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a) O MINISTÉRIO SACERDOTAL
“Participantes
das minhas fadigas pastorais.”
Abraço-vos
com ardentíssimo e paterno afeto a vós todos, Reitores de almas, consciente que
sou, do valor e necessidade do vosso ministério. Eu mesmo, por alguns anos,
trabalhei nesta vasta paróquia de São Bartolomeu de Como, a cuja docilidade,
religiosidade, piedade, freqüência à palavra de Deus, aos sacramentos e provas
claríssimas de amor filial para comigo, não deixarei nunca de me lembrar.
Participantes
das minhas fadigas pastorais e dispensadores dos mistérios de Deus,
esforçai-vos, para serdes contados entre os dispensadores fiéis, lembrados
daquela gravíssima e terrível sentença: os que presidem serão submetidos a
juízo rigorosíssimo (Sb 5). Qualquer sagrado ministério - 165 -
que exercitais, quer ofereçais o augusto sacrifício da
Missa, quer administrais os Santos Sacramentos, ou vos ocupais dos ofícios
divinos, com mente e coração puros, penetrados no sentido religioso e de
afetuosa piedade, usai o ministério, como virtude comunicada por Deus, a fim de
que em tudo, Deus seja glorificado por Jesus Cristo. (lPd 4)
Sede
anjos de paz, irmãos desejáveis,
operários intrépidos; confortai com o vosso zelo e diligência, os pobres, as
crianças, os órfãos, as viúvas, os enfermos, os moribundos, de tal modo que a
caridade e a solicitude paterna dos pastores resplandeçam de luz, sempre mais
viva.
Assumindo
entranhas de terníssima caridade para com os surdos-mudos, os cegos, outros
infelizes, procurai que também eles sejam instruídos; ensinai diligentemente
aos meninos e às meninas, os princípios da fé e a obediência para com Deus e
para com os pais.
Dispostos
e com ânico generoso, socorrei a todos, com as obras de caridade, unindo as
almas dos fiéis com intensa dedicação a vós e à religião.1
“Deus, o
sacerdote e o homem.”
Certamente
Jesus Cristo teria podido, por sua força divina, salvar os homens sem precisar
da cooperação de outros homens, mas na sua infinita sabedoria, não o quis; e
assim criou, na ordem da graça, como o tinha feito na ordem da natureza, as
causas intermediárias e segundas. Colocou entre si e os homens, os seus Sacerdotes,
através dos quais se dignou continuar. Na sua oração ao Pai, ele só reconhece
como discípulos, aqueles que acreditaram por meio deles. De fato o Evangelho
fala sempre de três: Deus, o Sacerdote e o homem.
Quem
exclui o sacerdote, corta o anel de conjunção, rompe a torrente, derruba a
ponte de passagem, cava um abismo. 2
“O Padre é
Jesus Cristo operante no homem.”
Quem
á este homem que tem nas mãos a vida e a salvação almas, e de algum modo, a
vida e a salvação de um Deus? Admirai mais uma vez, a dignidade e o poder do
padre católico! Jesus Cristo, não somente, vive nele uma vida real, mas por
dele, exerce continuamente todas as funções divinas, que constituem a
santificação das almas e a salvação do mundo.
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Portanto,
o padre católico não é somente Jesus Cristo vivendo no homem, o que é
privilégio de todos os cristãos: ele é Jesus Cristo operante no homem e com o
homem, cumpre a obra divina da reparação; ele é Jesus Cristo que fala, Jesus
Cristo que se sacrifica, Jesus Cristo que perdoa, Jesus Cristo que salva; e em todos os lugares: no
púlpito, no altar, no tribunal da penitência, revestido da mesma dignidade
d’Ele, porque revestido da mesma autoridade! Sacerdote, outro Cristo! 3
“É o homem
de Deus na comunicação da verdade.”
Quando
nós falamos é como se Deus falasse, porque Ele fala não só pelo seu Filho, mas
através de nós, continuadores da sua obra. O padre é, na verdade, o homem de
Deus, na comunicação da verdade. Ele a distribui a todos, grandes e pequenos,
como Deus dá a luz do sol ao cedro e ao fio da erva. Ele se eleva, sem se
engrandecer, abaixa-se, sem se diminuir. Tanto as mentes elevadas, desejosas de
altas e profundas especulações, quanto o povo e as crianças, cuja inteligência
tem necessidade de simplicidade e de clareza, encontram nele resposta a todas
as interrogações, que nossa natureza instintivamente faz a si mesma, preocupada
com a própria origem, com o próprio estado, com os próprios deveres e destinos,
o que mais importa, a inabalável certeza e a perfeita segurança, na sua fé. 4
“Dá aos
homens a graça, em nome de Deus.”
