Pluralidade de atitudes
I – Segundo a
magistral doutrina desenvolvida por D. Chautard em "A Alma de Todo
Apostolado", a primeira preocupação de quem se entrega a obras deve ser,
antes de tudo, sua própria santificação. Ora, para a maioria das pessoas em
nossos dias, é ponto de primordial importância que freqüentem ambientes
católicos, isto é, que consagrem parte de seus lazeres ao convívio de seus
irmãos de crenças, na sede da A. C. ou de uma associação religiosa qualquer.
Tratando-se de moços, essa necessidade é imperiosa. Como já lembramos, não é
outro o processo de que se tem servido a admirável propaganda dos países
totalitários. Sempre que, pois, o exercício do "apostolado de
infiltração", ainda que realizado em ambientes inofensivos, implique para
o membro da A. C. na necessidade de sacrificar de modo ponderável este
insubstituível meio de formação, deve-se entender que o "apostolado de
infiltração" não deve ser posto em prática.
II – Felizmente, esta
alternativa nem sempre se impõe, e às vezes será possível ao apóstolo leigo
freqüentar os ambientes em que deva fazer infiltração, sem perder o contato
vital que deve manter com sua associação. Neste caso, o "apostolado de
infiltração", em ambientes inócuos, poderá produzir resultados
inestimáveis.
III – Pergunta o
Divino Mestre de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro se perder sua
própria alma. Daí se deduz como princípio, aliás sancionado por qualquer
moralista digno deste nome, que, caso “haja perigo grave e próximo de pecado
formal, especialmente contra a Fé e a virtude angélica, Deus quer que nos
afastemos das obras" (D. Chautard, op. cit., pg. 62 da ed. portuguesa). Em
outros termos, salvo caso especialíssimo de dever de estado, é pecado mortal
expor-se alguém de modo próximo a cometer pecado mortal, ainda que deste risco
decorresse o êxito da mais brilhante e promissora das obras de apostolado. A
este respeito não pode haver dúvidas.
Assim, como para
homens de uma emotividade normal a freqüência dos ambientes claramente não
familiares e dos ambientes semi-familiares de qualquer matiz acarreta causa
próxima de pecado, daí decorre que a freqüência a tais ambientes é inteiramente
proibida aos membros da A. C..
IV – É um gravíssimo
erro pretender-se que a A. C. imuniza, por uma certa misteriosa graça de
estado, os seus membros, contra as tentações. Esta graça de estado será
certamente muito mais abundante para os clérigos, e entretanto ela não altera o
regime de relações entre a graça e o livre arbítrio, não sufoca a
concupiscência e o demônio, que existem para todos os homens. Não o fará também
para a A. C.. A este respeito, não teríamos senão que repetir aqui os argumentos que
desenvolvemos às pags. 195, 206 e
seguintes. [Parte III, cap. III, “Apostolado de conquista” – Essas doutrinas
são errôneas porque pressupõem um panorama falso]
Não é menos errado
argumentar-se com o exemplo de certos santos dos primeiros séculos da Igreja,
que teriam freqüentado tais lugares para efeito de apostolado. Sem discutir o
fato histórico, não podemos deixar de frisar que, se o argumento valesse, teria
feito mal o Direito Canônico ao vedar aos clérigos e religiosos a freqüência de
tais ambientes.
V – Dir-se-á que uma
tal restrição à liberdade de movimentos da A.C. estancará a sua fecundidade.
Mas a A. C. não é um jogo de loteria ou de roleta, em que se expõem algumas
almas para ganhar outras. Por outro lado, o espetáculo de uma mocidade pura e
generosa, que triunfa das seduções do mundo calcando aos pés todo o encanto de
seus atrativos, para se afastar da pestilência moderna, deve impressionar
necessariamente muito mais as almas criteriosas e ponderadas, as almas retas e
sedentas de virtude, em uma palavra, as almas que estão a caminho de Jesus; do
que não sabemos quais apóstolos "camuflados" de pagãos, que em
diversões inteiramente dissonantes de sua Fé, se entregam a prazeres, dos quais
finalmente se fica sem saber se é apostolado, feito como pretexto para o
prazer, ou prazer como instrumento de apostolado. Positivamente, não é
afivelando ao rosto a máscara de mundano que se atraem almas para Nosso Senhor
Jesus Cristo.
VI – Fazendo aplicação
deste princípio aos bailes semi-familiares, aos lugares de trabalho perigosos
para a moralidade, etc., chegamos à conclusão de que estes ambientes
constituem, de per si, uma ocasião próxima de pecado para pessoas de uma
sensibilidade normal, pelo que devem ser proscritos.
