d) – quanto à regulamentos sobre trajes, modas, etc.
Também não tem o menor
fundamento afirmar-se que a A. C. não deve sujeitar seus membros a regras
especiais no tocante a trajes, modas, etc.. O argumento, que em favor desta
temerária inovação se alega, consiste em que tais regras são incompatíveis com
a dignidade humana, porque constituem uma imposição. Daí inferem certos
elementos que a Ação Católica deve, ao contrário das associações auxiliares,
primar por uma intransigente abolição destas regras. Se se alega em contrário
que à Ação Católica cabe primar pelo exemplo, replicam conforme o interlocutor,
com dois argumentos diversos. Ora afirmam que a A. C. deve adaptar-se aos
costumes modernos, sob pena de perder qualquer influência no ambiente em que
vive e assim tornar impossível o apostolado. Ora afirmam que as regras de
conduta são supérfluas e até irritantes, que a A. C. deve obter que seus
membros usem espontaneamente trajes modelares, em conseqüência de convicções
profundas neles incutidas, e jamais pela ação de regras meramente exteriores e
de valor apenas coercitivo. Por isto, consideram a necessidade de promulgar as
regras de modéstia como fracasso de formação. Mas, analisando o primeiro
argumento, vemos que, pelo contrário, elas constituem precioso meio de
formação.
São Tomás de Aquino
esclarece luminosamente esta questão quando diz na Sum. Theolog., Ia., IIae., Q. 95, art.
1 – “Se é útil terem os homens estabelecido leis”.
Examinemos o assunto,
deixando para outro capítulo a tarefa de refutar a alegação de que a Ação
Católica precisa capitular ante os costumes modernos se não quiser ser estéril.
Quanto à utilidade e necessidade da lei, diz o Doutor Angélico: "Parece
que não é útil terem os homens estabelecido leis". Pois,
1ª Objeção: – "A intenção de qualquer lei é tornar os homens bons. Mas
os homens são levados ao bem antes voluntariamente, por advertências, do que
coagidos por leis".
Solução: "Como do
sobredito resulta, o homem tem aptidão natural para a virtude; mas a perfeição
mesma da virtude é forçoso adquirí-la por meio da disciplina. Assim, vemos que
é por alguma indústria que o homem satisfaz às suas necessidades, por exemplo,
as do comer e do vestir-se. Dessas indústria já a natureza lhe forneceu o
início, a saber, a razão e as mãos; não porém o complemento, como o fez para os
outros animais, a que deu a cobertura dos pêlos e alimentação suficiente.
"Ora, para a
disciplina em questão, o homem não se basta facilmente a si próprio. Pois a
perfeição da virtude consiste, principalmente, em retraí-lo dos prazeres
proibidos, a que sobretudo é inclinado, e máxime os jovens, para os quais a
disciplina é mais eficaz. Logo, é necessário que essa disciplina, pela qual
consegue a virtude, o homem a tenha recebido de outrem. Assim, para os jovens
naturalmente inclinados aos atos de virtude, por dom divino, basta a disciplina
paterna, que procede por advertências. Certos, porém, são protervos, inclinados
aos vícios e não se deixam facilmente mover por palavras. Por isso é necessário
sejam coibidos do mal pela força e pelo medo, para que, ao menos assim,
desistindo de fazer o mal, e deixando a tranqüilidade aos outros, também eles
próprios pelo costume sejam levados a fazer voluntariamente o que antes faziam
por medo, e, deste modo. se tornem virtuosos. Ora. essa disciplina, que coíbe
pelo temor da pena, é a disciplina das leis. Por onde é necessário, para a paz
dos homens e para a virtude, que se estabeleçam leis. Pois, como diz o
Filósofo, "o homem, se aperfeiçoado pela virtude, é o melhor dos animais,
afastado da lei e da justiça é o pior de todos"; porque tem as armas da
razão, para realizar suas concupiscências e crueldades, que os outros animais
não têm".
Evidentemente, a lei
ou regulamento interno da A. C. ou de qualquer associação tem isto de diverso
da lei civil – de que trata no texto acima o Doutor Angélico que ao império da lei
civil não se foge, e qualquer pessoa pode subtrair-se à ação dos regulamentos
demitindo-se do sodalício.
O amor aos ideais do
sodalício e aos benefícios espirituais que ele proporciona, o temor dos perigos
a que se expõe a alma desgarrando-se de um ambiente sadio e edificante, o
receio de desagradar pessoas respeitáveis e dignas de estima, tudo isto
concorre para tornar difícil e por vezes dificílima tal demissão, com o que o
argumento de São Tomás conserva, para este caso concreto, valor decisivo. Aliás,
se a Igreja pensasse de outra maneira seria o caso de queimar o Código de
Direito Canônico e as Regras de todas as Ordens Religiosas.
