"Apostolado de
conquista"
De tudo quanto
acabamos de expor, e sobretudo das enérgicas palavras do Episcopado Alemão,
resulta com toda a clareza que não se pode separar o interesse das almas
piedosas daquele que se deve ter pelas dos infiéis e pecadores. Por aí se
compreende como é infundado interpretar num sentido exageradamente literal a
expressão "apostolado de conquista", muito freqüentemente empregada
para designar, com um entusiasmo unilateral e exclusivo, as obras de conversão
dos infiéis, enquanto este titulo é desprezivelmente negado às obras de
preservação e santificação dos bons.
Sem dúvida, toda
conversão de infiéis traz para a Igreja uma dilatação de fronteiras, e como
toda dilatação de fronteiras é uma conquista, pode-se razoavelmente chamar a tais
obras “iniciativas de conquista”. Neste sentido a expressão é licita. Mas, há
um erro, e um erro não pequeno, em votar a tais obras, aliás dignas de todo
entusiasmo, uma espécie de exclusivismo veemente, que perturba a lucidez dos
conceitos e a hierarquia dos valores, atirando a um injustificável menoscabo as
outras obras. Falando da propaganda totalitária, disse Jacques Maritain que ela
possuía a arte de "fazer delirar as verdades". A conversão dos
infiéis é por certo uma obra empolgante, e tudo quanto dela se pudesse dizer em
matéria de encômios ainda ficaria aquém da realidade. Não façamos, porém,
delirar esta nobre verdade.
Infelizmente, este
delírio existe, e é dele que provém a paixão pelas massas e o menoscabo das
elites, a monomania dos recrutamentos tumultuários, o descaso implícito ou
explicito quanto às obras de preservação, etc., etc.. E é ainda a esta ordem de
idéias que se filia um estado de espírito curioso. Em certos círculos, há um
entusiasmo tão respeitoso pelos convertidos, que, segundo a expressão de um
observador muito penetrante, os que sempre foram católicos "têm uma certa
vergonha de jamais haverem apostatado, afim de poderem converter-se".
Evidentemente é pouco todo júbilo pela volta do filho pródigo à casa paterna, e
são dignas de censura as ciumeiras, que, a este respeito, manifestou o filho
sempre fiel. No entanto, a circunstância de haver alguém perseverado sempre, é
em si mesma um titulo de honra maior do que a apostasia seguida de sincera
emenda. É claro que pode haver uma alma penitente, que se eleve muito mais, do
que outra que permaneceu sempre fiel. Seria, porém, temerário discutir,
concretamente, se maior admiração se deve à inocência de S. João, ou à
penitência de S. Pedro, à penitência de Sta. Maria Madalena ou à inocência de
Santa Teresinha do Menino Jesus. Deixemos estas questões ociosas, e sirvamos
todos a Deus com humildade, evitando o exagero de transformar a apostasia em um
título de vã glória.
A preocupação ou antes
a obsessão do apostolado de conquista gera um outro erro que mencionamos
simplesmente aqui, e a respeito do qual em ulterior capítulo nos estenderemos
mais. Consiste em ocultar ou subestimar invariavelmente o que há de mal nas
heresias, afim de dar ao herege, a idéia de que é pequena a distância que o separa
da Igreja. Entretanto, com isto, esquece-se que se oculta aos fiéis a malícia
da heresia, e se aplainam as barreiras que os separam da apostasia! É o que
sucederá com o uso em larga escala, ou exclusivo deste método.
Tem-se divulgado a
opinião de que o apostolado da A. C,. em conseqüência de seu mágico mandato,
exerce sôbre as almas um efeito santificante, de forma que a simples atividade
apostólica basta inteiramente ao membro da A. C., e dispensa a vida interior.
Já se alongou por
demais este capitulo, e não queremos entrar nesta complexa matéria em maiores
digressões. Por isto, limitar-nos-emos a dizer que a Santa Igreja exige dos
Clérigos, e até dos Bispos, que mantenham uma vida interior tanto mais intensa,
quanto mais absorventes forem suas obras. Por onde se vê que o apostolado da
Hierarquia não exime da vida interior. São Bernardo em seu tratado "De
consideratione" não hesita em chamar "obras malditas" as
atividades do Bem-aventurado Papa Eugênio III, desde que elas consumissem o
tempo exigido para o incremento da vida interior daquele Pontífice. E é das excelsas e por
assim dizer divinas ocupações do Papado de que se trata! Que dizer-se então das
modestas ocupações de um simples "participante" da Hierarquia? Serão
suas atividades mais santificantes que as da própria Hierarquia? Como supor na essência e na estrutura da A. C.
virtudes santificantes que dispensam da vida interior!
Enfim, estamos aí em
presença de um recrudescimento do americanismo já condenado por Leão XIII; e no
documento sobre este assunto, se pode encontrar facilmente uma cabal refutação
desta doutrina.
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