Como Nosso Senhor,
não recuemos diante de um aparente insucesso na prática da franqueza apostólica
Não procuremos só
sucessos de momento, aplausos inconstantes das massas e até de nossos
adversários, sucessos estes que são o fruto da tática do terreno comum.
Várias vezes, nos
mostra Nosso Senhor que devemos desprezar a popularidade entre os maus: “Não há
profeta sem honra, senão na sua pátria e na sua casa. E não fez ali muitos
milagres, por causa da incredulidade deles” (S. Mateus, XIII, 57 a 58).
Há pessoas que reputam
o supremo triunfo de uma obra católica, não os louvores e bênçãos da
Hierarquia, mas os aplausos dos adversários. Este critério é falacioso, entre
mil outros motivos porque às vezes há nisto mera cilada em que caímos, e na
realidade nós sacrificamos princípios por este preço: "ai de vós quando os
homens vos louvarem, porque assim faziam aos falsos profetas os pais
deles" (Lucas, VI, 28).
"Esta geração
perversa e adúltera pede um prodígio; mas não lhe será dado outro prodígio,
senão o prodígio do profeta Jonas. E, deixando-os, retirou-se" (S.
Mateus, XV, 4). Nosso Senhor se retirou e nós, pelo contrário, queremos
permanecer no campo estéril, desfigurando e diminuindo as verdades até arrancar
aplausos. Quando estes vierem, será o sinal de que teremos passado a ser falsos
profetas, em muitos casos.
Nosso Senhor tem pena,
é certo, dos que não estão de tal forma empedernidos no mal que não se salvem
com um milagre: "E olhando-os em roda com indignação, contristado da
cegueira dos seus corações, disse ao homem: Estende a tua mão. E ele a
estendeu, e foi-lhe restabelecida a mão" (S. Marcos, III, 5).
Mas muitos perecerão
na sua cegueira: "E disse-lhes: A vós é concedido saber o mistério do reino
de Deus porém aos que são de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, para que,
olhando, vejam e não reparem, e, ouvindo ouçam e não entendam, de sorte que não
se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados" (S. Marcos, IV, 11 a 12).
Não espanta, a vista
de tanto rigor, que o "meigo Rabi da Galiléia" incutisse por vezes,
até em seus íntimos, verdadeiro terror: “Mas eles não compreendiam estas
palavras, e temiam interrogá-lo” (S. Marcos, IX, 31).
Terror não muito menor
causariam por certo profecias como esta, que demonstram à saciedade que ser
apóstolo é viver de lutas, e não de aplausos: "Tomai, porém, cuidado
convosco. Porque vos hão-de entregar nos tribunais, e sereis açoitados nas
sinagogas, e sereis por minha causa, levados diante dos governadores e dos
reis, para (dar) testemunho (de mim) perante eles" (S. Marcos, XIII, 9).
Porque tanto ódio
contra os pregadores do Bem?
"Eu sei que sois filhos de Abraão; mas (também sei que) procurais
matar-me, porque minha palavra não penetra em vós" (S. João, VIII,
37).
Em todas as épocas, haverá corações em que não penetrará a palavra da
Igreja. Estes corações se encherão então de ódio, e procurarão ridicularizar,
diminuir, caluniar, arrastar à apostasia ou até matar os discípulos de Nosso
Senhor.
E por isso ainda,
disse Nosso Senhor aos judeus:
"Mas agora procurais matar-me, a mim, que sou um homem que vos disse a
verdade que ouvi de Deus; Abraão nunca fez isto. Vós fazeis as obras de vosso
pai. E eles disseram-lhe: Nós não somos filhos da fornicação; temos uma pai
(que é) Deus. Mas Jesus disse-lhes: Se Deus fosse vosso pai, certamente me
amaríeis, porque eu sai de Deus e vim; porque não vim de mim mesmo, mas ele me
enviou. Porque não conheceis vós a minha linguagem? Porque não podeis ouvir a
minha palavra" (S. João, VIII, 40 a 43).
Não espanta, pois, que seus próprios milagres despertassem ódio.
Foi o que se deu depois do estupendo milagre da ressurreição de Lazaro:
"Jesus disse-lhes: Desatai-o, e deixai-o ir. Então muitos dos judeus, que
tinham ido visitar Maria e Marta, e que tinham presenciado o que Jesus fizera,
creram nele. Porém alguns deles foram ter com os fariseus, e disseram-lhes o
que Jesus tinha feito" (S. João, XI, 44 a 46). À vista disto, como pretendem os apóstolos
conservar-se sempre na estima de todos? Não percebem eles que nesta estima
geral há muitas vezes um índice iniludível de que já não estão com Nosso
Senhor?