É fato que a
verdadeira virtude resulta das disposições interiores, pelo que qualquer
associação, e máxime a A. C., deve antes de tudo formar as almas interiormente,
dispensando-lhes os conhecimentos e os meios de adestramento da vontade
necessários para tanto. A existência de um regulamento em que se encontrem
proibições relativas ao comportamento e ao modo de trajar, auxilia
poderosamente esta formação não só em conseqüência do que disse São Tomás sobre
o valor educativo da lei mas ainda porque elucida questões concretas, a
respeito das quais mesmo os espíritos mais zelosos teriam por vezes dificuldade
em encontrar o meio termo entre o escrúpulo e o laxismo.
São Tomás de Aquino
trata indiretamente desta questão, quando diz na Sum. Theolog., Ia., IIae., Q. 59, art.
1:
2ª Objeção: – "O Filosofo diz: "Os homens buscam o juiz, como à
justiça animada. Ora, a justiça animada é melhor que a inanimada, contida nas
leis. Logo, melhor seria entregar a
execução da justiça ao arbítrio dos juízes, do que legislar a este
respeito".
Resposta: "Como
diz o Filósofo, é melhor que tudo seja regulado por lei, do que entregue ao
arbítrio dos juízes. E isto por três razões. Primeiro, por ser mais fácil
encontrar uns poucos homens prudentes, suficientes para fazer leis retas, do
que muitos que seriam necessários, para julgar bem de cada caso particular.
Segundo, porque os legisladores, com muita precedência consideram sobre o que é
preciso legislar; ao contrário, os juízos sobre fatos particulares procedem de
casos ocorridos subitamente. Ora, mais facilmente pode o homem ver o que é reto
depois de ter refletido muito, do que apoiado só num único fato. Terceiro,
porque os legisladores julgam em geral e para o futuro; ao passo que os homens,
que presidem ao juízo, julgam do presente, a cujo respeito sentem a inclinação
do amor ou do ódio, ou de qualquer outra cupidez. Portanto, como a justiça
animada do juiz não se encontra em muitos, e é flexível, é necessário, sempre
que for possível, que a lei determine como se deve julgar, e quase nada se
deixe ao arbítrio dos homens".
Com efeito, é em
virtude do mesmo princípio que devemos evitar, por meio de leis e regulamentos,
na A. C. como nas demais associações religiosas, que a decisão de questões
concretas delicadíssimas seja confiada a cada associado, que assim será, aliás,
ao mesmo tempo, parte e juiz.
Exemplifiquemos com um
caso concreto. A Federação Mariana Feminina de São Paulo sentiu a necessidade
de prescrever regras do vestuário às Filhas de Maria, levada sobretudo pelo
desejo de dirimir as questões complexas que a adoção de trajes convenientes
suscita na prática. Era então Diretor da Federação o Pe. José Gaspar de
Afonseca e Silva, ulteriormente "ad maiora vocatus". A fixação dessas
regras, que será útil transcrever, absorveu muito a atenção do seu ilustre
autor, o que bem demonstra que os problemas ali resolvidos não estavam ao
alcance de qualquer pessoa. De tal trabalho, saiu uma obra de raro equilíbrio e
grande utilidade. Ficaram, assim, as Filhas de Maria dotadas de um meio de
santificação, que não era necessário em conseqüência de falta de formação
interior, mas, pelo contrário, se impunha como único meio de dar realização
concreta aos generosos impulsos que a formação interior suscitara.
Transcrevemos aqui o
douto e prudente documento:
"A)
– MODAS
a) – deve a moda
achar-se em absoluta conformidade com a modéstia cristã, excluído qualquer
exagero, inclusive no tocante à pintura;
b) – exigem-se mangas
compridas até os punhos para a recepção dos Sacramentos, bem como em toda a
ocasião em que esteja exposto o Santíssimo;
c) – em qualquer outra
circunstância são toleradas as mangas curtas, uma vez que cheguem ao cotovelo;
d) – nunca será,
portanto, permitido a uma Filha de Maria trazer um vestido de todo sem mangas.
B)
– DIVERSÕES
Cumpre à Filha de
Maria, na medida do possível, somente apresentar-se em sociedade na companhia
de sua família.
a) – Bailes: nas condições supra, toleram-se os familiares, onde
exclusivamente será permitida a dança respeitadas as regras intrínsecas da
modéstia.
b) – Praias: a Filha
de Maria deve, em qualquer praia de banho, conservar a máxima distinção, como o
requer o título que a honra. Escolherá com sensatez o seu traje e, em hipótese
alguma, deixará o seu roupão toda a vez que se achar fora dágua. Em nenhuma outra ocasião
lhe será permitido abster-se de meias ou usá-las curtas.
c) – Piscinas: É expressamente vedado à Filha de Maria tomar parte
em banhos mistos em piscinas.
d) – Clubes de regatas ou de natação: Dada a promiscuidade
inevitável dos clubes de regatas e de natação, proíbe-se à Filha de Maria
inscrever-se em seus quadros sociais.
e) – Carnaval: É expressamente proibido à Filha de Maria tomar parte
em bailes e em cordões carnavalescos, bem como usar traje masculino ou qualquer
fantasia que possa, embora de leve, ofender as regras da decência.
