É severamente
punida por Deus.
Livre-nos Deus da justa cólera que tais desvios lhe podem causar. Esta cólera pode assumir proporções assustadoras.
Ninguém ignora o alto grau de esplendor a que chegou o Império Romano do
Ocidente. Ora sua civilização grandiosa – uma das maiores da História – morreu
precisamente pela cólera que essa eterna contemporização dos católicos para com
o mal causou a Deus. Templos, palácios, termas, aquedutos, bibliotecas, circos,
teatros, tudo ruiu. Por quê? Três foram, segundo Santo Agostinho, as causas da
queda do Império Romano do Ocidente, e, destas, uma foi a pusilanimidade dos
católicos na luta contra os desmandos do paganismo. Adotaram a tática da
prudência carnal, das meias verdades e do "terreno comum". Por isto,
puniu-os Deus com uma invasão de bárbaros, que constituiu uma das mais
terríveis provações de toda a História da Igreja. Pela enormidade do castigo,
podemos bem medir a gravidade da culpa. Diz o Santo Doutor, no Livro I, da
Cidade de Deus:
"Onde encontrar
(em Roma) aquele que, em presença desses monstros de orgulho, de luxúria, de
avareza, cuja iniqüidade, cuja execrável impiedade obriga Deus a esmagar a
terra, segundo sua antiga ameaça; aquele, digo, que seja diante deles aquilo
que deve ser, que trate com eles como é preciso tratar com tais almas! Quando
seria necessária esclarecê-los, adverti-los, e, mesmo, repreendê-los e
corrigi-los, muitas vezes uma funesta dissimulação nos detém, seja indiferença
preguiçosa, seja respeito humano que não ousa afrontar um semblante iracundo,
seja temor desses ressentimentos que poderiam nos perturbar e nos prejudicar
nosses bens temporais, cuja posse nossa cupidez apetece, e cuja perda nossa
fraqueza teme. Se bem que a vida do ímpio seja aborrecida pelas pessoas de bem,
e que esta aversão as preserve do abismo que espera os réprobos ao sair deste
mundo, todavia esta fraqueza indulgente com as iniqüidades mortais, por temor
de represálias contra suas próprias faltas, faltas leves e veniais entretanto;
essa fraqueza, a salvo da eternidade dos suplícios, é justiça que ela seja
castigada pelos flagelos temporais; é justiça que, na imposição providencial
das aflições, eIa sinta o amargor desta vida que, embriagando-a de suas
doçuras, a afastou de oferecer aos maus, a taça da salutar amargura.
"Se se deixa,
entretanto, a reprimenda e a correção dos pecadores para um tempo mais
favorável, no próprio interesse destes, de medo que eles se tornem piores, ou
que impeçam a iniciação dos fracos nas práticas da piedade e da virtude,
oprimindo-os, desviando-os da fé, isto não é mais instinto de cupidez, isto é
prudência e caridade. O mal é que aqueles, cuja vida, testemunha de um profundo
horror pelos exemplos dos maus, poupam os pecados de seus irmãos, porque temem
as inimizades, porque temem ser lesados em seus interesses legítimos, é
verdade, mas excessivamente caros a esses homens, peregrinos neste mundo,
guiados pela esperança da pátria celestial. Porque não somente aos mais fracos,
que contraíram estado conjugal, tendo filhos ou desejando ter, pais e chefes de
família (aqueles aos quais o Apostolo se dirige para lhes ensinar os deveres
cristãos dos maridos para com suas esposas, das mulheres para com seus maridos,
dos pais para com seus filhos, dos filhos para com seus pais, dos servos para
com seus senhores, dos senhores para com seus servos); não é só a eles que o
amor de certos bens temporais ou terrenos, cujo gozo ou perda lhes é por demais
sensível, tira a coragem de desafiar a ira destes homens, cuja vida infame e
criminosa lhes é odiosa; mas os fiéis mesmos, elevados a um grau superior,
livres do laço conjugal, simples na mesa e no vestir, sacrificam muitas vezes à
sua reputação, a sua segurança, quando, para evitar as insídias ou violências
dos maus, eles se abstêm de os repreender e, sem todavia se deixar intimidar
pelas ameaças, terríveis que sejam, até o ponto de seguir seus sinistros
exemplos, entretanto, não ousam vituperar o que recusariam imitar.
“Talvez tivessem
salvo a muitos, cumprindo esse dever de reprimenda, que eles fazem ceder ao
temor de expor sua reputação e sua vida; e isto não é mais essa prudência, que
guarda uma e outra em reserva, para instrução do próximo, mas antes essa
fraqueza, que se compraz com palavras lisonjeiras, com as luzes ilusórias dos
julgamentos humanos, que teme a opinião do mundo, os ferimentos e a morte da
carne; fraqueza encadeada por laços de cupidez e não por um dever de
caridade". (os grifos são nossos).
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