a) -- acima de tudo
cuidemos da santificação e perseverança dos bons.
Passemos a justificar
a primeira proposição. A simples análise do dogma da Comunhão dos Santos já nos
oferece para tal, um argumento precioso. Há uma solidariedade sobrenatural no
destino das almas de forma que os méritos de umas revertem em graças para
outras, e, reciprocamente, a alma que deixa de merecer, depaupera todo o tesouro
da Igreja. Ouçamos a este respeito a admirável lição de um mestre. O R. P.
Maurice de la Taille, no seu conhecido tratado sôbre o Santíssimo Sacrifício e
Sacramento da Eucaristia, à pág. 330-1 observa que “a devoção habitual da
Igreja jamais desaparece, pois que Ela jamais perderá o Espírito de Santidade
que recebeu; pode não obstante esta devoção, na variedade dos tempos, ser maior
ou menor". E aplicando este princípio ao Sacrossanto Sacrifício da Missa,
acrescenta: "Quanto maior for ela, mais aceitável será sua oblação. Eis,
pois, que é de suma importância existirem na Igreja muitos santos e muito
santos; nem nunca jamais se deve poupar ou impedir que os varões religiosos e
mulheres envidem esforços para que cada dia cresça o valor das Missas e se
torne mais potente aos ouvidos de Deus a voz indefectível do Sangue de Cristo
que clama da Terra. Pois que nos altares da Igreja clama o Sangue de Cristo,
mas pelos nossos lábios e coração: tanto quanto se lhe abrir o vigor de
vociferar" (apud Filograssi, Adnotationes in SS. Euchaaristiam, pg.
1115-6).
A vista disto, não é
difícil verificar que, no plano da Providência, a santificação das almas boas
ocupa um papel central na conversão dos infiéis e pecadores. Eclesiásticos ou
leigos, são tais almas de certa forma "o sal da terra e a luz do
mundo". É neste sentido que se deve afirmar que as Ordens Contemplativas são de
grande utilidade para toda a Igreja de Deus. Ora, o mesmo se deve dizer das almas santas, que vivem vida de
apostolado no século. Ai! das coletividades cristãs onde se apaga a luz da
prece das almas justas e decai o valor expiatório dos sacrifícios. Narra D.
Chautard que o simples estabelecimento de conventos contemplativos e reclusos,
em zonas missionárias, opera maravilhas. É, em última analise, da santidade que
depende a vitória da Igreja na grande luta em que está empenhada. Uma só alma
verdadeiramente sobrenatural que, com os méritos de sua vida interior torne
fecundo seu próprio apostolado, conquista para Deus muito maior número de almas
do que uma legião de apóstolos de medíocre vida de oração.
Esta verdade é de
aceitação corrente para o que diz respeito ao Clero. Por mais importante que
seja o problema das vocações sacerdotais, jamais se igualará à obra da
santificação do Clero. Em nenhum país do mundo há questão tão importante. E,
implicitamente, em matéria de apostolado leigo o mesmo princípio se impõe. Se é
mais importante haver um grupo de apóstolos sacerdotais verdadeiramente santos,
do que um Clero numeroso, há de ser logicamente mais importante haver um grupo
de apóstolos leigos verdadeiramente interiores, do que uma inútil multidão de
membros da A. C.. Se para o Clero o problema máximo é a santificação cada vez
maior de seus membros, para a A. C., que é sua humilde colaboradora, não pode haver
maior desejo do que a santificação de seus membros e de todas as almas piedosas
na Igreja de Deus.
Há um flagrante
naturalismo em imaginar que a Igreja lucraria com o aumento de atividade
apostólica de seus membros, em detrimento de sua vida de oração. É muito mais à
oração das almas verdadeiramente unidas a Deus, do que às atividades externas,
sempre úteis e louváveis contudo, que a Igreja deve seus melhores louros. Dí-lo
Leão XIII, na Encíclica "Octobri Mense", de 22 de Setembro de 1891:
"Se se pergunta
porque a perfídia dos maus não chega a obter a plena realização de seus
propósitos; porque, pelo contrário, a Igreja, através de tantos acontecimentos
desfavoráveis, conservando sua grandeza e sua glória intactas, se eleva sempre
e não cessa jamais de progredir, é legitimo procurar a causa principal
de um e outro fato na força da oração da Igreja sôbre o coração de Deus; de
outra maneira, com efeito, a razão humana não pode compreender como o poder da
iniqüidade esteja contido dentro de tais limites, enquanto a Igreja, reduzida à
extremidade, triunfa, entretanto, tão magnificamente."
