Que pensar dos bailes?
Não daríamos por concluída nossa tarefa, sem uma observação a respeito dos
bailes. É de toda a evidência, e até uma banalidade, que dançar não constitui,
em si, um mal, mas que as circunstâncias que podem existir concretamente fazem,
em geral, da dança um mal bastante grave.
Fala-se tanto – e com
quanta razão! – da doçura de São Francisco de Sales. O conselho que o santo
Doutor dá a respeito de danças é concludente, e mostra como lhe pareciam
perigosas as danças de seu tempo: "Falo-vos dos bailes, Filotea, como os
médicos falam dos cogumelos; os melhores de nada valem, dizem eles; e eu vos
digo que OS MELHORES BAILES NÃO SÃO BONS... Se por qualquer motivo de que não
conseguirdes desculpar-vos, vos for necessário ir ao baile, velai por que vossa
dança seja decente. Dançai pouco, e poucas vezes, pois que do contrário
correreis o risco de vos afeiçoar às danças..., e estas recreações dissipam o
espírito de devoção, tornam langorosas as forças, tornam tíbia a caridade e
despertam na alma mil variedades de maus afetos; eis porque é necessário
servir-se delas com grande prudência". De que maneira dançar? S. Francisco de Sales o explica: "com decoro,
dignidade e boa intenção". Que diria o Santo Doutor de certas danças
modernas, como a "conga", em que os pares formam longos cordões pelo
salão, segurando-se uns aos outros, gesticulando e gritando como crianças?
Encontraria ele um meio de se dançar “com decoro e dignidade” a “conga”, quando
já lhe parecia isto problemático quanto às danças suaves, artísticas e
delicadas de seu tempo?
Certamente não. Muitas
pessoas entendem que, porque S. Francisco de Sales autorizou, em tese, que se
fosse a bailes, fazendo-o embora muito a contragosto e cheio de apreensão, se
deve com a maior liberalidade estender a quem quer que seja esta autorização. Estas pessoas tomariam o
cuidado de aconselhar aos que dançam que façam uso de certos pensamentos
salutares durante a dança? E teriam a coragem de aconselhar os pensamentos que
S. Francisco de Sales menciona? Quais são eles? "Pensai, diz o Santo, nas
almas que ardem no inferno por causa das faltas que cometeram em bailes; pensai
nos santos religiosos que, enquanto vos divertis, cantam os louvores de Deus;
pensai nos homens que no mesmo momento estão sofrendo ou morrendo; pensai em
Nosso Senhor, em Nossa Senhora, nos anjos e santos que vos viram no baile, e
que tiveram grande pena de ver vosso coração distraído com tão grande tolice e
atento a uma tal sensaboria; pensai na morte que se aproxima zombando de vós, e
que vos faz sinal para que entreis na dança macabra onde os gemidos substituem
o violino, e onde fareis vosso trânsito da vida à morte". É interessante ler, neste sentido, a 3ª parte do Cap. XXXIII da jamais assaz
louvada "Introdução à Vida Devota".
Vale para quaisquer espécies de reuniões dançantes esta importante
observação que faz, em uma interessante monografia sobre "Os Católicos e
as novas danças", o insigne Dominicano, Pe. Vuillermet, O. P., de cuja
obra extraímos quase todas as nossas citações sobre danças:
“É raro que as danças freqüentes e regulares se conservem como simples
distração. Elas se tornam, pelo contrário, e é esta a observação de quase todos
os moralistas, uma ocasião de intimidade e de encontros para pessoas que acham
assim um meio fácil e aparentemente insuspeito, de dar à sua paixão um alimento
de que são sempre ávidas. E mesmo quando não existe este desejo inicial, não é
certo que a freqüência dos mesmos encontros faz nascer a paixão, tanto mais
quanto estes encontros são muito perigosos porque prolongados? Dança-se hoje durante toda uma festa com a mesma
pessoa, o que seria outrora uma grave incorreção; e, depois de ter desaparecido
a primeira cerimônia, e quando a familiaridade se vai introduzindo entre o
jovem e seu par, não é certo que o pudor se vai debilitando? Não se faz mais a
fiscalização dos sentimentos, e insensivelmente os pensamentos e desejos que
outrora teriam revoltado a consciência se aclimatam na inteligência e no
coração. – Considero, pois, que estas danças freqüentes com a mesma pessoa são
extremamente perigosas".
