Vida interior acima
de formação técnica
Mas, de que natureza deve ser esta formação?
A este respeito se tem feito, com razão, uma distinção entre formação
espiritual, destinada a dotar o apóstolo das virtudes necessárias, e a chamada
“formação técnica”, que tem por objetivo ensinar ao estagiário ou membro da A.
C. os meios de que se deve servir para tornar eficaz seu apostolado.
Tem-se divulgado, infelizmente, entre nós, a doutrina de que a chamada
preparação técnica é muito mais importante do que a preparação espiritual, a
tal ponto que, em certos círculos, ocupa lugar preponderante, ou quase
exclusivo. Discordamos deste modo de
entender. Uma simples localização do problema em seus devidos termos mostra a
sua verdadeira solução.
Se bem que se possa
estabelecer entre a formação técnica e a formação espiritual uma certa
distinção, esta jamais poderá implicar em separação. Com efeito, a formação
técnica compreende noções sobre o fim, natureza, estrutura da A. C., suas
relações com a Hierarquia e as várias organizações do laicato, o meio de expor
a verdade, atrair as almas, e conquistá-las para Jesus Cristo; o devotamento, o
entusiasmo, o espírito sobrenatural com que o apostolado deve ser feito, o
conhecimento do ambiente e dos problemas sociais, etc.. Ora, sem instrução
religiosa séria, sem verdadeiro senso católico, é absolutamente impossível
ter-se de todos estes assuntos, uma idéia exata. Os numerosos erros, que neste
livro vimos refutando, provam de sobejo quanta razão nos assiste ao afirmá-lo.
Ademais, a posse das
qualidades naturais, tão úteis ao apostolado, está longe de ser o fator mais
importante do êxito. Prova-o o próprio caráter sobrenatural da comunicação da
graça, que é a essência do apostolado. Limitemo-nos somente a narrar aqui um
fato típico referido por D. Chautard.
É evidentemente
conforme ao bom senso que se desenvolva com todo o esmero a formação técnica.
Mas seria um absurdo negligenciar a formação espiritual, sacrificando-a à
formação técnica. Antes pelo contrário, se algum sacrifício devesse ser feito,
sê-lo-ia necessariamente em detrimento da técnica e em proveito da vida
interior. Em outros termos, na ordem dos valores a formação espiritual deve
preceder a formação técnica.
Leiamos o esplêndido
exemplo que, a este respeito, narra Dom Chautard:
"Uma Congregação
de admiráveis Irmãs catequistas era dirigida por um Religioso, cuja vida se
escreveu há pouco. "Minha Madre, disse um dia esse homem interior a uma
Superiora local, sou de opinião que a Irmã X..., deixe, pelo menos durante um
ano, de ensinar o catecismo. – Mas, meu Padre, talvez V. R. não tenha pensado
que essa Irmã é a melhor da diretoras. As crianças concorrem de todos os bairros da
cidade, atraídas pelas suas maneiras maravilhosas. Retirá-la do catecismo é provocar a deserção da maior
parte desses rapazinhos. – Assisti da tribuna ao seu catecismo, respondeu o
Padre. Ela deslumbra, com efeito, as crianças, mas de uma forma demasiadamente
humana. Após mais um ano de noviciado, melhor formada na vida interior, ela há
de santificar então a sua alma e as almas das crianças pelo seu zelo e pela
utilização dos seus talentos. Mas atualmente, ela é, sem o pensar, um obstáculo
à ação direta de Nosso Senhor sobre essas almas que se estão preparando para a
primeira Comunhão. Vamos, Madre, vejo que a minha insistência a contrista. Pois
bem: aceito uma transação. Conheço a Irmã N..., alma muito interior, mas sem
grandes dotes de inteligência. Peça a Sua Superiora Geral que lha envie por
algum tempo. A primeira virá começar por um quarto de hora o catecismo,
precisamente para acalmar os seus temores de deserção; depois, pouco a pouco,
há de retirar-se completamente. Verá como as crianças rezarão melhor e cantarão
mais piedosamente os cânticos. O recolhimento e a docilidade delas hão de
refletir então um caráter mais sobrenatural. Esse será o termômetro.
"Quinze dias
depois (a Superiora pôde comprová-lo), a Irmã N... dava sozinha as lições e sem
embargo aumentava o número das crianças. Era verdadeiramente Jesus que dava o
catecismo por ela. Pelo seu olhar, sua modéstia, sua doçura, sua bondade, pela
sua maneira de fazer o sinal da cruz ela dizia Nosso Senhor. A Irmã X...
conseguia explicar com talento e tornar interessante as coisas mais áridas. A
Irmã N... fazia mais. Certamente ela nada negligenciava para preparar as suas
explicações e expô-las com clareza, mas o seu segredo, o que dominava no seu
curso, era a unção. É por meio desta unção que as almas se põem verdadeiramente em contacto com
Jesus.
"Nos catecismos
da Irmã N... não abundavam essas expansões ruidosas, esses olhares estupefatos,
essa fascinação que, de igual sorte, provocaria qualquer conferência
interessantíssima de um explorador ou a comovente narração de uma batalha.
"Ao invés havia
uma atmosfera de atenção recolhida. – Aquelas crianças estão na sala do
catecismo como na igreja. Nenhum meio humano se emprega para impedir a
dissipação ou o aborrecimento. Qual é pois a influência misteriosa que paira
sobre essa assistência? Não nos iludamos, é a influência de Jesus que ali
diretamente se exerce. Porque uma alma
interior, explicando as lições de catecismo, é uma lira que vibra tão somente
sob os dedos do Artista divino. E nenhuma arte humana, por maravilhosa que
seja, é comparável à ação de Jesus" ("A alma de Todo o
Apostolado" – págs. 144-145 da edição portuguesa).
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