Em outro passo da
mesma encíclica, diz ainda o Papa:
"As orações,
pelas quais suplicamos a Deus que proteja sua Igreja, unidas aos sufrágios dos
Santos do céu, Deus as atende sempre com a maior bondade, tanto as que se
referem aos interesses maiores e imortais da Igreja, quanto as que visam
benefícios menores, próprios à época presente, mas em harmonia com os
primeiros. Com efeito, a estas orações se acrescentam o poder e a eficácia das
orações e dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pontífice supremo, santo,
inocente, sempre vivo para interceder por nós".
E o Santo Padre
acrescenta: "Ver-se-á um dia que é graças à oração, que, no meio de um
mundo depravado, muitos conseguiram preservar intactas suas almas, limpas de
toda mácula na carne e no espirito, realizando sua santificação no temor de
Deus; que outros, no próprio momento em que se iriam entregar ao mal,
contiveram-se repentinamente e encontraram, no próprio perigo e na tentação, um
feliz acréscimo de virtude; que outros, enfim, tendo sucumbido, sentiram na
alma uma certa solicitação para se reerguerem e se atirarem ao seio do Deus de
misericórdia".
Se, do ponto de vista
da Comunhão dos Santos, é esta a conclusão a que devemos chegar, o que a
Teologia nos diz, por outro lado, da essência do apostolado, nos conduz à
conclusão idêntica. Como já tivemos ocasião de dizer, o apóstolo é mero
instrumento de Deus, e a obra de santificação das almas ou de sua conversão é
essencialmente sobrenatural e divina (Cfr. S. T. Ia., IIae.; q. 109. aa. 6, 7).
“Ninguém
pode vir a mim se meu Pai, que me enviou, não o atrair”, disse N. S. (J., 6,
44). Ora, Deus não se serve, senão raramente, para tão augusta tarefa, de
instrumentos indignos, e a pergunta da Escritura "ab immundo, quid
mundabitur?" não exprime apenas a incapacidade natural e psicológica do
apóstolo indigno em produzir obras fecundas, mas ainda a repugnância que sente
Deus, em se servir de elementos tais, para por meio deles operar os mistérios
augustíssimos da regeneração das almas.
Não se pense, porém,
que só o pecado mortal é nocivo à fecundidade da obra do apóstolo. Também os pecados veniais
e até as simples imperfeições diminuindo a união das almas com Deus, minguam as
torrentes de graças de que elas deveriam ser canais. Quanta e quanta obra
louvável por aí se arrasta, às voltas com mil dificuldades; lutam em todos os
terrenos os seus generosos diretores, sem conseguir qualquer resultado e com
isto ficam afastadas centenas ou milhares de almas, que nos desígnios da
Providência se deveriam salvar por meio desta obra. E, enquanto contra todas as
dificuldades se quebram os mais heróicos esforços, não percebem os seus
diretores que a fonte dos malogros é outra. "Venti et mária oboediunt
ei", diz de Jesus a Escritura, e por certo poderiam sob seu império ruir
todos os obstáculos. Mas os intermediários da graça divina, conquanto zelosos,
têm esta ou aquela infidelidade que os afasta de Deus. E Jesus espera da
renúncia a algum sentimentalismo por demais vivaz, a algum amor próprio por
demais pontiagudo, a desobstrução dos canais da graça. O que parecia uma
questão de dinheiro ou de influência social é, não raras vezes, uma questão de
generosidade interior, em uma palavra, uma questão de santificação.
No livro de Josué, Cap. VII,
encontra-se uma narração altamente significativa a esse respeito. Acan tomou
para si, entre os despojos da cidade de Jericó, alguns objetos de valor, se bem
que esta ação fosse ilícita, porque os objetos estavam atingidos pelo anátema,
com que Deus fulminara Jericó. Este simples fato bastou – um homem em todo um
imenso exército trazia entre outros objetos de bagagem alguns que eram malditos
– para que as forças hebraicas fossem inexplicavelmente e estrondosamente
derrotadas no ataque à pequena cidade de Hai. Deus revelou então a Josué que as
armas hebraicas só retomariam seu curso vitorioso quando Acan fosse exterminado
com tudo o que possuía. Sôbre seus restos mortais se ergueu um monumento de
maldição e só assim se apartou de Israel o furor do Senhor: imagem eloqüente do
mal que a toda uma organização pode fazer um só apóstolo leigo, que conserve em
sua alma qualquer apego culposo a seus pecados ou imperfeições.
Tudo isto posto,
percebe-se como é errôneo pretender que, segundo uma expressão infelizmente
corrente, é “chover no molhado” trabalhar pela santificação dos bons. Muito
intencionalmente só aduzimos, em benefício de nossa tese, argumentos que
demonstram, com clareza meridiana, ser esta santificação a mais preciosa
condição para se obter a conversão, tão ardentemente almejada, dos infiéis. O
que ainda não poderíamos dizer, no entanto, sôbre a importância do apostolado
de perseverança dos bons!
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