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Plinio Corrêa de Oliveira
Em defesa da Ação Católica

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  • TERCEIRA PARTE   Problemas internos da A. C.
    • CAPÍTULO I Organização, Regulamentos e Penalidades
      • Novas concepções sobre o movimento do laicato católico
        • d) – quanto à regulamentos sobre trajes, modas, etc.
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d) – quanto à regulamentos sobre trajes, modas, etc.

Também não tem o menor fundamento afirmar-se que a A. C. não deve sujeitar seus membros a regras especiais no tocante a trajes, modas, etc.. O argumento, que em favor desta temerária inovação se alega, consiste em que tais regras são incompatíveis com a dignidade humana, porque constituem uma imposição. Daí inferem certos elementos que a Ação Católica deve, ao contrário das associações auxiliares, primar por uma intransigente abolição destas regras. Se se alega em contrário que à Ação Católica cabe primar pelo exemplo, replicam conforme o interlocutor, com dois argumentos diversos. Ora afirmam que a A. C. deve adaptar-se aos costumes modernos, sob pena de perder qualquer influência no ambiente em que vive e assim tornar impossível o apostolado. Ora afirmam que as regras de conduta são supérfluas e até irritantes, que a A. C. deve obter que seus membros usem espontaneamente trajes modelares, em conseqüência de convicções profundas neles incutidas, e jamais pela ação de regras meramente exteriores e de valor apenas coercitivo. Por isto, consideram a necessidade de promulgar as regras de modéstia como fracasso de formação. Mas, analisando o primeiro argumento, vemos que, pelo contrário, elas constituem precioso meio de formação.

São Tomás de Aquino esclarece luminosamente esta questão quando diz na Sum. Theolog., Ia., IIae., Q. 95, art. 1 – “Se é útil terem os homens estabelecido leis”.

Examinemos o assunto, deixando para outro capítulo a tarefa de refutar a alegação de que a Ação Católica precisa capitular ante os costumes modernos se não quiser ser estéril. Quanto à utilidade e necessidade da lei, diz o Doutor Angélico: "Parece que não é útil terem os homens estabelecido leis". Pois,

Objeção: – "A intenção de qualquer lei é tornar os homens bons. Mas os homens são levados ao bem antes voluntariamente, por advertências, do que coagidos por leis".

Solução: "Como do sobredito resulta, o homem tem aptidão natural para a virtude; mas a perfeição mesma da virtude é forçoso adquirí-la por meio da disciplina. Assim, vemos que é por alguma indústria que o homem satisfaz às suas necessidades, por exemplo, as do comer e do vestir-se. Dessas indústria já a natureza lhe forneceu o início, a saber, a razão e as mãos; não porém o complemento, como o fez para os outros animais, a que deu a cobertura dos pêlos e alimentação suficiente.

"Ora, para a disciplina em questão, o homem não se basta facilmente a si próprio. Pois a perfeição da virtude consiste, principalmente, em retraí-lo dos prazeres proibidos, a que sobretudo é inclinado, e máxime os jovens, para os quais a disciplina é mais eficaz. Logo, é necessário que essa disciplina, pela qual consegue a virtude, o homem a tenha recebido de outrem. Assim, para os jovens naturalmente inclinados aos atos de virtude, por dom divino, basta a disciplina paterna, que procede por advertências. Certos, porém, são protervos, inclinados aos vícios e não se deixam facilmente mover por palavras. Por isso é necessário sejam coibidos do mal pela força e pelo medo, para que, ao menos assim, desistindo de fazer o mal, e deixando a tranqüilidade aos outros, também eles próprios pelo costume sejam levados a fazer voluntariamente o que antes faziam por medo, e, deste modo. se tornem virtuosos. Ora. essa disciplina, que coíbe pelo temor da pena, é a disciplina das leis. Por onde é necessário, para a paz dos homens e para a virtude, que se estabeleçam leis. Pois, como diz o Filósofo, "o homem, se aperfeiçoado pela virtude, é o melhor dos animais, afastado da lei e da justiça é o pior de todos"; porque tem as armas da razão, para realizar suas concupiscências e crueldades, que os outros animais não têm".

Evidentemente, a lei ou regulamento interno da A. C. ou de qualquer associação tem isto de diverso da lei civil – de que trata no texto acima o Doutor Angélico que ao império da lei civil não se foge, e qualquer pessoa pode subtrair-se à ação dos regulamentos demitindo-se do sodalício.

O amor aos ideais do sodalício e aos benefícios espirituais que ele proporciona, o temor dos perigos a que se expõe a alma desgarrando-se de um ambiente sadio e edificante, o receio de desagradar pessoas respeitáveis e dignas de estima, tudo isto concorre para tornar difícil e por vezes dificílima tal demissão, com o que o argumento de São Tomás conserva, para este caso concreto, valor decisivo. Aliás, se a Igreja pensasse de outra maneira seria o caso de queimar o Código de Direito Canônico e as Regras de todas as Ordens Religiosas.

