O que ela tem de
bom e de mau
Como, em geral, nas
doutrinas que temos refutado, encontram-se aí algumas verdades, algumas
utopias, e muitos erros:
I – É infelizmente
certo que muitas e muitas vezes as aulas são hoje de uma esterilidade aflitiva.
A linguagem do professor consta de termos com que o aluno não está inteiramente
familiarizado. Os problemas debatidos carecem enormemente de atualidade, e o
professor revela, ao debatê-los, uma incapacidade radical para compreender as
questões atuais. A exposição é feita com absoluta despreocupação de empregar os
mil recursos existentes para torná-la mais suave e assim facilitar a atenção
dos alunos. A tudo isto se acrescente que o caráter superficial e imediatista
de grande número de alunos, sua aversão a qualquer esforço intelectual, por
menor que seja, e, finalmente, sua pouquíssima vontade de conhecer a verdade,
tudo enfim concorre para os colocar em nível muito inferior ao que normalmente
lhes seria necessário para acompanhar a exposição do professor.
II – Estes
inconvenientes, sem dúvida muito lamentáveis e para cujo remédio devemos
empenhar nossos melhores esforços, de modo algum invalidam a grande verdade de
que a aula, comportando uma explanação do professor diante de um auditório cuja
função principal consiste em ouvir e entender, é e será sempre o método normal
do ensino. Não queremos aqui discutir problemas pedagógicos. Limitar-nos-emos a
lembrar que, mesmo entre os mais audaciosos defensores da escola nova, muito
poucos levariam sua ousadia ao ponto atingido por certos exclusivistas, que
entendem que os círculos de estudos dispensam qualquer aula e por si mesmos
bastam para dar toda a formação intelectual – ou quase toda em matéria de
Religião. A estes exclusivistas, se aplicam de pleno direito todas as censuras
formuladas pelo Santo Padre Pio XI contra a escola nova, na Encíclica "Divini
Illius Magistri";
III – Se entendêssemos
o contrário, e se devêssemos considerar que o método tradicional da docência
exercida por professor abriu falência, seríamos levados a pensar que Nosso
Senhor Jesus Cristo dotou de muito pobres recursos a sua Igreja, quando fez da
pregação o método por excelência do seu ensino oficial.
Não serve de argumento
a famosa maiêutica de Sócrates, processo sem dúvida engenhoso e fecundo, que
supunha entretanto alunos já dotados de alta competência intelectual e, por
outro lado, um genuíno Sócrates para o aplicar. Se a maiêutica se conservou no
estado de exceção nos fastos do ensino, e não teve mesmo entre filósofos da
envergadura de um Aristóteles ou de um São Tomás quem a aplicasse como método
normal e mais comum do ensino, há nisto a prova evidente de que só uma
habilidade muito especial e muito rara pode empregar com sucesso tal método;
IV – Tocamos aqui em
um dos maiores erros que cometem os partidários da eliminação da aula como
método de ensino. Todo ensino correto não deve apenas proporcionar ao aluno a
posse da verdade, mas educá-lo para o esforço intelectual, habituar sua
inteligência ao panorama largo das exposições doutrinárias de grande fôlego,
aos vastos sistemas de idéias encadeadas entre si e constituindo estruturas
ideológicas imponentes e fecundas. Ora, enquanto a aula bem dada proporciona
este fruto ao aluno diligente e capaz, pelo contrário, o círculo de estudos,
pelo seu aspecto fragmentário, tem que representar normalmente o caos. Com
efeito, renuncia ao bom senso quem imagina que um dirigente normal pode
conduzir, dentro dos métodos acima expostos, uma discussão. A técnica aqui
analisada supõe que o dirigente saiba insinuar de tal maneira as respostas, que
a verdade nasça por assim dizer espontaneamente dos debates. Os mais consumados
diplomatas teriam por vezes dificuldade em canalizar por esta forma digressões
de um grupo de dez pessoas, perdidas no labirinto de questões doutrinárias
vastíssimas, ligadas umas às outras, e das quais cada uma sugere outras mil.
Não tenhamos a ilusão de que os dirigentes de círculos de estudos, sobretudo
sendo eles tão numerosos que bastem para as inúmeras paróquias que possuímos,
tenham tal capacidade.
Precisamente por isto,
os círculos de estudos têm dado lugar a equívocos e erros inúmeros.
V – A isso
acrescente-se que o próprio método dos círculos de estudos, assim concebido,
acostumando os espíritos a debater, sem o devido fundamento, os mais variados
problemas, deforma as inteligências, dando-lhes o hábito da soberba. E a
soberba gera a temeridade, em conseqüência da qual são as pessoas tentadas a
realizar coisas superiores as suas próprias forças. As inteligências habituadas
a se pronunciarem sobre assuntos que elas reconhecem, de modo mais ou menos
claro, superiores a si mesmas, são inteligências soberbas e é óbvio que os
círculos de estudos podem ser verdadeiras escolas de soberba. "Altiora te
ne quaesieris" diz S. Tomás aos que querem adquirir o tesouro da ciência.
VI – A esses
inconvenientes intrínsecos, acrescentemos outros, que não afetam os círculos de
estudos senão de modo meramente circunstancial e que só têm importância
enquanto a carência de medidas enérgicas os deixam existir.
Na prática, o cuidado
de fazer círculos de estudos tem sido confiado muitas vezes a pessoas ainda na
adolescência, ou de uma cultura tal, que lhes falta toda a aptidão para o
assunto. Conhecemos o caso concreto de uma dirigente, a quem se perguntou
inopinadamente, durante o círculo, se os gatos têm alma. A dirigente, para a
qual este problema constituía impenetrável mistério, sentiu-se confundida, e o
círculo terminou sob o riso de todas as amigas, aliás tão pouco enfronhadas da
solução, quanto a própria dirigente. Mas, se pretendermos, como infelizmente se
pretende, distribuir açodadamente círculos de estudos por todas as paróquias de
todas as Dioceses deste imenso Brasil, que outra qualidade de dirigente se
poderá esperar?
Por outro lado, como esperar que nosso douto e zeloso Clero possa
comparecer aos inúmeros círculos, que grupinhos de dez pessoas fariam dentro da
paróquia, e como esperar que a ortodoxia se mantenha, sem a presença do
Sacerdote, em todos os círculos tão numerosos?
De tudo quanto dissemos se deduz que o desígnio de erigir os círculos de
estudos em processo exclusivo ou capital para a instrução religiosa e
orientação geral dos membros da A. C. é inaceitável, do ponto de vista
didático, e só pode resultar de preconceitos e tendências que não podem
encontrar guarida em um católico bem formado.
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