O erro comum às
duas afirmações que refutamos
Assim, a primeira
questão que devemos formular é a seguinte: pode-se admitir que a A. C. seja
elemento integrante da Hierarquia da Igreja, ou que, ao menos, sem ter cargo de
natureza hierárquica, esteja incumbida de funções hierárquicas?
O Santo Padre Pio XI,
ao constituir a A. C., incitou todos os fiéis a que nela trabalhassem, pelo que
deu a todos os fiéis o direito de nela se inscrever. A tal ponto é isto verdade,
que não falta quem sustente que todos os católicos, até mesmo os que
simplesmente praticam, dos mandamentos, o "minimum" necessário para
não cair em pecado mortal, têm o direito e a obrigação de se inscrever na A.
C.. E há ainda quem entenda que até os católicos que vivem em estado habitual
de pecado mortal podem e devem inscrever-se na A. C.. É curioso acrescentar que
os que assim pensam são, em geral, dos que com maior ardor pleiteiam a idéia de
que a A. C. é elemento integrante da Hierarquia, ou exerce pelo menos funções
de caráter hierárquico.
Isto posto, conclui-se
que:
1 - se todos os
católicos, até os que vivem em estado de pecado mortal, devem entrar na A. C.,
e esta é elemento integrante da Hierarquia, todos os fiéis têm a obrigação de se
integrar na Hierarquia, o que é opinião herética e nitidamente contrária as
decisões do Concilio Vaticano;
2 - se todos os
católicos que vivem em estado de graça podem ou devem entrar na A. C., e se
esta é elemento integrante da Hierarquia; como, por outro lado, o estado de
graça é acessível a todos os fiéis, e Deus a todos chama ao estado de graça,
daí se deduziria que todos eles são chamados por Deus para fazer parte da
Hierarquia, o que absolutamente não se concilia com as definições do Concílio
citado.
3 - se a A. C. só é
para "os melhores dentre os bons", segundo a bela expressão de Pio XI
na Encíclica "Non Abbiamo Bisogno", entretanto por mais que se apure
esta noção, não se poderá pretender que o Santo Padre só quereria o ingresso na
A. C. de elementos chamados a uma alta santidade, para a qual não tem vocação o
comum dos fiéis. Logo, ainda no sentido de uma ação de escol, a A. C. seria
acessível a pessoas de uma santidade para a qual todos os fiéis são chamados.
Ora, como o Espírito Santo chama a tal santidade todos os fiéis, se a A. C.
fosse elemento integrante da Hierarquia, o Espírito Santo chamaria todos os
fiéis a integrar a Hierarquia, o que também contraria o texto do Concilio
Vaticano.
Não faltaram
escritores de alto valor que entenderam que a A. C., sem fazer parte da
Hierarquia, sem possuir cargo hierárquico, possuiria entretanto funções
hierárquicas.
Com efeito, as funções
da Hierarquia, tanto de ordem quanto de jurisdição, podem ser, ao menos em
parte, delegadas ou comunicadas, e, sem que a pessoa que as exerça por
delegação ou comunicação venha a ser parte integrante da Hierarquia. Assim, a
função de crismar - é o exemplo que dá um douto e ilustre escritor - é própria
ao Bispo, na Hierarquia de ordem. Ora, esta função pode ser delegada a um Padre
que nem por isto fica sendo Bispo ou adquire na Hierarquia de Ordem um cargo
especial. Assim, as funções da Hierarquia podem ser delegadas a quem dela não
faça parte.
Aceitando, para mero
afeito de argumentação, esta tese, chegamos a uma curiosa série de conclusões,
que nos levam a verificar a inteira oposição dela com a doutrina do Concilio do
Vaticano: 1 - diz o Concílio que "há na Igreja um poder de que uns são
dotados em vista de santificar, ensinar e governar, e outros não são dotados";
assim, a sociedade sobrenatural não é apenas desigual porque alguns têm poderes
maiores do que os outros, mas ainda porque há elementos inteiramente sem poder,
enquanto outros há, que possuem este poder. Em outros termos, há súditos e há
governantes;
2 - ora, se a A. C.
recebe funções hierárquicas, embora sem cargos hierárquicos, ela recebe um
poder hierárquico, e isto tanto mais quanto este poder não lhe é confiado de
modo transitório, mas a titulo definitivo já que nada indica que a A. C. seja
mera instituição de emergência;
3 - logo, a fundação
da A. C. teria acarretado para os leigos, ou a obrigação, ou ao menos o direito
- que segundo conselho divino e eclesiástico deveriam exercer, - de se alçar ao
exercício de funções hierárquicas. E isto apagaria a distinção essencial que
existe entre súditos e governantes.
Mas, poder-se-à
objetar, haverá sempre renitentes, que não entrarão na A. C.. Logo, haverá
sempre súditos, e a desigualdade essencial da Santa Igreja não desaparecerá. O
argumento não colhe. Com efeito, continuaria sempre verdade que, segundo o
desejo da Igreja, todos deveriam fazer parte da A. C., e que, assim, seria
desejo da Igreja que a categoria de súditos desaparecesse. Ora, a Igreja não
pode desejar tal, pois que o Concilio do Vaticano declarou que é de direito
divino a distinção entre súditos e governantes. Logo, sendo a Igreja infalível
e não podendo entrar em contradição consigo mesma, ela não o quis.
* * *
Demonstrado assim que
ambas as doutrinas da “participação” pressupõem a possibilidade de uma situação
jurídica impossível na Santa Igreja, e que têm um fundo comum de erro, vejamos
agora no que se diferenciam, por onde ainda erram.
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