A caridade não pode
obnubilar a verdade
Confirmando tudo
quanto acabamos de ver, mencionemos, finalmente o conselho que, na magistral
Encíclica sobre S. Francisco de Sales, escreveu Pio XI: "O exemplo do
Santo Doutor lhes traça (aos jornalistas católicos) uma linha de conduta bem
clara: – estudar com maior cuidado a doutrina católica e possui-la na medida de
suas forças; evitar que a verdade seja alterada, atenuada ou dissimulada sob
pretexto de não ferir adversários. Saber, quando um ataque se impõe,
refutar os erros e se opor à malicia dos operários do mal".
Desde os primeiros
tempos da Igreja, tem sido esta a sua linguagem9. Se algum jornal
católico dissesse, falando de hereges, que são "como animais irracionais,
destinados por natureza a serem capturados e mortos" a indignação seria
imensa em alguns de nossos círculos. São Pedro, entretanto, o disse (II, 12). Se um jornal católico
escrevesse dos socialistas, liberais ou nazistas: "são fontes sem água.
Nevoeiros agitados de turbilhões. Aguarda-os
a mais profunda escravidão. Vêm com frases arrogantes e vãs e seduzem pelos
apetites impuros da carne aqueles que mal acabavam de abandonar a sua vida
desvairada. Prometem-lhes a liberdade, quando eles mesmos são escravos da
perdição; pois o homem é escravo daquilo porque é vencido. Pelo conhecimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo tinham fugido dos vícios mundanos, mas deixaram-se
outra vez enredar e escravizar, e tornou-se-lhes o último estado pior que o
primeiro. Melhor lhes fora não terem jamais conhecido o caminho da justiça, do
que, depois de conhecê-lo, voltarem as costas ao Santo Mandamento que
receberam. Verifica-se nesses tais a verdade do provérbio "Volta o cão a
seu vômito" e "o porco que saiu do banho torna a revolver-se no lamaçal"
(II, São Pedro, II, 17 a 22); se um jornal católico, repetimos, escrevesse tais
coisas, que lhe aconteceria?
Na linguagem dos Santos encontramos expressões idênticas. Santo Inácio de
Antioquia, mártir do século II, escreveu antes de seu martírio várias cartas a
diversas Igrejas. Nestas, lemos sobre os hereges as seguintes expressões:
"bestas ferozes" (Ephesios, VII), "lobos rapaces" (Fil. II,
2), "cães danados que atacam traiçoeiramente (Ef. VII), “bestas com rostos
de homens” (Smirn. IV, 1), "hervas do diabo" (Ef. X, 1), "plantas parasitas
que o pai não plantou" (Tral., XI), "plantas destinadas ao fogo
eterno" (Ef. XVI, 2).
Um dos mais diletos discípulos do Apóstolo do Amor foi sem dúvida São
Policarpo, por intermédio de quem soube Santo Irineu que, indo certa vez o
Apóstolo aos banhos, retirou-se sem se lavar, porque aí vira Cerinto, herege
que negava a Divindade de Jesus Cristo, "com receio dizia, que o prédio
viesse abaixo, pois nele se encontrava Cerinto, inimigo da verdade". Pode-se imaginar que Cerinto não se sentiu satisfeito!
O próprio São Policarpo, encontrando-se um dia com Marcião, herege docetista, e
perguntando-lhe este se o conhecia, respondeu: "Sim, sem dúvida, és o
primogênito de Satanás". Aliás, nisto seguiam o conselho de São Paulo: "Ao
herege, depois de uma ou duas advertências, evita, pois que já é perverso e
condena-se por si mesmo" (Tito, III, 10). O mesmo São Policarpo, se
casualmente se encontrava com hereges, exclamava tapando os ouvidos: "Deus
de bondade, porque me conservastes na terra afim de suportar tais coisas?"
E fugia imediatamente, para evitar semelhante companhia.
No século IV, narra
Santo Atanásio que Santo Antônio Eremita chamava, aos discursos dos hereges,
venenos piores do que o das serpentes. Santo Tomás de Aquino, o plácido e
angélico Doutor, qualificou da seguinte maneira Guilherme do Santo Amor e seus
sequazes: "inimigos de Deus, ministros do diabo, membros do Anti-Cristo,
inimigos da salvação do gênero humano, difamadores, réprobos, perversos,
ignorantes, iguais a Faraó, piores que Joviniano e Vigilancia", que eram
hereges contrários à Virgindade de Nossa Senhora. São Boaventura, Doutor
Seráfico, chamou Geraldo, seu contemporâneo, "protervo, caluniador, louco,
envenenador, ignorante, embusteiro, malvado, insensato, pérfido". S.
Bernardo, o Doutor Melífluo, disse de Arnaldo de Brescia, que era
"desordenado, vagabundo, impostor, vaso de ignominia, escorpião vomitado
de Brescia, visto com horror em Roma, com abominação na Alemanha, desdenhado
pelo Romano Pontífice, louvado pelo diabo, obrador de iniqüidades, devorador do
povo, boca cheia de maldição, semeador de discórdias, fabricador de cismas,
lobo feroz". Contra João, Bispo de Constantinopla, disse São Gregório
Magno, que tinha "um profano e nefando orgulho, a soberba de Lúcifer,
fecundo em palavras néscias, vaidoso e escasso de inteligência". Da mesma
forma falaram os Santos Fulgêncio, Próspero, Sirício Papa, João Crisóstomo,
Ambrósio, Gregório Nazianzeno, Basílio, Hilário, Alexandre de Alexandria,
Cornélio e Cipriano, Atenagoras, Irineu, Clemente, todos os Padres enfim da
Igreja, que se distinguiram por suas virtudes heróicas.
O princípio em que se
inspira o procedimento de tantos Santos, condensou-o de modo admirável o
suavíssimo Bispo de Genebra, São Francisco de Sales, nas seguintes palavras:
"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados
tanto quanto se possa, desde que não se falte a verdade, sendo obra de caridade
gritar: eis o lobo! quando está entre o rebanho ou em qualquer lugar onde seja encontrado"
(Filotéa, Cap. XX, da parte II). É claro que não preconizamos o uso exclusivo
desta linguagem. Mas não achamos justo que ela seja acusada de contrária à caridade de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
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