Além
da verdade, existe outra coisa sagrada, que o Padre dá aos homens, em nome de
Deus: a graça, dom inteiramente gratuito, que eleva o coração, cria e alimenta
em nós a vida sobrenatural, faz-nos amigos de Deus, irmãos de Jesus Cristo, e
herdeiros do seu reino. Nós, sem ela nada podemos fazer que tenha merecimento,
para a vida eterna.
Mas
como o sacerdote pode comunicar aos fiéis a graça? Comunica-a por meio dos
misteriosos canais, que são os Sacramentos.
Era
necessário que a transmissão deste fluído celeste, fosse feita conforme um
plano reclamado pela natureza humana, que sendo um composto de espírito e de
matéria, exige que as coisas puramente espirituais lhe sejam aplicadas com algo
de material, que atinja os sentidos e pelos - 167 -
sentidos
a alma seja admoestada e impressionada pela realização espiritual que acontece
nela, através dos sacramentos. 5
“Fazemos as
vezes do Salvador.”
Veneráveis irmãos, nós somos chamados a ser ministros de Cristo,
enviados por Ele, como Ele mesmo foi enviado pelo Pai, escolhidos pelo Espírito
Santo, para o trabalho que cada um de nós assumiu: homens de Deus, enviados a serviço dos que recebem a
herança da salvação, Sacerdotes do Deus Altíssimo, dispensadores dos mistérios
e da multiforme graça de Deus, sal da terra, luz do mundo, colocados sobre o
candelabro, para ser luz para todos os que estão em casa; foram-nos impostos
pesos que seriam pesados, para os ombros dos anjos e por isso temos grande
necessidade da piedade, do zelo pelas almas, do estudo a fim de que o nosso
ministério não seja menosprezado (...).
Cumpramos todas as nossas ações,
cheios de fé e do Espírito Santo. Desenvolvamos do melhor modo possível o nosso
ministério, glorificando e louvando a Deus, apresentando-nos em tudo como
ministros de Deus, na paciência, nas fadigas, na doçura, na ciência, na
caridade sem fingimento, na castidade, na piedade, que a tudo é útil, possuindo
as promessas da vida presente, e da futura, pela qual devemos trabalhar, com
todas as forças, com zelo pelas almas, para a perfeição dos santos, através do
ministério, para a edificação do Corpo de Cristo.
Fazemos
as vezes do Salvador Jesus Cristo. Por isso, solícitos pela salvação das almas,
obedecendo seus mandamentos e seguindo seus exemplos, acolhamos benignamente e
ajudemos todos os fiéis. Oponhamo-nos firmemente aos vícios e à hipocrisia dos
fariseus, sem respeito humano: repreendamos e supliquemos, com toda paciência e
doutrina, oportuna e inoportunamente, os obstinados, os endurecidos, os mais
ignorantes na catequese. Evitemos toda cobiça, de vanglória ou de vil
interesse, fazendo-nos tudo para todos, para procurar ganhar todos, para
Cristo. 6
“A única
ambição do Padre.”
Trabalhar,
afadigar-se, sacrificar-se de todas as maneiras, para dilatar, aqui na terra, o
Reino de Deus e salvar as almas; colocar-se, de joelhos diante do mundo a fim
de implorar como uma graça, a permissão para fazerlhe - 168 -
o bem, eis a única ambição do Padre. Para este fim ele
usa de tudo o que possui de poder, de autoridade, de habilidade, de talento, de
força.
A
inocência está em perigo? Ele assume a guarda. Surge uma desgraça? Voa para
aliviá-la. Estoura uma disputa? Ele é o arauto da paz. E aqui, faz-se guia aos
transviados, sustento aos vacilantes escudo aos oprimidos; lá, olho dos cegos,
língua dos mudos, pai dos órfãos, mãe das crianças, companheiro dos encarcerados;
doa-se todo a todos, para ganhar todos para Jesus Cristo.
Do casebre do pobre corre ao palácio do rico; do altar à cabeceira do
moribundo, do monte aos vales, em busca da ovelha perdida, e só se tranqüiliza,
quando consegue estreitar uma ao peito e carregar a outra aos ombros; a esta,
enfaixar as chagas; aquela alimentar com a comida que nega à sua boca. Nunca
tão feliz como, quando, ao deitar-se pode recordar uma lágrima enxugada, uma
família consolada, uma inocência protegida, o nome de Deus glorificado. 7
“A Salvação
das almas é a nossa única razão de existir.”
Trabalhai
forte, ativa e incansavelmente, para ganhar almas para Deus e salvá-las, em
qualquer lugar em que estivermos; somos padres, exatamente para isto.
A
salvação das almas é a nossa vida, a nossa única razão de ser e toda a nossa
existência deve ser uma contínua busca de almas.
