Comunidades eclesiais de base
58. O Sínodo ocupou-se largamente destas "pequenas
comunidades" ou "comunidades de base", dado que, na Igreja de
hoje, elas são freqüentemente mencionadas. O que vêm a ser tais
"comunidades" e por que é que elas hão de ser destinatárias especiais
da evangelização e ao mesmo tempo evangelizadoras?
Florescentes mais ou menos por toda a parte na Igreja, a ater-nos ao que
sobre isso se disse em vários testemunhos ouvidos durante as sessões do último
Sínodo, essas comunidades diferem bastante entre si, mesmo dentro duma só
região, e, mais ainda, de umas regiões para outras.
Assim, nalgumas regiões, elas brotam e desenvolvem-se, salvo algumas
exceções, no interior da Igreja, e são solidárias com a vida da mesma Igreja e
alimentadas pela sua doutrina e conservam-se unidas aos seus pastores. Nesses
casos assim, elas nascem da necessidade de viver mais intensamente ainda a vida
da Igreja; ou então do desejo e da busca de uma dimensão mais humana do que
aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir,
sobretudo nas grandes metrópoles urbanas contemporâneas, onde é mais favorecida
a vida de massa e o anonimato ao mesmo tempo. Elas poderão muito simplesmente
prolongar, a seu modo, no plano espiritual e religioso o culto, o
aprofundamento da fé, a caridade fraterna, a oração, comunhão com os Pastores e
a pequena comunidade sociológica, a aldeia, ou outras similares. Ou então elas
intentarão congregar para ouvir e meditar a Palavra, para os sacramentos e para
o vínculo da ágape, alguns grupos que a idade, a cultura, o estado civil ou a
situação social tornam mais ou menos homogêneos, como por exemplo casais,
jovens, profissionais e outros; ou ainda, pessoas que a vida faz encontrarem-se
já reunidas nas lutas pela justiça, pela ajuda aos irmãos pobres, pela promoção
humana etc. Ou, finalmente, elas reúnem os cristãos naqueles lugares em que a
escassez de sacerdotes não favorece a vida ordinária de uma comunidade
paroquial. Tudo isto, porém, é suposto no interior de comunidades constituídas
da Igreja, sobretudo das Igrejas particulares e das paróquias.
Noutras regiões, ao contrário, agrupam-se comunidades de base com um
espírito de crítica acerba em relaçáo à Igreja, que elas estigmatizam muito
facilmente como "institucional" e à qual elas se contrapõem como
comunidades carismáticas, libertas de estruturas e inspiradas somente no
Evangelho. Estas têm, portanto, como sua característica uma evidente atitude de
censura e de rejeição em relação às expressões da Igreja, quais são a sua
hierarquia e os seus sinais, Elas contestam radicalmente esta Igreja. Nesta
linha, a sua inspiração principal bem depressa se torna ideológica e é raro que
elas não sejam muito em breve a presa de uma opção política, de uma corrente e,
depois, de um sistema, ou talvez mesmo de um partido, com todos os riscos que
isso acarreta de se tornarem instrumentos dos mesmos.
A diferença é já notável: as comunidades que pelo seu espírito de
contestação se separam da Igreja, da qual prejudicam a unidade, podem muito bem
denominar-se "comunidades de base", mas em tais casos há nesta
terminologia uma designação puramente sociológica. Elas não poderiam, sem se
dar um abuso de linguagem, intitular-se comunidades eclesiais de base, mesmo
que elas, sendo hostis à hierarquia, porventura tivessem a pretensão de
perseverar na unidade da Igreja. Essa
designação pertence às outras, ou seja, àquelas que se reúnem em Igreja, para
se unir à Igreja e para fazer aumentar a Igreja.
Estas últimas comunidades, sim,
serão um lugar de evangelização, para benefício das comunidades mais amplas,
especialmente das Igrejas particulares, e serão uma esperança para a Igreja
universal, como nós tivemos ocasião de dizer ao terminar o Sínodo, à medida
que: que elas procurem o seu alimento na Palavra de Deus e não se deixem
enredar pela polarização política ou pelas ideologias que estejam na moda,
prestes para explorar o seu imenso potencial humano evitem a tentação sempre
ameaçadora da contestação sistemática e do espírito hipercrítico, sob pretexto
de autenticidade e de espírito de colaboração; permaneçam firmemente ligadas à
Igreja local em que se inserem, e à Igreja universal, evitando assim o perigo,
por demais real, de se isolarem em si mesmas, e depois de se crerem a única
autêntica Igreja de Cristo e, por conseqüência, perigo de anatematizarem as
outras comunidades eclesiais; mantenham uma comunhão sincera com os Pastores
que o Senhor dá à sua Igreja, e também com o Magistério que o Espírito de
Cristo lhes confiou; jamais se considerem como o destinatário único ou como o
único agente da evangelização, ou por outra, como o único depositário do
Evangelho; mas, conscientes de que a Igreja é muito mais vasta e diversificada,
aceitem que esta Igreja se encarna de outras maneiras, que não só através
delas; elas progridam cada dia na consciência do dever missionário e em zelo,
aplicação e irradiação neste aspecto; elas se demonstrem em tudo universalistas
e nunca sectárias.
Com estas condições assim,
exigentes sem dúvida alguma, mas exaltantes, as comunidades eclesiais de base
corresponderão à sua vocação mais fundamental; de ouvintes do Evangelho que
lhes é anunciado e de destinatárias privilegiadas da evangelização, próprias se
tornarão sem tardança anunciadoras do Evangelho.
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