É fato que a verdadeira virtude resulta das disposições interiores, pelo que qualquer associação, e máxime a A. C., deve antes de tudo formar as almas interiormente, dispensando-lhes os conhecimentos e os meios de adestramento da vontade necessários para tanto. A existência de um regulamento em que se encontrem proibições relativas ao comportamento e ao modo de trajar, auxilia poderosamente esta formação não só em conseqüência do que disse São Tomás sobre o valor educativo da lei mas ainda porque elucida questões concretas, a respeito das quais mesmo os espíritos mais zelosos teriam por vezes dificuldade em encontrar o meio termo entre o escrúpulo e o laxismo.

São Tomás de Aquino trata indiretamente desta questão, quando diz na Sum. Theolog., Ia., IIae., Q. 59, art. 1:

Objeção: – "O Filosofo diz: "Os homens buscam o juiz, como à justiça animada. Ora, a justiça animada é melhor que a inanimada, contida nas leis. Logo, melhor seria entregar a execução da justiça ao arbítrio dos juízes, do que legislar a este respeito".

Resposta: "Como diz o Filósofo, é melhor que tudo seja regulado por lei, do que entregue ao arbítrio dos juízes. E isto por três razões. Primeiro, por ser mais fácil encontrar uns poucos homens prudentes, suficientes para fazer leis retas, do que muitos que seriam necessários, para julgar bem de cada caso particular. Segundo, porque os legisladores, com muita precedência consideram sobre o que é preciso legislar; ao contrário, os juízos sobre fatos particulares procedem de casos ocorridos subitamente. Ora, mais facilmente pode o homem ver o que é reto depois de ter refletido muito, do que apoiado só num único fato. Terceiro, porque os legisladores julgam em geral e para o futuro; ao passo que os homens, que presidem ao juízo, julgam do presente, a cujo respeito sentem a inclinação do amor ou do ódio, ou de qualquer outra cupidez. Portanto, como a justiça animada do juiz não se encontra em muitos, e é flexível, é necessário, sempre que for possível, que a lei determine como se deve julgar, e quase nada se deixe ao arbítrio dos homens".

Com efeito, é em virtude do mesmo princípio que devemos evitar, por meio de leis e regulamentos, na A. C. como nas demais associações religiosas, que a decisão de questões concretas delicadíssimas seja confiada a cada associado, que assim será, aliás, ao mesmo tempo, parte e juiz.

Exemplifiquemos com um caso concreto. A Federação Mariana Feminina de São Paulo sentiu a necessidade de prescrever regras do vestuário às Filhas de Maria, levada sobretudo pelo desejo de dirimir as questões complexas que a adoção de trajes convenientes suscita na prática. Era então Diretor da Federação o Pe. José Gaspar de Afonseca e Silva, ulteriormente "ad maiora vocatus". A fixação dessas regras, que será útil transcrever, absorveu muito a atenção do seu ilustre autor, o que bem demonstra que os problemas ali resolvidos não estavam ao alcance de qualquer pessoa. De tal trabalho, saiu uma obra de raro equilíbrio e grande utilidade. Ficaram, assim, as Filhas de Maria dotadas de um meio de santificação, que não era necessário em conseqüência de falta de formação interior, mas, pelo contrário, se impunha como único meio de dar realização concreta aos generosos impulsos que a formação interior suscitara.

Transcrevemos aqui o douto e prudente documento:

 

"A) – MODAS

 

a) – deve a moda achar-se em absoluta conformidade com a modéstia cristã, excluído qualquer exagero, inclusive no tocante à pintura;

b) – exigem-se mangas compridas até os punhos para a recepção dos Sacramentos, bem como em toda a ocasião em que esteja exposto o Santíssimo;

c) – em qualquer outra circunstância são toleradas as mangas curtas, uma vez que cheguem ao cotovelo;

d) – nunca será, portanto, permitido a uma Filha de Maria trazer um vestido de todo sem mangas.

 

B) – DIVERSÕES

 

Cumpre à Filha de Maria, na medida do possível, somente apresentar-se em sociedade na companhia de sua família.

a) – Bailes: nas condições supra, toleram-se os familiares, onde exclusivamente será permitida a dança respeitadas as regras intrínsecas da modéstia.

b) – Praias: a Filha de Maria deve, em qualquer praia de banho, conservar a máxima distinção, como o requer o título que a honra. Escolherá com sensatez o seu traje e, em hipótese alguma, deixará o seu roupão toda a vez que se achar fora dágua. Em nenhuma outra ocasião lhe será permitido abster-se de meias ou usá-las curtas.

c) – Piscinas: É expressamente vedado à Filha de Maria tomar parte em banhos mistos em piscinas.

d) – Clubes de regatas ou de natação: Dada a promiscuidade inevitável dos clubes de regatas e de natação, proíbe-se à Filha de Maria inscrever-se em seus quadros sociais.

e) – Carnaval: É expressamente proibido à Filha de Maria tomar parte em bailes e em cordões carnavalescos, bem como usar traje masculino ou qualquer fantasia que possa, embora de leve, ofender as regras da decência.

