Exposição das
doutrinas subversivas e revolucionárias do "Sillon"
O "Sillon"
tem a nobre preocupação da dignidade humana. Mas, esta dignidade é
compreendida ao modo de certos
filósofos, de que a Igreja está longe de ter de se regozijar. O primeiro elemento desta dignidade é a liberdade,
entendida neste sentido, que, salvo em matéria de religião, cada homem é
autônomo. Deste princípio fundamental, tira as seguintes conclusões: Hoje em
dia, o povo está sob tutela, debaixo de uma autoridade que lhe é distinta, e da
qual se deve libertar: emancipação política. Ele está sob a dependência
de patrões que, detendo seus instrumentos de trabalho, o exploram, o oprimem e
o rebaixam; ele deve sacudir seu jugo: emancipação econômica. Enfim, ele
é dominado por uma casta chamada dirigente, a qual o desenvolvimento
intelectual assegura uma preponderância indevida na direção dos negócios; ele
deve subtrair-se à sua dominação: emancipação intelectual. O nivelamento
das condições, deste tríplice ponto de vista, estabelecerá entre os homens a
igualdade, e esta igualdade é a verdadeira justiça humana. Uma organização
política e social fundada sobre esta dupla base, liberdade e igualdade (às
quais logo virá acrescentar-se a fraternidade), eis o que eles chamam Democracia.
No entanto, a
liberdade e a igualdade não constituem senão o lado, por assim dizer, negativo.
O que faz própria e positivamente a Democracia, é a participação maior possível
de cada um no governo da coisa pública. E isto compreende um tríplice elemento,
politico, econômico e moral.
Em primeiro lugar, em
política, o "Sillon" não abole a autoridade; pelo contrário, ele a
considera necessária; mas ele a quer partilhar, ou para melhor dizer, ele a
quer multiplicar de tal modo que cada cidadão se tornará uma espécie de rei. A
autoridade, é certo, emana de Deus, mas ela reside primordialmente no povo, e
dai deriva por via de eleição ou, melhor ainda, de seleção, sem por isto deixar
o povo e se tornar independente dele; ela será exterior, mas somente na aparência;
na realidade, ela será interior, porque será uma autoridade consentida.
Guardadas as
proporções, acontecerá o mesmo na ordem econômica. Subtraído a uma classe
particular, o patronato será multiplicado de tal modo que cada operário se
tornará uma espécie de patrão. A forma invocada para realizar este ideal
econômico não é, afirma-se, a do socialismo, é um sistema de cooperativas
suficientemente multiplicadas para provocar uma concorrência fecunda e para
salvaguardar a independência dos operários, que não ficariam adscritos a
nenhuma delas.
Eis agora o elemento
capital, o elemento moral. Como a autoridade, já se viu, é muito reduzida, é
necessária uma outra força para completá-la, e para opor uma reação permanente ao
egoísmo individual. Este novo princípio, esta força, é o amor do interesse
profissional e do interesse público, quer dizer, da finalidade mesma da
profissão e da sociedade. Imaginai uma sociedade onde, na alma de cada um, com
o amor inato do bem individual e do bem familiar, reinasse o amor do bem
profissional e do bem público, onde, na consciência de cada um, estes amores se
subordinassem de tal modo, que o bem superior primasse sempre o bem inferior;
uma tal sociedade não poderia quase dispensar a autoridade e não ofereceria o
ideal da dignidade humana, cada cidadão tendo uma alma de rei, cada operário
uma alma de patrão? Arrancado à estreiteza de seus interesses privados e
elevado até os interesses de sua profissão e, mais alto, até os da nação inteira
e, mais alto ainda, até os da humanidade (porque o horizonte do
"Sillon" não se detém nas fronteiras da pátria, mas se estende a
todos os homens até os confins do mundo), o coração humano alargado pelo amor
do bem comum, abraçaria todos os companheiros da mesma profissão todos os
compatriotas, todos os homens. E eis aí a grandeza e a nobreza humana ideal,
realizada pela célebre trilogia: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Ora, estes três
elementos, politico, econômico e moral, estão subordinados um a outro, e é o
elemento moral, como dissemos, que é o principal. Com efeito, nenhuma
democracia política é viável se não tem profundos pontos de contato com a
democracia econômica. Por sua vez, nem uma nem outra são possíveis se não se
radicam num estado de espírito em que a consciência se acha investida de
responsabilidades e de energias morais proporcionadas. Mas, supondo este estado
de espírito, assim feito de responsabilidade consciente e de forças morais, a
democracia econômica daí decorrerá naturalmente por tradução em atos, desta
consciência e destas energias; e, igualmente, e pela mesma via, do regime
corporativo sairá a democracia política; e a democracia política e a econômica,
esta trazendo aquela, se acharão fixadas na própria consciência do povo sobre
bases inabaláveis.
Tal é, em resumo, a
teoria, poder-se-ia dizer o sonho do "Sillon", e é para isto que
tende seu ensinamento e aquilo que ele chama a educação democrática do povo,
quer dizer, a levar ao máximo a consciência e a responsabilidade cívicas de
cada qual, donde decorrerá a democracia econômica e política, e o reino da
justiça, da liberdade e da fraternidade.
Esta rápida exposição,
Veneráveis Irmãos, já vos mostra claramente quanto tínhamos razão em dizer que
o "Sillon" opõe doutrina a doutrina, que edifica sua cidade sobre uma
teoria contrária à verdade católica e que falseia as noções essenciais e
fundamentais que regulam as relações sociais em toda sociedade humana. Esta
oposição aparecerá com maior clareza ainda nas seguintes considerações.
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