Parágrafo único: O traje masculino é sempre vedado à Filha de Maria,
em qualquer circunstância que seja. A proibição dos pijamas estende-se também
às praias de banho.
Nota: – Se acaso se vir uma Filha de Maria na
impossibilidade de cumprir à risca qualquer destas disposições, deve
imediatamente, depois de consultado o confessor próprio, expor o caso ao Revmo.
Pe. Diretor de sua Pia União, o qual dará a solução que julgar mais acertada,
tendo porém o cuidado de fazer chegar essa solução ao conhecimento da Federação
de sua Diocese. No caso contrário, a falta cometida resultará para a Filha de
Maria na sua exclusão imediata da Pia União.
Tomando o Conselho
conhecimento da eliminação de uma Filha de Maria deve fazê-lo com grande
elevação de espírito não permitindo, de modo algum, se teça a respeito
descaridoso comentário. Esforce-se a Diretoria por desenvolver intenso
apostolado junto à faltosa, afim de levá-la a melhores sentimentos e
reconduzi-la quando possível, à grei mariana após novo período do
noviciado".
* * *
É evidente a utilidade de tais regras. Com
efeito, o fim da lei não é apenas elucidar, mas ordenar e punir. É justo,
louvável e explicável que os membros de determinada associação não se queiram
deter nos limites extremos sugeridos ou tolerados pela moral, mas que se
proponham reagir contra o paganismo ambiente, não só pelo uso exclusivo do que
é lícito como ainda trajando-se apenas do modo compatível com a mais severa e
rigorosa pureza de costumes. Ora, é natural que uma organização assim
constituída tenha o direito de exigir dos membros o cumprimento das regras, que
constituem sua finalidade. Só um temperamento marcadamente vibrátil poderia
sentir-se melindrado com tal coisa.
Finalmente, só se
admitirmos a ação mágica ou mecânica da Sagrada Liturgia poderemos conceber que
jamais membro algum de tais associações transgrida a modéstia do traje ou do
procedimento. De que maneira se defenderá a associação, senão punindo o membro
faltoso? Como estabelecer uma punição sem lei prévia? Exageramos? Então
exagerou conosco a Santa Sé. A Sagrada Congregação do Concílio, no pontificado
de Pio XI em documento de 12-1-1930 decretou que
"I – Os párocos e
pregadores, quando se lhes oferecer ocasião insistam, repreendam, ameacem,
exortem os fiéis, segundo as palavras de São Paulo, afim de que as mulheres se
vistam de um modo que respire o pudor e seja o ornamento e a salvaguarda da
virtude;
* * *
III – Que os pais
proíbam a suas filhas a participação em exercícios públicos e concursos
ginásticos e se suas filhas forem forçadas a tal participação, velem eles por
que elas trajem de modo que respeite a decência, e não tolerem jamais os trajes
imorais.
* * *
VII – Que se
estabeleçam e propaguem associações femininas que tenham por fim refrear, com
seus conselhos, exemplos e ações, os abusos contrários à modéstia cristã no
modo de se vestir, e se proponham a promover a pureza dos costumes e a modéstia
dos trajes;
* * *
VIII – Nas associações
piedosas de mulheres, não se admitem as que se vestem sem modéstia; se os
membros da associação são repreensíveis neste ponto, sejam repreendidos e, caso
não se penitenciem, sejam excluídos".
Como se vê, é a
própria Santa Sé que entende deverem tratar de modas, etc., os estatutos das
associações, a tal ponto que, receando que não o façam, as dotou no número VII
acima citado, de um verdadeiro regulamento supletivo. Ora, como admitir a
eficácia destas determinações, sem regras concretas e fixas, que dêem aos
Diretores de Associações uma conduta uniforme, e um meio de agir com evidente
imparcialidade em todos os casos concretos que se apresentarem? Com efeito, o
que pode haver de mais eficaz para armar de prestígio um Diretor senão um
regulamento impessoal que ele aplique imparcialmente a todos os problemas
supervenientes?
Curiosa contradição
Não queremos concluir o
assunto sem uma observação. Por uma curiosa coincidência são muitas vezes as
pessoas que, com maior exaltação defendem entre nós a doutrina da incorporação
da A. C. à Hierarquia, as que mais se batem contra a adoção, na A. C., dos
Códigos de modas em vigor em certas Pias Uniões. Ora, a realidade deveria ser
inteiramente outra. De fato, quanto mais altas as funções, tanto mais severas as obrigações. Seria profanar o mandato recebido, pretender-se que
dele decorreria outra conseqüência que não um afastamento maior e mais radical
de tudo quanto é mau, e uma prática mais perfeita de tudo quanto é bom. Mas, se
existe contradição, esta contradição se explica: a nota comum de uma e outra
atitude está no desejo de diminuir toda autoridade e todo freio.
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