Argumentou-se, ou ao
menos poder-se-ia argumentar em sentido contrário, com um texto famoso de Leão
XIII, sobre a infiltração dos católicos na sociedade romana. Neste texto,
descreve o Santo Padre a penetração dos primitivos cristãos nos mais variados
ofícios, inclusive na Cúria Imperial. É de notar-se que essa infiltração se
dava em lugares obrigatórios de trabalho, e o Santo Padre não menciona a
presença de fiéis, realizando infiltrações nos festins orgíacos da alta
sociedade romana.
VII – Como dissemos,
há finalmente lugares em que é licito comparecer porque não oferecem perigos à
salvação. Não quer isto dizer que a A. C. tenha o direito de impor o
comparecimento a tais lugares, como um dever, àqueles de seus elementos que, no
desejo de uma vida mais santa, resolvem afastar-se de toda e qualquer diversão,
ainda que lícita. Os que assim procederem merecem grande louvor, e constitui
uma grave inversão de valores fazer-se-lhes qualquer censura.
A primeira razão disto
está em que a perfeição cristã, quando praticada claramente e sem rebuços,
constitui sempre a mais genuína e fecunda forma de apostolado.
Em segundo lugar, é
certo que a obrigação de salvar almas não pode privar a quem quer que seja da
liberdade sacratíssima de seguir, na via da renúncia, o caminho em que, a juízo
de um diretor prudente, for guiado pelo Espírito Santo. Se, no plano natural,
essa vida pode parecer menos fecunda, no plano sobrenatural terá uma eficácia
difícil de ser aquilatada.
VIII – Ao ponderar
todos estes múltiplos fatores, não se deve perder de vista que o único critério
a ser levado em conta não é o do maior ou menor risco oferecido pelo local em
que se está, mas ainda a lei da decência e o dever do bom exemplo. Fulminam as
autoridades eclesiásticas a freqüência dos lugares suspeitos, as diversões
pagãs, etc., etc.. – Certas camadas da população, mais dóceis à voz da Igreja,
ou mais apegadas às suas tradições, relutam ainda em se conformar com os
costumes novos, e para tanto se expõem à risota dos conhecidos, e ao
sacrifício, que naturalmente significa qualquer diversão a que se renuncia.
Qual é, sobre tais ambientes, o efeito que causa a notícia de que os membros da
A. C. não só podem, mas devem aí comparecer, participando de todas as
diversões, e não se recusando a si mesmos a fruição de quanto a Hierarquia
condena? Aquela mesma Hierarquia, de que muitos se supõem tão orgulhosamente
participantes, e implicitamente mandatários! E estes, que se crêem mandatários,
agem contra as intenções do mandante! Assim, ainda mesmo que algum membro da A.
C. pudesse alegar que pessoalmente não lhe faz mal o comparecimento a certos
locais, sua própria dignidade de membro da A. C. lhe vedará aí o acesso.
IX – Não quer isto
dizer que não admitamos a possibilidade de, em certos casos muito especiais, e portanto
muito excepcionais, poder um ou outro membro da A. C., previamente autorizado
pelo respectivo Assistente, e tomadas todas as precauções para evitar qualquer
mau exemplo, realizar alguma infiltração, comparecendo por exemplo à reunião de
um sindicato comunista, etc.. Será, porém, a ruína da A. C. que este fato
excepcional se transforme em normal.
X – Lembre-se
sobretudo cada qual que, neste assunto, ninguém pode ser juiz em própria causa,
pelo que deve sempre aconselhar-se com um sacerdote prudente. As almas mais bem
formadas passam, às vezes, por longas tentações, de origem natural ou
diabólica, que lhes tornam perigoso até mesmo o que a outros seria normalmente
inócuo. Assim, as conveniências do apostolado devem ser sempre subordinadas às
conveniências da vida interior, apreciadas por sacerdotes prudentes.
XI – Todas estas
razões estariam incompletas se não acentuássemos que, por dever de estado, pode
alguém ser forçado a trabalhar em lugares francamente perigosos, ou, mais
raramente, comparecer a lugares mundanos. Lembremo-nos sempre que Deus dá
forças especiais a quem involuntariamente se encontra nesta situação. Desde que
isso aconteça, as pessoas nestas condições devem aproveitar tal situação, que
não criaram, para fazer apostolado de infiltração. Não há, porém, dever de
estado algum que possa forçar alguém a praticar o mal. Que cada qual consulte
um sacerdote douto e prudente, antes de se julgar autorizado a aceitar situação
tão excepcional. Mas, se este realmente considera existir um dever de estado,
tranqüilizem-se tais almas e lutem corajosamente para se santificar e
santificar o próximo onde se encontram. Deus lhes dará aí forças, com que
jamais poderão contar aqueles que fizerem uma infiltração inspirada em zelo
intempestivo, e nunca em real dever de estado.
|