Evitemos qualquer
unilateralismo
Advogando tão austeros princípios, jamais quereríamos ser unilaterais. Deus
nos livre de esquecermos a brandura evangélica! O próprio Espírito Santo põe limites à ação da justiça, quando adverte
no Antigo Testamento: "Castiga teu filho, não percas a esperança (da
emenda), mas não chegue tua severidade ao excesso de lhe dares a morte"
(Prov., 19,18).
Mas, se não queremos
esquecer os limites, fora dos quais a justiça seria odiosa, livre-nos Deus de
esquecer também os limites fora dos quais não seria menos odiosa a tolerância. Não é na observância de
ambos os limites que está a perfeição?
Equilíbrio difícil este, entre a benignidade e a fidelidade à lei:
"Muitos homens se chamam compassivos, mas quem achara um homem
inteiramente fiel?" (Prov., XIX, 6).
A Santa Igreja, sempre fiel à doutrina revelada, consagrou os mesmos
princípios, como já dissemos, em sua legislação. É típica, neste sentido a
situação em que se encontram os "excomungados vitandos", que, além da
privação dos bens espirituais a que ficam sujeitos todos os excomungados, devem
ser evitados pelos fiéis, mesmo nas coisas profanas, conversas, cumprimentos,
etc., excetuando-se apenas o que de todo for indispensável, bem como os
empregados, parentes ou semelhantes (Canon, 2257). Para que se veja a situação de horror em que a Igreja
lança o excomungado "vitando", note-se o seguinte: caso um indivíduo
que tenha incorrido nesta pena entre numa Igreja onde se esteja celebrando o
Santo Sacrifício da Missa, deve o celebrante parar até que o excomungado seja
expulso do recinto. Mas se isso não for possível, interromper o Sacrifício, caso
não tenha chegado ao Canon ou à Congregação, e, se já tiver consagrado,
continuar a Missa até a segunda oblação, terminando as últimas orações noutro
lugar decente4.
Não é, entretanto, da
infidelidade ao dever de justiça, de que acima falávamos, hoje tão freqüente,
que decorre o poder-se aplicar a muita associação e a muito setor da A. C. esta
descrição: "Passei pelo campo do homem preguiçoso e pela vinha do homem
insensato, e vi que tudo estava cheio de urtigas, e que os espinhos cobriam sua
superfície, e que o muro de pedra estava caído"? (Prov., XIV, 30-32). Ah! O muro caído que já não defende o campo contra a
semeadura do "inimicus homo"! Ah! As urtigas e os espinhos, que deveram ser
arrancados, mas que vicejam abafando o trigo e as flores! Se ao menos pudéssemos dizer, como logo em seguida diz
a Escritura: "Ao ver isto, refleti, e este exemplo foi para mim uma
lição" (Prov.. XXIV. 32-33).
Compreendêssemos ao
menos assim que "a vara e a correção dão sabedoria, o menino porém que é
abandonado à sua vontade é a vergonha de sua mãe" (Prov. XXIX, 15).
É aliás, de energia a
atitude natural e espontânea de qualquer alma nobre e reta, quando posta em
presença da arrogância e rebeldia do pecador, que se orgulha de seu pecado. Diz
do justo a Escritura que "sua boca rablicará a verdade", isto é, não
a calará nem desbotará, mas que, pelo contrário, "sua língua detestará o
ímpio" (Prov., VIII, 7).
Com efeito, o justo,
isto é, aquele que tem "o temor do Senhor, odeia o mal, detesta a
arrogância e a soberba, o caminho corrompido e a língua dupla" (Prov.
VIII, 13).
Por isto, no trato com
os inimigos da Igreja, e sobretudo os inimigos internos, sem jamais violar a
caridade, "o homem sábio é forte e douto, robusto e valente" (Prov.,
XXIV, 5).
Pelo contrário, que impressão
penosa deixam certos "recuos estratégicos" dos bons, recuos estes que
são quase sempre menos estratégicos do que se pensa: "Como uma fonte
turbada com o pé, e como uma veia de água corrompida, assim é o justo que cai
diante do ímpio" (Prov, XXV, 26).
E, com isto,
invertem-se escandalosamente os papéis, pois, segundo os desígnios de Deus,
"o ímpio foge... o justo, porém, como um leão furioso, estará sem
terror" (Prov., XXVII, 1).
E que ótimo apostolado
se faria, se se seguissem os desígnios de Deus! "Quando os ímpios
perecerem, multiplicar-se-ão os justos" (Prov., XXVIII, 28). E, pelo
contrário, "com a multiplicação dos ímpios, se multiplicarão as
maldades" (Prov., XXIX, 16).
Não é pois em vão que,
esgotados amorosamente todos os outros recursos, deve o dirigente sábio
"dissipar os ímpios e curvar sobre eles a roda" (Prov., XX, 26).
Aquele que persiste, por atos ou palavras, em transgredir a lei de Deus ou os
regulamentos da A. C., escarnece, no fundo, da autoridade. E a Escritura diz: "Lança
fora o mofador, e com ele se irá a discórdia, e cessarão os litígios e
ultrajes" (Prov., XXII, 10).
Concluamos, pois,
afirmando com o angélico e dulcíssimo Pontífice Pio X que quem falta com o
dever de advertir e punir o próximo, longe de mostrar verdadeira caridade,
mostra possuir apenas a caricatura da caridade, que é o sentimentalismo, porque
a transgressão desse dever é uma ofensa a Deus e ao próximo:
"Quando sei a
vosso respeito de coisas que não agradam a Deus e são contrárias aos vossos
interesses, se eu não vos advertir, não posso pretender que amo a Deus, nem que
vos amo como devo" (Pio X, Encl. Communium Rerum, de 21 de Abril de 1909).
Em uma afirmação notável, que podemos repetir baseados na autoridade de seu
grande nome, dizia o ínclito D. Antonio Joaquim de Melo, um dos maiores Bispos
que teve o Brasil, que "a Misericórdia de Deus tem mandado mais almas para
o inferno do que sua Justiça." Em outros termos, afirmava o grande Prelado
que a esperança temerária de salvação perderá maior número de almas, do que o
temor excessivo da Justiça de Deus. Do mesmo modo é indiscutível que a
excessiva benignidade na aplicação das penas, que ora se observa em muitas
associações religiosas, e a inteira carência delas em certos setores da A. C.,
têm depauperado mais as fileiras dos filhos da luz, do que os atos de energia
inconsiderados e talvez excessivos, eventualmente levados a cabo.
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