta anos, Adão gerou um filho à sua imagem e semelhança, e pôs-lhe o nome de Set » (Gn 5, 1-3). Precisamente neste papel de colaboradores de Deus, que transmite a sua imagem à nova criatura, está a grandeza dos cônjuges, dispostos « a colaborar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua família ». À luz disto, o bispo Anfilóquio exaltava o « matrimónio santo, eleito e elevado acima de todos os dons terrenos », porque « gerador da humanidade, artífice de imagens de Deus ».
Assim o homem e a mulher, unidos pelo matrimónio, estão associados a uma obra divina: por meio do acto da geração, o dom de Deus é acolhido, e uma nova vida se abre ao futuro.
Mas, uma vez realçada a missão específica dos pais, há que acrescentar: a obrigação de acolher e servir a vida compete a todos e deve manifestar-se sobretudo a favor da vida em condições de maior fragilidade. É o próprio Cristo quem no-lo recorda, ao pedir para ser amado e servido nos irmãos provados por qualquer tipo de sofrimento: famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes, encarcerados... Aquilo que for feito a cada um deles, é feito ao próprio Cristo (cf. Mt 25, 31-46).