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Plinio Corrêa de Oliveira
Em defesa da Ação Católica

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  • QUARTA PARTE   Atitudes da Ação Católica na expansão da doutrina da Igreja
    • CAPÍTULO II   A tática do "terreno comum"
      • Ajustemos nossos processos à mentalidade hodierna.
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Ajustemos nossos processos à mentalidade hodierna.

 

Cumpre esclarecer que, se tanto a linguagem apostólica impregnada de amor e de suavidade quanto a que incute temor e vibra de santa energia, são igualmente justas e devem uma e outra ser utilizadas em qualquer época, é certo que em determinadas épocas convém acentuar mais a nota austera e em outras a nota suave, sem jamais levar esta preocupação ao extremo – que constituiria um desequilíbrio – de tocar só uma nota e abandonar a outra.

Em que caso se encontra nossa época? Os ouvidos do homem contemporâneo estão evidentemente fartos da doçura exagerada, do sentimentalismo acomodatício, do espírito frívolo das gerações anteriores. Os maiores movimentos de massa, em nossa época, não têm sido obtidos pela miragem dos ideais fáceis. Pelo contrário, e em nome dos princípios mais radicais, fazendo apelo à dedicação mais absoluta, apontando as veredas ásperas e escarpadas do heroísmo, que os principais chefes políticos têm entusiasmado as massas até fazê-las delirar.

A grandeza de nossa época está precisamente nesta sede de absoluto e de heroísmo. Porque não saciar esta louvável avidez com a pregação desassombrada da Verdade absoluta, e da moral sobrenaturalmente heróica que é a de Nosso Senhor Jesus Cristo?

O espírito das massas mudou, e é preciso que abramos os olhos a esta realidade. Não caiamos no erro de as afastar de nós, o que inevitavelmente se dará em nossos ambientes se elas só encontrarem as diluições da homeopatia doutrinária do século XIX.

Pouco antes de falecer, escreveu o insigne Cardeal Baudrillart um artigo em que mostrava que a piedade dos fiéis passava a venerar cada vez mais, em Santa Terezinha do Menino Jesus, o heroísmo de sua morte em holocausto expiatório ao Amor Misericordioso, já não alimentando a sua devoção somente na meditação da doçura aliás admirável da Santa de Lisieux. E Sua Eminência concluía que é pela pregação do heroísmo que a Igreja pode reconduzir hoje as massas a Jesus Cristo, mais do que em qualquer outra época.

Esta gravíssima advertência não deve por nós ser esquecida. Demos às almas o pão forte que hoje em dia elas pedem, e não a água de rosas que já não agrada a seu paladar.

 

*  *  *

 

Não seria supérfluo tratar, aqui de outra questão. Há quem entenda que o apóstolo leigo deve ostentar sempre, e necessariamente, uma fisionomia jovial e transbordante de contentamento, se não quiser afugentar as almas.

Muito abuso se tem feito neste sentido do belíssimo pensamento de S. Francisco de Sales: "Um santo triste é um triste santo".

Segundo muito bem ensina Santo Tomás de Aquino, e o próprio S. Francisco confirma, a "tristeza pode ser boa ou , conforme os efeitos que em nós produz" (S. Francisco de Sales, Pensamentos Consoladores, pg. 178, edição 1922). Assim, o próprio da alma virtuosa consiste em experimentar a tristeza boa e até deixá-la transparecer na fisionomia, sem receio de, com isto, afastar da Igreja qualquer pessoa. Com efeito, esta tristeza edifica, e dela Nosso Senhor sofria quando disse: "Está triste a minha alma até a morte". E, assim como a contemplação da tristeza santíssima de Nosso Senhor converteu inúmeras almas, assim verificar-se estampada no rosto de uma alma piedosa a mesma tristeza, só pode atrair e edificar. É desta tristeza, que disse o Espírito Santo: "Pela tristeza que aparece no rosto, se corrige o coração do delinqüente" (Ecl. VII, 4). E ainda: "O coração dos sábios está onde se encontra a tristeza, e o coração dos insensatos, onde se encontra a alegria" (Ecl, VII, 5).

Com efeito, há uma alegria santa, que edifica, e uma alegria mundana, que escandaliza. É desta última alegria que falou o Espírito Santo, quando disse: "Como o ruído dos espinhos ardendo debaixo de uma panela, assim o riso do insensato; mas também isto é vaidade" (Ecl., VII, 7).

"Bonum ex integra causa": logo, a edificação do próximo tanto pode vir da tristeza santa quanto da santa alegria dos que fazem apostolado. "Malum ex quocumque defectu": de uma alegria mundana, de uma tristeza mundana, só pode resultar desedificação.

Logo, não se deve entender que, para fazer apostolado, é preciso que se esteja sempre alegre. O que é necessário é que, quer nossa aparência seja alegre, quer triste, estejamos sempre com Deus.

As pessoas que caem nestes erros professam também um entusiasmo delirante em relação à virtude da simplicidade. Mas de que modo errôneo a entendem!

Segundo elas, deve o católico dar crédito a tudo quanto se lhe diz, e ser "inocente como uma pomba".

Ora, a inocência da pomba, quando desacompanhada de outra virtude absolutamente tão alta, tão evangélica e tão nobre quanto ela, que é a astúcia da serpente, facilmente se transforma em estultice.