Com efeito, todo o
católico verdadeiro terá inimigos:
"Se o mundo vos
aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a mim. Se vós
fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque vós não sois do
mundo, antes eu vos escolhi do meio do mundo, por isso o mundo vos
aborrece. Lembrai-vos daquela palavra que eu vos disse: Não é o servo maior do que o
seu senhor. Se eles me perseguiram a
mim, também vos hão-de perseguir a vós;
se eles guardaram a minha palavra, também hão-de guardar a vossa. Mas tudo
isto vos farão por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me
enviou. Se eu não tivesse vindo, e não lhes tivesse falado, não teriam culpa,
mas agora não têm desculpa do seu pecado. Aquele que me aborrece, aborrece
também meu Pai" (S. João, XV, 18 a 23).
É também neste sentido
o seguinte texto:
"Eu disse-vos estas coisas, para que vos não escandalizeis.
Lançar-vos-ão fora das sinagogas; e virá tempo em que todo o que vos matar,
julgará prestar serviço a Deus" (S. João, XVI, 1 a 2).
E ainda:
"Dei-lhes a tua
palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo. Não peço que os tires do mundo,
mas que os guardes do mal". (S. João, XVII, 14 a 15).
Quanto aos aplausos estéreis e inúteis do demônio e de seus sequazes,
vejamos como devem ser tratados:
"E aconteceu que, indo nós à oração, nos veio ao encontro uma jovem,
que tinha o espírito de Piton, a qual com as suas advinhações dava muito lucro
a seus amos. Esta, seguindo a Paulo e a
nós, gritava, dizendo: Estes homens são servos do Deus excelso, que vos
anunciam o caminho da salvação. E fazia isto muitos dias. Mas Paulo, enfadado,
tendo-se voltado (para ela), disse ao espírito: Ordeno-te em nome de Jesus
Cristo que saias dessa (mulher). E ele, na mesma hora, saiu" (Atos, XVI,
16 a 18).
Devemos, é certo,
sentir prazer quando, dos arraiais do adversário, chega-nos um ou outro aplauso
de alguma alma tocada pela graça, que começa a se aproximar de nós. Mas como é
diferente este aplauso, da alegria falaciosa e turbulenta dos maus, quando
certos apóstolos ingênuos lhes apresentam, estropiadas e mutiladas, algumas
verdades parecidas com os erros da impiedade. Neste caso, os aplausos não
significam um movimento das almas para o bem, mas o júbilo que experimentam por
supor que a Igreja não as quer arrancar ao mal. São aplausos de quem se alegra
em poder continuar no pecado, e significam um embotamento ainda maior no mal.
Estes aplausos, devemos evitá-los; E, por isto, colide com o Novo Testamento
quem não se conforma com a impopularidade:
"Não vos admireis, irmãos, de que o mundo vos tenha ódio" (1, S.
João, III, 12. a 13).
Causar irritação aos maus é muitas vezes fruto de ações nobilíssimas:
"E os habitantes da terra se alegrarão por causa deles, e farão
festas, e mandarão presentes uns aos outros, porque estes dois profetas tinham
atormentado os (ímpios) que habitavam sobre a terra" (Apoc., XI, 10).
Erram gravemente os que pensam que, sempre que a doutrina católica for,
pela palavra e pelo exemplo, pregada de maneira modelar, arrancará unânimes
aplausos. Di-lo São Paulo:
"E todos os que
querem viver piamente em Jesus Cristo, padecerão perseguição" (2 Tim. 3,
12). Como se vê neste texto, é a vida piedosa, que exacerba o ódio dos maus. A
Igreja não é odiada pelas imperfeições que no decurso dos séculos se tenham
notado em um ou outro de seus representantes. Essas imperfeições são quase
sempre meros pretextos para que o ódio dos maus fira o que a Igreja tem de
divino.
O bom odor de Cristo é
um perfume de amor para os que se salvam, mas suscita ódio nos que se perdem:
"Porque nós somos
diante de Deus o bom odor de Cristo, nos que se salvam, e nos que perecem; para
uns, odor de morte para a sua morte; e para outros, odor de vida para a sua
vida" (2 Cor., 2, 15-16).