Parágrafo único: O traje masculino é sempre vedado à Filha de Maria, em qualquer circunstância que seja. A proibição dos pijamas estende-se também às praias de banho.

Nota: – Se acaso se vir uma Filha de Maria na impossibilidade de cumprir à risca qualquer destas disposições, deve imediatamente, depois de consultado o confessor próprio, expor o caso ao Revmo. Pe. Diretor de sua Pia União, o qual dará a solução que julgar mais acertada, tendo porém o cuidado de fazer chegar essa solução ao conhecimento da Federação de sua Diocese. No caso contrário, a falta cometida resultará para a Filha de Maria na sua exclusão imediata da Pia União.

Tomando o Conselho conhecimento da eliminação de uma Filha de Maria deve fazê-lo com grande elevação de espírito não permitindo, de modo algum, se teça a respeito descaridoso comentário. Esforce-se a Diretoria por desenvolver intenso apostolado junto à faltosa, afim de levá-la a melhores sentimentos e reconduzi-la quando possível, à grei mariana após novo período do noviciado".

 

*  *  *

 

É evidente a utilidade de tais regras. Com efeito, o fim da lei não é apenas elucidar, mas ordenar e punir. É justo, louvável e explicável que os membros de determinada associação não se queiram deter nos limites extremos sugeridos ou tolerados pela moral, mas que se proponham reagir contra o paganismo ambiente, não só pelo uso exclusivo do que é lícito como ainda trajando-se apenas do modo compatível com a mais severa e rigorosa pureza de costumes. Ora, é natural que uma organização assim constituída tenha o direito de exigir dos membros o cumprimento das regras, que constituem sua finalidade. Só um temperamento marcadamente vibrátil poderia sentir-se melindrado com tal coisa.

Finalmente, só se admitirmos a ação mágica ou mecânica da Sagrada Liturgia poderemos conceber que jamais membro algum de tais associações transgrida a modéstia do traje ou do procedimento. De que maneira se defenderá a associação, senão punindo o membro faltoso? Como estabelecer uma punição sem lei prévia? Exageramos? Então exagerou conosco a Santa . A Sagrada Congregação do Concílio, no pontificado de Pio XI em documento de 12-1-1930 decretou que

"I – Os párocos e pregadores, quando se lhes oferecer ocasião insistam, repreendam, ameacem, exortem os fiéis, segundo as palavras de São Paulo, afim de que as mulheres se vistam de um modo que respire o pudor e seja o ornamento e a salvaguarda da virtude;

 

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III – Que os pais proíbam a suas filhas a participação em exercícios públicos e concursos ginásticos e se suas filhas forem forçadas a tal participação, velem eles por que elas trajem de modo que respeite a decência, e não tolerem jamais os trajes imorais.

 

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VII – Que se estabeleçam e propaguem associações femininas que tenham por fim refrear, com seus conselhos, exemplos e ações, os abusos contrários à modéstia cristã no modo de se vestir, e se proponham a promover a pureza dos costumes e a modéstia dos trajes;

 

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VIII – Nas associações piedosas de mulheres, não se admitem as que se vestem sem modéstia; se os membros da associação são repreensíveis neste ponto, sejam repreendidos e, caso não se penitenciem, sejam excluídos".

Como se , é a própria Santa que entende deverem tratar de modas, etc., os estatutos das associações, a tal ponto que, receando que não o façam, as dotou no número VII acima citado, de um verdadeiro regulamento supletivo. Ora, como admitir a eficácia destas determinações, sem regras concretas e fixas, que dêem aos Diretores de Associações uma conduta uniforme, e um meio de agir com evidente imparcialidade em todos os casos concretos que se apresentarem? Com efeito, o que pode haver de mais eficaz para armar de prestígio um Diretor senão um regulamento impessoal que ele aplique imparcialmente a todos os problemas supervenientes?

 

Curiosa contradição

Não queremos concluir o assunto sem uma observação. Por uma curiosa coincidência são muitas vezes as pessoas que, com maior exaltação defendem entre nós a doutrina da incorporação da A. C. à Hierarquia, as que mais se batem contra a adoção, na A. C., dos Códigos de modas em vigor em certas Pias Uniões. Ora, a realidade deveria ser inteiramente outra. De fato, quanto mais altas as funções, tanto mais severas as obrigações. Seria profanar o mandato recebido, pretender-se que dele decorreria outra conseqüência que não um afastamento maior e mais radical de tudo quanto é mau, e uma prática mais perfeita de tudo quanto é bom. Mas, se existe contradição, esta contradição se explica: a nota comum de uma e outra atitude está no desejo de diminuir toda autoridade e todo freio.

 




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