É de "pombas" deste jaez, que disse o Espírito Santo: "são pombas imbecis e sem inteligência" (Oséas, VII, 11).

Com efeito, "o imprudente crédito a tudo o que se Lhe diz, e o cauteloso considera seus passos" (Prov., XIV, 15).

Por isto, o cristão bem formado "quando o inimigo lhe falar em tom humilde, não se fiará nele, porque ele tem sete malicias no coração" (Prov., XXVI, 25). Com efeito, o homem prudente sabe "pelos lábios do inimigo, conhecê-lo, quando no coração está maquinando enganos" (Prov., XXVII, 19).

Assim, o apóstolo bem formado sabe pôr sua perspicácia ao serviço da Igreja, seguindo o conselho da Escritura: – "Apanhai-nos as raposas pequenas, que destroem nossas vinhas, porque a nossa vinha está já em flor" (Cant., II, 15).

Este conselho, segundo o comentário do Pe. Matos Soares (Porto, 1934) quer dizer: "As raposas simbolizam os hereges, que são astutos como elas. É preciso detê-los logo no principio, quando ainda são pequenos (raposas pequenas), do contrário, serão mais tarde a desolação da Igreja".

É a mesma santa astúcia que devemos desenvolver para "viver em amizade com muitos, tendo, porém, como conselheiro, um entre mil: tendo um amigo, tomai-o depois de o ter provado, não nos fiando facilmente nele" (Eclesiástico, VI, 6-7). Manda-nos o mesmo livro: “Separa-te dos teus inimigos, e está alerta com teus amigos” (VI, 13). E, achar difícil a observância desta conduta, é prova de fraqueza: "Quão excessivamente áspera é a sabedoria para os néscios! Não permanecerá nela o insensato. Será para eles como uma pedra pesada que serve para provar, e não tardarão em se descarregar dela" (Ibid., VI, 25-26). Por sentimentalismo, não saberão praticar o conselho: "Segundo as tuas forças, acautela-te do próximo" (Eclesiastico, IX, 21), nem este outro conselho: "Não contes os teus pensamentos nem ao amigo, nem ao inimigo" (Ibid., XIX, 8). Por isso, não sabem "pelo semblante conhecer o homem" (Ibid., XIX, 26). Nem sabem "com o coração sensato discernir pelo rosto as palavras mentirosas, como o paladar discerne o prato de caça" (Ibid., XXVI, 21).

A este propósito, cabe uma observação importantíssima. Já ouvimos em certos círculosevidentemente aqueles em que os efeitos do pecado original são olvidados, se não em teoria ao menos na prática – que a A. C. age muito sabiamente quando confia cargos de responsabilidade e direção a pessoas ainda não muito seguras, do ponto de vista da doutrina ou da fidelidade. Com essa prova de confiança, anima-se o neófito, e apressa-se sua cabal conversão de idéias e de vida.

O mal deste, como de muitos erros que refutamos na presente obra, consiste em formular regras gerais, com base em situações possíveis, mas excepcionais. É possível, com efeito, que em certos casos concretos determinadas pessoas lucrem muito, do ponto de vista espiritual, em serem tratadas assim. No entanto, percebe-se facilmente a que evidentes abusos poderia chegar a generalização dessa regra. Uma comparação elucidará plenamente o assunto. Sabemos que é possível que um ou outro ladrão possa ser convertido a uma vida morigerada, se alguém lhe der uma prova de confiança que lhe estimule o brio abatido, e abra perspectivas de regeneração que, para ele, pareciam irremediavelmente perdidas. Desse fato, possível mas simplesmente possível, e muito raro, deduziremos que é uma regra de conduta comum das mais sábias, confiar-se a ladrões a guarda dos cofres? E se julgamos perigosa essa regra quando se trata de guardar nossos tesouros perecíveis, porque seremos menos prudentes quando se trata da custodia dos tesouros imperecíveis da Igreja?

Evidentemente, não deduzimos dai que um dirigente de A. C. não deva, sempre que tal lhe seja possível, estimular com palavras de afeto aos principiantes, e mesmo, na medida em que o permitir a prudência, dar-lhes uma ou outra pequena prova de confiança, como seja uma incumbência transitória qualquer. Mas dai, a outorga de um cargo, e sobretudo de um cargo de responsabilidade, há uma imensa distância que, por princípio, não se deve transpor, a não ser em circunstâncias especialíssimas e por isto mesmo muito raras.

O mesmo se deve dizer dos elogios públicos. Disse com muita graça um elemento da A. C. que tem a impressão de que, aos olhos de muita gente, a Igreja é uma irmã pobre de todo o mundo, que se contenta com os restos, a quinquilharia, etc., enquanto o que há de melhor fica para o uso profano de instituições meramente temporais. E, precisamente por isto, quando se aproxima de certos ambientes católicos alguma figura de certo relevo, são por vezes tantas e tais as manifestações de prazer que, antes mesmo de se ter procedido a indagações e provas que a prudência impõe, já o neófito está canonizado! E, às vezes, essa "aproximação" é puramente ilusória: um ato, uma palavra, uma meia palavra até, já é prova de uma conversão autêntica e duradoura, que merece imediatos e ardentes aplausos, e a concessão de foros de catolicidade insuspeita e total.

 

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