Não se pode admitir contradições entre a espiritualidade das várias Ordens
Religiosas
O mesmo se deve dizer
da espiritualidade própria a cada Ordem ou Congregação religiosa. Cada uma das
famílias religiosas existentes na Igreja tem seus fins especiais, suas devoções
particulares, e seu teor de vida aprovados pela Santa Sé como irrepreensíveis e
em tudo conformes à doutrina católica. Quem, portanto, se levanta contra uma
determinada Ordem religiosa ataca a própria Igreja, e se insurge contra a Santa
Sé.
Assim, é simplesmente
insuportável a ogerisa professada por certos elementos contra a Companhia de
Jesus, baseada muitas vezes em argumentos que são reedição das criticas
formuladas pela Maçonaria ou pelos protestantes. A espiritualidade da Companhia
de Jesus é inatacável, como a de qualquer outra Ordem religiosa, e,
implicitamente, os "tesouros espirituais", os Exercícios Espirituais,
o exame de consciência várias vezes ao dia, não podem ser atacados por quem
quer que seja, como recursos espirituais dos quais podem livremente lançar mão
as almas. que notarem que com isto progridem na virtude.
Mais insuportável
ainda é a odiosa pretensão de atirar altar contra altar, forjando fictícias
incompatibilidades entre as espiritualidades das diversas Ordens. Há variantes
entre elas, e dessas variantes se ufana a Igreja como "uma rainha de
vestido ornado de várias cores". Mas tal diversidade jamais implicou nem
implicará senão em harmonia profunda, como a que resulta da variedade de notas
de um mesmo acorde.
As Ordens e as
Congregações Religiosas "se dedicam ao serviço de Deus cada qual segundo
modalidades próprias, e procuram obter todas, a maior glória de Deus e proveito
do próximo através de objetivos próprios, utilizando obras de caridade e de
amor do próximo diferentes. Esta tão grande variedade de Ordens Religiosas –
como árvores de essências diferentes, plantadas no campo do Senhor – produz
frutos muito variados e todos eles muito abundantes para salvação do gênero
humano. Não há certamente coisa mais agradável de se ver, e mais bela, do que a
homogeneidade, a harmoniosa diversidade destes institutos: todos tendem para o
mesmo fim e não obstante cada qual possui obras especiais de zelo e de
atividade, diversas das dos outros institutos sob algum ponto de vista
especial. É método habitual da Providência Divina corresponder a cada nova
necessidade da Igreja com a criação e desenvolvimento de um novo instituto
religioso" (Pio XI, Carta Apostólica "Unigenitus Dei Filius", de
19 de Março de 1924).
Por isso, consideramos
abominável que, em sua legítima predileção por esta ou aquela Ordem religiosa,
pretenda o fiel colocar-se em oposição com as demais, não encontrando outro
meio para dar vasa a sua admiração, por uma, senão diminuindo as outras.
Diminuir uma ordem religiosa, é diminuir todas elas, é diminuir a própria
Igreja Católica.
É lícito, sem dúvida,
e até normal que os fiéis se sintam atraídos a praticar, de preferência, a
espiritualidade de uma dessas Ordens. Jamais, porém, lhes seria lícito desviar de outros
caminhos também santíssimos almas orientadas para a espiritualidade de outras
Ordens. No jardim, que é a Santa Igreja de Deus, ninguém nos pode tolher, sem
criminosa injustiça, o direito de colher as flores da santidade, no canteiro
onde nos chama o Espírito Santo.
Amando filialmente a Igreja e todas as Ordens que nela existem, não
poderíamos deixar de nesta veneração afetuosa atribuir lugar particularmente
sensível à Ordem de São Bento. Pela admirável sabedoria de sua Regra, pelos
extraordinários frutos espirituais que produziu, produz e produzirá sempre na
Igreja, pela sua primazia histórica em relação a todas as Ordens do Ocidente,
pelo papel que desempenharam na formação da sociedade e da cultura medievais os
filhos de São Bento, ocupam eles em nosso coração um lugar de escol, tanto mais
firmemente acentuado quanto em suas fileiras contamos alguns dos melhores
amigos que tenhamos tido em nossa vida. Por tudo isto, enche-nos de indignação
o rumor de que tais erros se possam identificar, ou de qualquer maneira filiar
ao espírito de São Bento, sob o pretexto de Liturgia.
Não amar a Liturgia,
que é a voz da Igreja orante, é ser, quando nada, suspeito de heresia. Entender
que o esforço desenvolvido pela Ordem Beneditina em prol de uma mais profunda
compreensão da Liturgia e de sua exata localização na vida espiritual dos fiéis
possa trazer inconvenientes, é um absurdo. E, por tudo isto, reputamos
caluniosa qualquer identificação que circunstâncias fortuitas, quiçá
inexistentes, possam sugerir, entre espírito beneditino e espírito litúrgico
autêntico, de um lado, e de outro lado, a estrategia modernista que vimos
combatendo e ós exageros do "hiper-liturgismo". A este respeito. é
perfeitamente elucidativo o magnifico artigo que o Exmo. Revmo. sr. D. Lourenço
Zeller, Bispo titular de Doriléa e Arqui-Abade da Congregação Beneditina do
Brasil publicou no "Legionário" de 13 de Dezembro de 1942. É leitura
importantíssima para quantos desejam orientar-se nesse ponto.
Quanto à gloriosa e
invicta Companhia de Jesus, por ocasião do seu recente centenário o Santo Padre
Pio XII publicou uma Encíclica tão elogiosa aos Estatutos e espiritualidade dessa
ínclita milicia, que verdadeiramente não sabemos o que resta da adesão filial à
Santa Sé em quem depois disto persevera nas criticas que lhe fez. Com
referência aos Exercícios Espirituais, disse Pio XI que "Santo Inácio
aprendeu da própria Mãe de Deus como devia combater os combates do Senhor. Foi
como que de sua mão que ele recebeu este código tão perfeito – é o nome que em
toda a verdade lhe podemos dar – de que todo soldado de Jesus Cristo se deve
servir, isto é, os Exercícios Espirituais. Nos Exercícios organizados segundo o
método de Sto. Inácio tudo se dispõe com tanta sabedoria, tudo está em tão
estreita coordenação que, se não se opõe resistência à graça divina, eles
renovam o homem até suas profundezas e o tornam perfeitamente submisso à divina
autoridade. Declaramos Sto. Inácio de Loiola, patrono celeste dos Exercícios
Espirituais.
"Se bem que,
como já dissemos, não faltem outros métodos de fazer os Exercícios, é
entretanto certo que o método de Santo Inácio possui uma verdadeira excelência,
e que, sobretudo, pela esperança mais segura, que proporciona, de vantagens
sólidas e duráveis, eles são objeto de uma aprovação mais abundante da Santa
Sé" (Pio XI, Carta Apostólica,
de 3 de Dezembro de 1922).
À vista desta afirmação, a alternativa é clara: ou Pio
XI estava eivado de individualismo antropocêntrico, o que é absurdo, ou os
adversários dos Exercícios de Santo Inácio estão em declarada oposição ao
espírito da Igreja, neste assunto vital.
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