CAPÍTULO
III
A
Doutrina da Igreja
A Liturgia e a
mortificação, segundo o ensinamento da Santa Sé
O sumo respeito, que
todos devemos à autoridade excelsa da Santa Sé, força-nos a completar o
capítulo anterior com algumas refutações à doutrina que expusemos, e que
infelizmente circula em certos meios da Ação Católica. Dispensamo-nos de
considerações doutrinárias sobre o problema da graça e do livre arbítrio,
problema esse pouco acessível à massa e colocado hoje em dia por certos
doutrinadores em termos tão evidentemente contrários à doutrina tradicional da
Igreja, que qualquer católico, por pouco versado que seja em questões
teológicas, imediatamente o perceberá.
Citemos apenas, a
título de documentação, alguns importantes textos pontifícios que desenvolvem o
pensamento contido na carta "Magna Equidem" a que nos referimos na
pág. 103 e que demonstra que a Sagrada Liturgia não dispensa a cooperação do
homem, nem os meios tradicionais de ascese, como a fuga das ocasiões de pecado,
a mortificação, etc.:
"S. Cipriano não
hesita em afirmar que o Sacrifício do Senhor não é celebrado com a necessária
santidade, se nossa própria oblação e nosso próprio sacrifício não
corresponderem à Sua paixão". Por esta razão ainda, o Apóstolo nos exorta
a que levemos em nosso corpo a morte de Jesus, nos sepultemos com Jesus e nos
enxertemos n'Ele pela semelhança de Sua morte não só crucificando nossa
carne com seus vícios e concupiscências e fugindo da corrupção e da
concupiscência, que reinam no mundo, mas ainda manifestando a vida de Jesus
em nossos corpos, e, unidos a seu eterno Sacerdócio, oferecendo assim dons e
sacrifícios por nossos pecados. Quanto mais nossa oblação e nossos sacrifícios
se parecerem com o de Cristo, quanto mais perfeita for a imolação de nosso
amor próprio e de nossas concupiscências, quanto mais a crucifixão de
nossa carne se aproximar desta crucifixão mística de que fala o Apóstolo,
mais abundantes serão os frutos de propiciação e expiação, que colheremos por
nós e pelos outros" (Pio XI, Encl. "Miserentissimus Redemptor", de 8 de
Maio de 1928).
Com efeito, jamais poderemos dispensar-nos de "completar em nossa
carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu corpo (místico) que é a
Igreja" (Col. 1, 24).
Mais ainda. Sem o
espírito de penitência nada conseguiremos de Deus. Com efeito, o Santo Padre
Leão XIII recomenda expressamente que, ao lado do espírito de oração, se peça a
Deus o espírito de penitência, sem o qual não se aplaca a justiça divina:
"aqui, nosso dever e nosso paternal afeto exigem que peçamos a Deus não só
espírito de oração, mas ainda o espírito de santa penitência. Fazendo-o de todo
o nosso coração, exortamos com a mesma solicitude todos e cada um que pratiquem
esta última virtude, tão intimamente unida àquela: porque, se a oração tem por
efeito alimentar a alma, armá-la de coragem, elevá-la às coisas divinas, a penitência
nos dá a força de nos dominarmos, e, sobretudo, de governar o corpo, que, em
conseqüência do pecado original, é o mais terrível inimigo da doutrina e da lei
evangélicas” (Encl. "Octobri Mense", de 22 de Setembro de 1891).
Eis como o mesmo Pontífice descreve a vida de penitência dos Santos:
"Eles dirigiam e domavam continuamente seu espírito, seu coração e suas
paixões; eles não determinavam sua vontade senão depois de ter conhecido
claramente a vontade de Deus; eles reprimiam e quebravam os movimentos
tumultuosos de sua alma; eles tratavam seus corpos duramente e sem piedade;
eles levavam a virtude a ponto de se absterem de coisas agradáveis e até de
prazeres inocentes. Poder-se-lhes-ia aplicar o que disse S. Paulo: – "Para
nós, nossa vida está nos céus", e é por isto que suas orações eram tão
eficazes para aplacar a cólera de Deus". (Encl. cit.).
Finalmente, a prece, até litúrgica, feita de modo indigno só pode atrair a
cólera de Deus contra quem a faz: "É em vão que esperamos ver descer sobre
nós a abundância das bênçãos do céu, se nossa homenagem ao Altíssimo, em lugar
de subir como um perfume de suavidade, repõe, pelo contrário, nas mãos do
Senhor os açoites, com os quais o Divino Redentor expulsou outrora do Templo
seus indignos profanadores" (Motu Proprio de Pio X, de 22 de Novembro de
1903).
É bom jamais esquecer a ordem do Espírito Santo. – "Não ofereças a
Deus donativos defeituosos, porque Ele não os receberá" (Eclesiástico,
XXXV-14). A história do sacrifício de
Caim tem a este respeito uma eloqüência decisiva.
A finalidade deste
livro não consiste em refutar os erros do pseudo-liturgismo, mas apenas as
conseqüências que dele se deduzem no campo da Ação Católica. Referindo-nos,
portanto, a tais erros, não o fazemos senão porque de outra forma nos seria
impossível apontar as verdadeiras raízes dos desmandos doutrinários que a
respeito da Ação Católica se notam em alguns círculos de nosso laicato. Como,
entretanto, os erros não devem jamais ser mencionados e descritos sem que se
lhes faça a necessária impugnação, julgamos útil acrescentar a esta parte do
livro alguns argumentos sumariamente enunciados, que, nós o esperamos, porão de
sobreaviso contra certas inovações doutrinárias os espíritos dóceis à suprema e
decisiva autoridade da Santa Sé. É bem evidente que uma refutação baseada em
outros argumentos que não os da autoridade não se poderia fazer senão em obra
particularmente destinada ao assunto, escrita por especialista, e não por mão
de leigo. Mas o argumento de autoridade, se não esgota o assunto, basta ao
menos para resolver o problema. E, por isto, estamos certos de fazer obra útil,
com as citações e reflexões que passamos a transcrever.
Antes de entrar na
matéria, quereríamos, entretanto, tornar meridianamente claro que,
referindo-nos ao "pseudo-liturgismo" escolhemos intencionalmente a
expressão afim de manter longe de qualquer censura alguns esforços meritórios,
feitos com a louvável intenção de incrementar a piedade em torno da Sagrada
Liturgia.
Deixamos também de
lado o problema da "Missa dialogada" e do uso exclusivo do Missal.
Este problema nada tem que ver de modo direto com este livro, e transcende do
campo de julgamento de um leigo. Não queremos deixar de acentuar, entretanto,
que os exageros evidentes a que se têm entregue neste terreno certos
"pseudo-liturgistas" iludem mesmo a muitos espíritos precavidos. Com
efeito, o mal mais grave dessa tendência não está aí, mas em certas doutrinas
que ela professa mais ou menos veladamente, sobre a piedade e sobre o chamado
"sacerdócio passivo" dos leigos que ela exagera enormemente,
deformando o ensino da Igreja, que aliás reconhece tal sacerdócio. Tratemos
apenas dos erros sobre piedade que dizem respeito mais de perto a Ação
Católica, se bem que também aí o assunto seja superior a nossa competência.
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