Depois de
considerações mais indulgentes quanto a pequenas reuniões dançantes
absolutamente esporádicas e improvisadas na intimidade de uma família, que
entretanto "conservam numerosos inconvenientes que decorrem da sua
natureza", o autor acrescenta a seguinte conclusão: "teoricamente, a
dança não é imoral... e só se pode tornar tal acidentalmente. Mas não posso
negar que, na prática, o acidental seja o mais freqüente. As pessoas que pecam por ocasião
da dança são INCOMPARAVELMENTE MAIS NUMEROSAS do que as que não pecam. A causa
deste fato está, em parte, na diminuição da Fé e no abandono dos exercícios de
piedade, e de outra parte no relaxamento dos costumes que faz com que hoje em
dia se permitam, na dança, tais liberdades que é muito raro que a virtude não
fracasse durante ela". Estas linhas são de 1924. Que diria o autor, das
danças de 1942!
Em 1924, a Europa sofria da invasão de certas danças americanas – que hoje
nos parecem tão moderadas – e que suscitaram entretanto inúmeras condenações da
Hierarquia na França. O Cardeal Dubois, o
Arcebispo de Chambéry, o Bispo de Lille, condenaram sucessivamente as danças
novas. O Arcebispo de Cambrai escreveu: "O tango, o fox-trot e outras
danças análogas são diversões imorais em si mesmas. Elas estão proibidas pela
própria consciência, por toda a parte e sempre, anteriormente às condenações
episcopais e independentemente delas". E Bento XV, na Encíclica
"Sacra prope diem" diz: "estas danças exóticas e bárbaras,
recentemente importadas nos círculos mundanos, mais chocantes, umas que as
outras, são o que há de mais próprio para banir todos os vestígios de
pudor". Muitas destas danças provinham das mais baixas camadas de indígenas
americanos, e delas disse em sua Carta Pastoral Mons. Charost: "Edulcore-se quanto se queira este
enxerto bárbaro, corrija-se com maior ou menor perícia seu despudor nativo.
Logo que encontre um temperamento propício, este enxerto retomará seu ardor e
sua violência natural. Ele é o vírus da carne pagã penetrando em um organismo
social que dezessete séculos de espiritualismo cristão e de dignidade moral
haviam modelado. Ele é mais do que a revolta – de que nenhum século cristão foi
isento – ele é, no fundo e por tendência, a anarquia do instinto".
Das danças modernas, muitas das quais evidentemente adaptadas e importadas
dos "bas-fonds" das velhas danças pagãs de negros norte-americanos,
que se poderia dizer?
Quanto aos bailes infantis, porque não reproduzir aqui, como confirmação do
que com tanta eloqüência disseram nossos Bispos, o que escreveu Louis Veuillot?
Estes bailes infantis são, diz-se, um espetáculo encantador. Sim, para os olhos.
"Mas que triste
cena, quando atendermos aos murmúrios da razão. Meninas de oito anos fazem a
aprendizagem da vaidade e da faceirice; elas já são hábeis na arte do sorriso, da
pose, das atitudes, das inflexões musicais da voz. Os meninos tomam porte e
expressões fisionômicas variadas, segundo as indicações maternas: tomam
expressão cavalheiresca, pensativa ou importante; outros se fazem de espertos
ou melancólicos, conforme lhes fique melhor. As mães aí estão radiosas. Mas a cena é feia. Percebe-se que os personagens do
baile em miniatura foram profanados na flor de sua simplicidade graciosa e
ingênua, desde o berço. A impressão de uma pessoa razoável, testemunha de uma
destas festas chamadas de inocência, era de que se experimenta um desejo
ardente de chibatear, a torto e a direito, toda a pirralhada" (Louis
Veuillot, L'Univers, 28 de Dezembro de 1858).
Para encerrar, vejamos
o que a este propósito fez aquele que a Santa Igreja aponta como modelo de
todos os Párocos modernos.
