- 153 -
d) NÃO POSSO CALAR
“Três
coisas mantém o Bispo em sobressalto.”
No seu ofício de superintendente,
sempre difícil e freqüentemente perigoso, o Bispo tem sempre diante dos olhos,
três coisas que o mantêm em - 154 -
contínuo
sobressalto: os perigos das almas, o pecado do silêncio e o juízo de Deus. Por
isso, ele cumpre todos os deveres de bom Pastor, guiando suas ovelhas às
pastagens salutares, às límpidas fontes e investindo impávido e resoluto contra
os lobos que, em pele de cordeiro, se introduzem no rebanho. Ele fala, escreve,
trabalha, não tendo em vista senão a glória de Deus e a salvação das almas.
Nada de ambigüidades, equívocos, simulações, fins secundários.
Nos seus lábios, a palavra é raio
de luz celeste, é semente de virtude
cristã. A sua boa fé, às vezes poderá ser enganada, mas ele não engana
ninguém, antes, é para tirar os outros do engano que freqüentemente se expõe a
contradições e dores quase inacreditáveis. Não busca a própria comodidade, o
próprio interesse, as mesquinhas satisfações, mas a verdade, somente a verdade,
que é sua regra; e ele sacrifica tudo, antes de traí-la. 26
“Jamais
nós, Pastores, nos calaremos.”
Sei
que, em nome de falsa liberdade, os modernos incrédulos desejariam bloquear a santa
liberdade, que nós católicos, nós Bispos, temos de Deus. Mas se as leis se
calarem, nós Pastores não nos calaremos, não serei eu que, com a ajuda divina,
me calarei, que cessarei de elevar a minha voz, a voz do dever e da autoridade,
para golpear o mal, onde quer que ele se aninhe, para denunciar os perigos e as
insídias, onde maus põem em perigo a vida espiritual dos meus filhos; por causa
de Sião, não me calarei.
Não
me calarei e repetirei a todos, com o Evangelho: guardai-vos dos falsos
profetas, que vêm a vós sob vestes de cordeiros e por dentro são lobos vorazes.
Não me calarei e repetirei: é intolerável que mestres estrangeiros, de falsas
doutrinas venham, em nossa casa, perturbar a paz de nossas famílias, insultar
nossa religião, a religião dos nossos antepassados, a religião que se entrelaça
com a nossa história, com nossas artes, com nossos costumes, com nossas
aspirações, com nossa vida. 27
“Chamado a
fazer parte da solicitude, por todas as Igrejas.”
Será
lícito a homens mal intencionados se imporem quando um Bispo falar ou escrever
conforme a consciência, o direito e, mais que o direito, o que o dever lhe
dita?
O
Bispo, guarda da ciência divina, como o denominam as - 155 -
constituições Apostólicas, mediador entre Deus e os homens,
príncipe e comandante, rei e dinasta,
depois de Deus, Deus na terra, como também condecorado com a dignidade de Deus,
não poderá mais exercer o próprio ministério, sem temer ver arrastada na lama a
própria dignidade, por aqueles que protestam continuamente respeitá-la?
O Bispo, colocado pelo Espírito Santo,
para reger a Igreja de Deus e chamado a fazer parte da solicitude pastoral por
todas as Igrejas, não poderá mais expor candidamente ao Pai comum a sua
advertência, acerca dos perigos que correm as almas, sem que seja chamado de
pedra de tropeço e de escândalo?
Um
Bispo não poderá declarar, abertamente, que ama a sua pátria, que quer vê-la
grande, gloriosa, feliz na reconciliação com a Sé Apostólica, sem estar sob suspeita
de pactuar com o inimigo? Não será permitido a um Bispo pedir a Deus a glória
de cumprir esta obra mais árdua de todas e mais necessária, a pacificação de
nossa pátria? Que se digne concedê-la ao seu Vigário na terra, sem que outros o
reprovem e acusem de querer dar conselhos ao Mestre universal e de procurar
forçar-lhe a mão?
Chega-se
a tal temeridade de criticar atos que o mesmo Sumo Pontífice aprova. Chega a
tal ponto a audácia de criticar, se bem que veladamente, aquilo que Ele afirma
ser plenamente conforme os seus desejos?! Grande Deus! onde estamos? Para onde
iremos nós, com tal sistema? Ai! gritaremos com um Santo Padre, ai da Igreja,
quando o Episcopado é forçado ao silêncio! 28
“Brade a
palavra Episcopal, como o Senhor a inspira.”
Não
existe Bispo, no mundo, que não queira quanto quer o Chefe supremo, e não
condene quanto Ele condena; não existe Bispo, que não deplore amargamente, as
condições intoleráveis impostas ao venerável Chefe de trezentos milhões de
católicos, e a Ele não se una, renovando-lhe os mais formais protestos, contra
os antigos e os modernos atentados! Não existe Bispo que não proclame com Ele
ser impossível, que as coisas públicas da Itália consigam prosperar, até que
não sejam tomadas medidas, sobre a dignidade da Sé Romana, da liberdade e
independência do Romano Pontífice.
Portanto,
brade sem retenção ou medo, a palavra episcopal. Brade, como o Senhor a
inspira, e os censores orgulhosos da mesma saibam que - 156 -
“considerar a Igreja como massa inorgânica, que deve
receber o impulso de mão onipotente, sem que ninguém possa iluminá-la, nem
submetê-la a humildade e devotas reflexões, é o maior dano que se lhe possa
infligir”. 29
“Os Bispos
têm o direito e o dever de iluminar também os Superiores.”