Como Nosso Senhor, a
Igreja tem no mais alto grau a capacidade de se fazer amar por indivíduos,
famílias, povos e raças inteiras. Mas por isto mesmo tem ela, como Nosso
Senhor, a propriedade de ver levantar-se contra si o ódio injusto de
indivíduos, famílias, povos e raças inteiras. Para o verdadeiro apóstolo, pouco
importa ser amado, se esse amor não é uma expressão do amor que as almas têm ou
ao menos começam a ter a Deus, ou, de qualquer maneira, não concorre para o
Reino de Deus. Qualquer outra popularidade é inútil para ele e para a Igreja.
Por isto disse São Paulo:
"Porque, em suma, é a aprovação dos homens que eu procuro ou a de Deus?
Porventura é aos homens que pretendo agradar? Se agradasse ainda aos homens, não seria servo de Cristo" (Gal. 1,
6-10).
Como vemos, a
aprovação dos homens deve antes atemorizar o apóstolo de consciência delicada,
do que alegrá-lo: não terá ele negligenciado a pureza da doutrina, para ser tão
universalmente estimado? Está ele bem certo de que flagelou a impiedade como
era do seu dever? Estará ele realmente em uma dessas situações como Nosso
Senhor no dia de Ramos? Neste caso, uma advertência: lembre-se de quanto valem
os aplausos humanos e a eles não se apegue. Amanhã, talvez, surgirão os falsos
profetas que hão de atrair o povo pela pregação de uma doutrina menos austera.
E o homem ainda ontem aplaudido deverá dizer aos que o louvavam:
"Tornei-me eu logo
vosso inimigo, porque vos disse a verdade? Esses (falsos apóstolos) estão
cheios de zelo por vós, não retamente; antes vos querem separar, para que os
sigais a eles. É bom que sejais sempre zelosos pelo bem; Filhinhos meus, por
quem eu sinto de novo as dores do parto, até que Jesus Cristo se forme em vós;
bem quisera eu estar agora convosco, e mudar a minha linguagem; porque estou
perplexo a vosso respeito" (Gal. 4, 16-20). Mas esta linguagem não pode
ser mudada, o interesse das almas o impede. E, se a advertência não for ouvida,
a popularidade do apóstolo soçobrará de uma vez.
Então, se ele não
tiver ânimo desapegado e varonilmente sobrenatural, ei-lo que se arrasta atrás
dos que o abandonam, diluindo princípios, corroendo e desfigurando verdades,
diminuindo e barateando preceitos afim de salvar os últimos fragmentos dessa
popularidade de que, inconscientemente, ele fizera um ídolo.
Que conduta pode
diferir mais profundamente desta, que o ânimo sobranceiro com que Nosso Senhor,
profundamente triste embora, levou até à morte, e morte de Cruz, a sua luta
direta e desassombrada contra a impiedade?
Se as verdades ditas
com clareza por vezes são motivo para que se embotem no mal os perversos, como
é grande o júbilo do apóstolo que soube vencer seu espírito pacifista, e, com
golpes enérgicos, salvar as almas.
"Porque embora eu
vos tenha entristecido com a minha carta, não me arrependo disso; se bem que
tenha tido pesar, vendo que tal carta, ainda que por breve tempo, vos
entristeceu; agora folgo, não de vos ter entristecido, mas de que a vossa
tristeza vos levou à penitência. Entristecestes-vos segundo Deus, de sorte que em nada
recebestes detrimento de nós. Porque a
tristeza, que é segundo Deus, produz uma penitência estável para a salvação;
mas a tristeza do século produz a morte. E, se não, vêde o que produziu em vós
essa tristeza segundo Deus, quanta solicitude, que vigilante cuidado em vos
justificardes, que indignação, que temor, que desejo (de remediar o mal), que
zelo, que (desejo de) punição pela injúria feita à Igreja); vós mostrastes em
tudo que éreis inocentes neste negócio" (2 Cor. 7, 8-11). (S. Paulo se
refere ao caso de um incestuoso, mencionado na 1ª epístola.).
Este é o grande, o
admirável prêmio dos apóstolos bastante sobrenaturais e clarividentes para não
fazerem da popularidade a única regra e o supremo anelo de seu apostolado.
Não recuemos ante
insucessos de momento, e Nosso Senhor não recusará a nosso apostolado idênticas
consolações, as únicas que devemos almejar.
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