Liturgia
e vida interior
Se alguns desvarios doutrinários referentes à questão do
mandato se poderiam explicar pela exegese forçada e até forçadíssima de certas
declarações pontifícias, pela leitura e interpretação por vezes audaciosas de certos
autores europeus, não sabemos de que forma explicar a origem de certas
doutrinas que sobre Liturgia, de boca em boca, circulam infelizmente em alguns
meios da A. C.. O certo é que os apóstolos destas doutrinas alegam como base
exclusiva de sua posição um só texto pontifício, isto é, uma declaração
meramente verbal que o Santo Padre Pio X teria feito à interlocutores aliás
dignos de todo o respeito. Essa declaração não constitui fundamento lógico para
erro algum. Aliás, é sumamente incorreto fazer uso dela.
Com efeito, o
próprio Pio X estigmatizou este processo de argumentação. Disse ele: – Em todo
tempo, nas discussões sobre A. C., deve-se evitar de firmar o triunfo de
opinião pessoal, citando palavras do Soberano Pontífice, que se pretende hajam
sido ditas ou ouvidas em audiências privadas. Deve-se, "a fortiori",
evitar de o fazer em congressos públicos, pois que, além do pouco respeito que
assim se demonstra ao Soberano Pontífice, corre-se com isto um sério perigo de
mal-entendidos, segundo as opiniões pessoais de cada um. O caminho certo para
saber o que quer o Papa consiste em cingir-se aos atos e documentos emanados da
autoridade competente". (Pio X, Carta aos Bispos da Itália, de 28 de Julho
de 1904).
Seja como for,
afirma-se, sustenta-se, propaga-se a boca pequena que a prática da vida
litúrgica, uma certa graça de estado própria à A. C., bem como a ação
empolgante da grandeza dos ideais da A. C. fazem calar, no íntimo dos membros
desta, a sedução natural para o mal e as tentações diabólicas.
Isto implica em uma
ascese inteiramente nova.
Sem negar que o fervor
pela Liturgia da Igreja constitua uma das mais belas manifestações de uma
piedade verdadeiramente esclarecida, e precisamente porque consideramos a
Sagrada Liturgia, como a própria Igreja, da qual ela é a voz, “uma dama sem
mácula nem ruga”, não podemos admitir que, de um espírito litúrgico bem
formado, possam decorrer as conseqüências desastrosas que abaixo mencionaremos.
Pretende-se, em última
análise, que a participação nas funções da Sagrada Liturgia proporciona ao fiel
a infusão de uma graça tão especial que, desde que ele se porte de modo
meramente passivo, santificar-se-á, porque calarão no seu interior os efeitos
do pecado original e as tentações diabólicas.
Assim, a Sagrada
Liturgia exerceria sobre os fiéis uma ação mecânica ou mágica, de uma
fecundidade toda automática, que tornaria supérfluo todo o esforço de
colaboração do homem com a graça de Deus.
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