Recebo
a esta altura sua prezada carta de anteontem, e me apresso a agradecer o modo
cortez com que se dignou escrever-me. Permito-me dizer apressadamente, poucas
coisas, mas de coração aberto e com toda liberdade.
Antes de tudo, protesto
energicamente contra o suposto apoio, dado por mim contra o modo, como se
procedeu à nomeação do novo superior do
Rho. Eminência, sou um homem da hierarquia; lutei quase sozinho em toda
ocasião para defender o grande princípio da autoridade, sobre o qual se coloca
todo o futuro da Igreja, e não desmentirei nunca (...).
Os
bons padres, não tendo podido ver o Arcebispo, e tendo recebido do Vigário
Geral palavras vagas e sem resultados (o estilo faz o homem e vice-versa)
dirigiram-se a mim, para conselho. Podeis escrever, respondi, e também ir: Roma
pode ficar surpreendida com um fato particular, mas é sempre justa.
Ontem
se apresentaram a mim dois daqueles padres e me pediram carta para os Exmos.
Verga e Galimberti e para Mons. Della Chiesa. Escrevi as três cartas,
entreguei-lhes e partiram. Cumpri uma obra de caridade e estou pronto a
repeti-la hoje e sempre. É Nosso Senhor que nos impõe o dever. Ofendi talvez
alguém? Os Bispos não devem aconselhar, consolar aqueles que a eles se dirigem,
embora sejam estranhos à sua Diocese? Eles não foram colocados pelo Espírito
Santo para governar a Igreja de Deus? Por isso não têm mais que o direito, o
dever de iluminar, se necessário, também os superiores?
Eu
tenho muita admiração pelo Santo Padre e por aqueles que com ele colaboram no
governo do mundo, para acreditar que possa desagradar-lhes que um Bispo franca
e lealmente, sem fins secundários, diga a verdade, com o nobilíssimo fim de
evitar resoluções, que possam ter conseqüências fatais e desastrosas. O exame
dos fatos particulares é muito difícil, onde interferem os negócios do mundo e
Deus providenciou o bem de sua Igreja, com a instituição divina do Episcopado. 30
- 157 -
“Os bispos
não podem, não devem calar.”
Santo Padre, vos maravilheis que eu fale de revolução e de artes
revolucionárias trazidas à Igreja de Deus. Tenho um volume de provas, que
pretendo publicar com esta finalidade, com a convicção profunda de defender e
sustentar não a causa pessoal, mas a do Episcopado aterrorizado, da Igreja
desfalcada, da Religião traída.
Se esta fosse combatida somente
pelos descrentes, bem pouco se teria a temer; mas quando católicos e padres,
isto eu digo com imensa dor, levantam na Igreja o estandarte da revolução e
debaixo de belas aparências, pervertem o sentido cristão do clero jovem e do
povo, os bispos não podem, não devem calar; nem eu me calarei. Santo Padre, há
anos eu clamo por causa destes males e os deploro amargamente diante de Deus.
Continuar disfarçando-os é impossível.
Beatíssimo
Padre, não creiais que eu fale inconsideradamente, ou que nisto seja movido por
intenções particulares. Não. Deus me é testemunho, a quem sirvo e diante do
qual todos compareceremos, dentro de pouco tempo. Eu não conheço partidos e não
tenho preferência por nenhum deles. Por graça sua, não sou apegado senão a Ele,
a vós que sois seu Vigário e a sua Santa Igreja.
É exatamente para isso, que experimento viva dor, e que depois de ter refletido
por muito tempo e rezado, decidi enfrentar o insolente partido, que hoje
intenta impor-se e que é fonte de tantas ruínas espirituais. Prevejo que
deverei sofrer muito, mas me confortará o pensamento de ter feito o que estava
ao meu alcance, para esconjurar males piores. Santo Padre, um grande antecessor
vosso, vós o sabeis, habitualmente voltava-se para Deus, suplicando-lhe que
inspirasse algum Bispo a dizer-lhe abertamente a ,V verdade e certamente é esse
o desejo de vosso nobilíssimo coração; por isto não duvido, me perdoareis toda
verdade, que desejo vos confidenciar, ainda que amarga.
A obra demolidora e revolucionária
do novo liberalismo, Santo Padre, não cessará, se não se fizer algo público e
manifesto, a favor da autoridade Episcopal.
Espero
que compreendereis e me atendereis. Se Deus me privasse também desta
consolação, nem por isto diminuiria a profunda veneração e afeto filial à Vossa
Sagrada Pessoa e à Santa Sé. Terei sempre a consolação de não ter nunca calado
a verdade a ninguém, de ter combatido o bom combate e guardada a fé, com a
esperança da coroa que um dia, Ele justo Juiz, me concederá!
Beatíssimo
Padre, não encerrarei a presente, sem antes declarar-vos que estou e estarei
sempre pronto, não só às vossas ordens, mas também aos - 158 -
vossos desejos, por isso, se acreditais que eu deva
calar, em consideração a Vós entrarei, calmo e tranqüilo, em profundo silêncio,
colocando tudo nas mãos de Deus e Vossas, que lhe fazeis as vezes. 31
|