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Ioannes Paulus PP. II Evangelium vitae IntraText CT - Texto |
« O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos » (1 Jo 1, 3): anunciar o Evangelho da vida
O próprio anúncio de Jesus é anúncio da vida. Ele, de facto, é o « Verbo da vida » (1 Jo 1, 1). N'Ele, « a vida manifestou-se » (1 Jo 1, 2); melhor, Ele mesmo é a « vida eterna que estava no Pai e que nos foi manifestada » (1 Jo 1, 2). Esta mesma vida, graças ao dom do Espírito, foi comunicada ao homem. Orientada para a vida em plenitude — a « vida eterna » —, também a vida terrena de cada um adquire o seu sentido pleno.
Iluminados pelo Evangelho da vida, sentimos a necessidade de o proclamar e testemunhar pela surpreendente novidade que o caracteriza: identificando-se com o próprio Jesus, portador de toda a novidade e vencedor daquele « envelhecimento » que provém do pecado e conduz à morte, este Evangelho supera toda a expectativa do homem e revela a grandeza excelsa, a que a dignidade da pessoa é elevada pela graça. Assim a contempla S. Gregório de Nissa: « Quando comparado com os outros seres, o homem nada vale, é pó, erva, ilusão; mas, uma vez adoptado como filho pelo Deus do universo, é feito familiar deste Ser, cuja excelência e grandeza ninguém pode ver, ouvir nem compreender. Com que palavra, pensamento ou arroubo de espírito poderemos celebrar a superabundância desta graça? O homem supera a sua natureza: de mortal passa a imortal, de perecível a imperecível, de efémero a eterno, de homem torna-se deus ».
A gratidão e a alegria por esta dignidade incomensurável do homem incitam-nos a tornar os demais participantes desta mensagem: « O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco » (1 Jo 1, 3). É necessário fazer chegar o Evangelho da vida ao coração de todo o homem e mulher, e inseri-lo nas pregas mais íntimas do tecido da sociedade inteira.
Importa, depois, mostrar todas as consequências deste mesmo Evangelho, que se podem resumir assim: a vida humana, dom precioso de Deus, é sagrada e inviolável, e, por isso mesmo, o aborto provocado e a eutanásia são absolutamente inaceitáveis; a vida do homem não apenas não deve ser eliminada, mas há-de ser protegida com toda a atenção e carinho; a vida encontra o seu sentido no amor recebido e dado, em cujo horizonte haurem plena verdade a sexualidade e a procriação humana; nesse amor, até mesmo o sofrimento e a morte têm um sentido, podendo tornar-se acontecimentos de salvação, não obstante perdurar o mistério que os envolve; o respeito pela vida exige que a ciência e a técnica estejam sempre orientadas para o homem e para o seu desenvolvimento integral; a sociedade inteira deve respeitar, defender e promover a dignidade de toda a pessoa humana, em cada momento e condição da sua vida.
Cercados pelas vozes mais constrastantes, enquanto muitos rejeitam a sã doutrina sobre a vida do homem, sentimos dirigida a nós a recomendação de Paulo a Timóteo: « Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina » (2 Tm 4, 2). Com particular vigor, há-de ressoar esta exortação no coração de quantos na Igreja, mais directamente e a diverso título, participam da sua missão de « mestra » da verdade. Ressoe, antes de mais, em nós, Bispos, que somos os primeiros a quem é pedido tornar-se incansável anunciador do Evangelho da vida; está-nos confiado também o dever de vigiar sobre a transmissão íntegra e fiel do ensinamento proposto nesta Encíclica, e de recorrer às medidas mais oportunas para que os fiéis sejam preservados de toda a doutrina contrária ao mesmo. Havemos de dedicar especial atenção às Faculdades Teológicas, aos Seminários e às diversas Instituições Católicas, para que aí seja comunicado, ilustrado e aprofundado o conhecimento da sã doutrina. A exortação de Paulo seja também ouvida por todos os teólogos, pastores e quantos desempenham tarefas de ensino, catequese e formação das consciências: cientes do papel que lhes cabe, não assumam nunca a grave responsabilidade de atraiçoar a verdade e a própria missão, expondo ideias pessoais contrárias ao Evangelho da vida, que o Magistério fielmente propõe e interpreta.
Quando anunciarmos este Evangelho, não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo (cf. Rm 12, 2). Com a força recebida de Cristo, que venceu o mundo pela sua morte e ressurreição (cf. Jo 16, 33), devemos estar no mundo, mas não ser do mundo (cf. Jo 15, 19; 17, 16).