Não
devemos comer, beber, dormir, estudar, falar, nem recrear-nos, senão para fazer
o bem às almas, sem nos cansarmos jamais. Como o cristianismo obriga o cristão
a conduzir-se como cristão, em todos os momentos da vida, do mesmo modo o
sacerdócio obriga o sacerdote a agir, como sacerdote, sempre. Aquilo que o
cristão deve fazer para a salvação de sua alma, o padre e muito mais o pároco,
deve fazer para a salvação da alma dos outros e assim ele se salva. 8
“Receberam
ordem de cuidar, não de curar.”
Existe
uma tentação muito sutil, que às vezes, se insinua nas almas dos que têm autoridade
sobre os outros. Freqüentemente constatam que às suas fadigas não correspondem
um fruto imediato e abundante. Dizem: a situação é de desespero, não existe
remédio, deprime-se, acomodam-se no ministério.
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Por que se admirar, se verifica nos
outros o que o Apóstolo experimentou em si mesmo?
“Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro, Jesus Cristo
manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os
que a seguir n’Ele crerem, para a vida eterna (lTm 1,16). Por isto, estes
pastores apresentem-se como ministros de Cristo, com toda paciência, recordando
as palavras do Senhor: “Um é o que semeia, outro é o que ceifa. Enviei-vos a
ceifar onde não semeastes. Outros trabalharam, e vós entrastes nos seus trabalhos”.
(Jo 4,37-38). Semeiem a palavra, deixando a outros a colheita. Recordem-se de
que, com a ordenação sacerdotal, receberam ordem de cuidar, não de curar.
Contudo sejam ardentes na caridade, porque “a caridade tudo crê, tudo espera,
tudo suporta” (lCor 13,7). 9
“Espírito
de mansidão.”
Saber como devem ser executadas as obras de Deus é de fundamental
importância.
Alguns as empreendem, com espírito
puramente humano, por isso colhem pouco ou nada. Sabeis qual é o espírito de
Deus. “O espírito de Deus é muito
humilde e manso, não se encontra no turbilhão do vento, nem aparece na
tempestade, mas está aberto à minha sinceridade”. (Tertul a Marc.).
Cristo agiu com tal espírito e com este devem
estar revestidos seus ministros. Porque o Senhor não se encontra na agitação ou
no fogo; é necessário continuar no sagrado ministério, com o mesmo espírito de
mansidão.
“Filhos,
diz o sábio, faze o que fazes, com doçura, e mais do a estima dos homens,
ganharás o afeto deles”. (Ecl 3,19). Os párocos e quantos têm o cuidado das
almas serão empecilho à própria salvação e à obra de Deus, se não possuírem
esse espírito. 10
“Sacerdotes
de Cristo, a sociedade pede vossa obra.”
Sacerdotes
de Cristo, não esqueçais, que, se existe tempo, em que a sociedade humana mais
precisa de vós, é o tempo presente. Ela mesma suplica a vossa obra (...).
Portanto, correi a ela, apóstolos da caridade; que o vosso ministério
seja de salvação, a vossa palavra, água que sacia a sede, pão que nutre, luz
que afugente as trevas, remédio que cura.
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Aprofundai-vos sempre mais, no conhecimento das verdades reveladas e em
todos os tipos de estudo. Cabe-vos fortalecer a fé, destruir os preconceitos,
sacudir os inertes, aproximar os corações.
Amai-vos mutuamente,
ajudai-vos reciprocamente; sede homens de sacrifício, sede daqueles, que no
dizer do Apóstolo, levam o mistério da fé, numa consciência pura. Aplicai-vos,
com toda solicitude, a fé unida à virtude, a virtude à ciência, a ciência à
temperança, a temperança ao sofrimento, o sofrimento à piedade, a piedade ao
amor fraterno. o amor fraterno à caridade; pois que quando estas coisas
existirem em vós, e aumentarem, não vos ficará infrutífero, o conhecimento do
Senhor Nosso Jesus Cristo (...)
Vigiai,
irmãos, pela paz das famílias, pela santidade dos cônjuges, pelo respeito aos
dias santificados, pelo decoro da casa de Deus, pela reverência aos superiores,
pela lealdade aos compromissos, pela observância da justiça. Não vos
amedronteis diante das dificuldades e das contradições do mundo.
Compadecei-vos
dos defeitos de todos, querei bem a todos, fazei o bem a todos, a todos sem
exceção. Imitai o Bom Pastor. O seu zelo que salva e não fere, seja o vosso
zelo; o seu espírito de mansidão, o vosso espírito. Detestai o vício, nunca o
culpado. Guardai-vos de uma excessiva condescendência, bem como de uma severa
rigidez. 11
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