Extraímos nossas citações da magnífica obra de Mons. H. Convert, “Le Saint
Curé D'Ars et le Sacrement de Pénitence”, ed. Emmanuel Vitte, 1931, pgs. 18-21:
"Tanto o interesse geral do rebanho confiado à guarda de M. Vianney
quanto o de certas almas mais particularmente expostas a perder-se exigia o
desaparecimento de uma tão perniciosa desordem (as danças). Ele refletiu nisso,
e, desde então, se resolveu a aplicar, ao pé da letra, os princípios da
Teologia Moral sobre os pecadores ocasionais e os reincidentes, com uma grande
bondade, mas também com uma energia de bronze, que nada faria recuar. Ele
recusou, com efeito, a absolvição, mesmo no tempo pascal, a todas as pessoas
que haviam dançado, ainda que fosse uma vez, no decurso do ano; e, enquanto ele
julgava provável que elas tornariam a cair no seu pecado", afastava-as da
participação nos sacramentos. Elas podiam vir confessar-se, e, de fato, a maior
parte continuava a vir; ele as encorajava, exortava-as a mudar de vida, mas não
as absolvia. "Se não vos corrigis, lhes dizia, estais condenados!"
"Este procedimento, como se pode conceber, suscitou muitas
recriminações; comentou-se abertamente, e de todas as maneiras, que o Sr. Cura
"não era cômodo"; comparou-se o seu método com o de seus confrades
mais indulgentes; qualificou-se o Cura d'Ars de escrupuloso, de ingrato"
(no idioma da região, ingrato quer dizer aborrecido, desagradável). Certas
pessoas foram confessar-se nas paróquias vizinhas; ele lhes retrucou que elas
tinham ido "buscar um passaporte para o inferno". Entre si, estas
pessoas o acusavam, dizendo: "Ele quer fazer com que nós prometamos coisas
que não podemos cumprir; ele quereria que fossemos santos, e isto não é muito
possível no mundo. Ele quereria que nós jamais puséssemos os pés na dança, e
que jamais freqüentássemos os “cabarets” e os jogos. Se tudo isto fosse necessário, jamais faríamos a
Páscoa..." Contudo, "não se pode dizer que não mais se voltará a estes
divertimentos, pois que não se sabem as ocasiões que se poderão deparar". A esta argumentação interesseira, ele replicou:
"O confessor, enganado por vossa linguagem artificiosa, vos dá a
absolvição, e vos diz: "Sede bem comportados!" Por mim, eu vos digo que fostes
calcar aos pés o sangue adorável de Jesus Cristo, que fostes vender vosso Deus
como Judas o vendeu aos seus carrascos".
Que ganhou o Cura d'Ars com tal método? Muitos jovens de ambos os sexos
ficaram excluídos dos sacramentos durante anos inteiros... É verdade.
Poder-se-á pensar, poder-se-á dizer que foi um mal? De outro modo, eles os
teriam recebido nula, senão sacrilegamente; eles teriam aliado, como acontece
demasiado comumente, as práticas da vida cristã e as desordens do coração; a
paróquia teria parecido convertida, sem o estar na realidade; as pompas de
Satanás estariam sempre prestigiadas, o Príncipe das trevas teria ficado o
verdadeiro senhor da situação. Ora, o
Cura d'Ars queria que, de seu rebanho, Jesus Cristo fosse rei sem contraste.
Por Jesus Cristo, ele se empenhou numa guerra demais de vinte anos, disputando
palmo a palmo o terreno ao inimigo, sacrificando na batalha seu repouso e,
mesmo, transitoriamente, sua reputação, derramando seu sangue em borbotões
quase todos os dias, extenuando-se de fadigas e de jejuns. A vitória foi, por
fim, completa, definitiva; a piedade e a virtude puderam florescer à vontade
sobre esta terra purificada e conquistada para seu único Mestre, e ainda hoje
continuamos a saborear os seus frutos.
"De resto,
digamo-lo de passagem, não foi somente frente às danças que apareceu a firmeza
do Cura d'Ars. "O pecador que não se rendia às suas ternas admoestações –
assim depôs seu coadjutor – encontrava-o inflexível em manter as regras",
e esbarrava numa barreira infrangível".
Acrescenta em nota o mesmo autor: “As danças foram
logo abolidas na paróquia, embora experimentassem reaparecer de longe em longe.
A partir de
1832, não se fala mais delas. Mas rapazes
e moças quiseram se desenfastiar indo dançar na vizinhança. Foi então,
sobretudo, que o Santo se armou de uma intransigente firmeza”.
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