Não ocultemos a
austeridade de nossa Religião
Não menor reserva
merece a afirmação de que a A. C. deve ocultar, em seu apostolado, todas as
verdades que porventura pudessem afastar as almas, por sua austeridade moral.
Com todo cuidado, deveriam ser evitados os termos ou expressões capazes de dar
a entender que a vida do fiel é uma vida de luta. A razão disto está em que se
pretende mascarar inteiramente, sob aparências alegres, os sofrimentos impostos
a quem segue Jesus Cristo. Não procedia assim o Divino Salvador, que mais de
uma vez declarou ser a Cruz a companheira necessária de quem O quisesse seguir.
Não procediam assim os Apóstolos, e de São Paulo nos fez o Santo Padre Bento XV
o seguinte elogio: "procedeu de maneira que os homens conhecessem de mais
a mais Jesus Cristo, e por aí soubessem não somente o que é preciso crer, mas
ainda como é necessário viver; eis o fim para o qual São Paulo trabalhou com
todo o ardor de seu coração apostólico. Eis porque ele expunha os Dogmas de
Cristo, e todos os preceitos, ainda os mais severos, sem reticências nem
mitigações, falando da humildade, da abnegação de si mesmo, da castidade,
do desprezo das coisas humanas, da obediência, do perdão aos adversários e
outros assuntos análogos. Ele não experimentava a menor timidez em declarar que
entre Deus e Belial é preciso escolher a quem se quer obedecer, e que não é possível
ter a um e outro como Senhor, que um julgamento temível aguarda os que devem
passar da vida à morte; que não é licito transigir com Deus; que se deve
esperar a vida eterna se se cumpre a Lei, e que o fogo eterno aguarda os que
faltam a seus deveres, favorecendo a concupiscência. Com efeito, jamais o
Pregador da verdade teve a idéia de se abster de tratar essa espécie de
assuntos sob o pretexto de que, em vista da corrupção da época, tais
considerações teriam parecido por demais duras para aqueles a quem se dirigia.
E daí se conclui que não se devem aprovar os pregadores que, movidos pelo
receio de aborrecer seus ouvintes, não ousassem abordar estes pontos da
doutrina católica. Um médico prescreverá, porventura, a seus doentes, remédios
inúteis porque os remédios salutares lhe são repugnantes? Aliás, o orador dará
a prova de sua força e de seu poder, se, por sua palavra, souber tornar
agradável o que não o é. Enfim, São Paulo pregava com o espírito de agradar a
Jesus Cristo e não aos homens: "Se eu agradasse aos homens, dizia ele, não
seria servidor de Cristo". (Bento XV, Encíclica "Humani Generis", de 15 de
junho de 1917). Como se vê, esta preciosa regra de conduta para os pregadores,
que falam em nome da Igreja, não poderia deixar de se aplicar também ao apóstolo
leigo, dirimindo inteiramente quaisquer dúvidas a este respeito. Este deve,
pois, ambicionar de todo o coração que sua vida interior seja tal, que ele
possa incitar à penitência todos os homens, com estas magníficas palavras:
"Estou cravado com Cristo na Cruz, e vivo já não eu, mas é Cristo que vive
em mim" (Gal. 2, 19-20).
Poder-se-ia objetar
que a oratória e o apostolado, sendo feitos para atrair, não devem tratar de
assuntos que por sua própria natureza repelem. Errôneo argumento, rejeitou-o a
Sagrada Congregação Consistorial, por resolução de 28 de junho de 1917: "o
pregador não deve ambicionar os aplausos de seus ouvintes, mas procurar
exclusivamente a salvação das almas, a aprovação de Deus e da Igreja. Dizia São
Jerônimo que o ensino, na Igreja, não deve suscitar as aclamações do povo, mas
seus gemidos, e as lágrimas dos ouvintes são os louvores do pregador". Parece-nos que a ninguém
seria possível exprimir-se com mais clareza. Em outros termos, nunca se deve deixar de pregar a Cruz de Nosso Senhor
Jesus Cristo por quem o mundo está crucificado para nós, e nós para o
Mundo" (Gal. 6,14).
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