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a) UMA NOVA PASTOREIDADE
“Guardei
aqueles que me destes.”
Rezai também
por mim neste dia, vigésimo aniversário da minha consagração, como bispo de
vossas almas. Sinto mais do que nunca, o peso da responsabilidade que tenho por
vós diante de Deus. Rezai, ó meus bons e caríssimos filhos, para que Ele me
conceda a graça de vos amar, sempre como vos amo, e que, chegando ao fim da
minha vida, ao restituir-vos a Ele, eu lhe possa dizer com serena confiança:
Pai, guardei aqueles que me destes, e nenhum deles se perdeu! 1 - 206 -
“Ganhar
todos para Cristo, eis a constante, a suprema aspiração da minha alma.”
Seis lustros já se passaram, desde que esta
escolhida porção do rebanho de Cristo fora confiada aos meus cuidados e um dia,
que pode não estar longe, deverei dar-lhe justas contas dela. Poderei dizer-lhe
com voz firme e serena: Senhor, guardei aqueles que me destes, e nenhum deles
se perdeu, por minha culpa?
Terrível pensamento, que continuamente me
vem à mente, e que me aperta, me incita a reparar, com uma visita geral,
deligentíssima, as faltas e os defeitos do meu, não breve, governo episcopal.
Portanto,
anuncio-vos, meus irmãos e filhos, que estabeleci empreender pessoalmente a
sexta visita pastoral, a todas e a cada uma das paróquias da diocese.
Se
devesse olhar a minha idade, certamente espantar-me-ia, mas é tão vivo em mim o
desejo de rever-vos ainda uma vez e de vos dirigir minha palavra de pastor e de
pai, que toda dificuldade parece-me nada, e a fadiga parece-me leve.
De resto, não confio em mim mesmo, consciente que
estou, da minha insuficiência, mas no auxilio do supremo Pastor Jesus Cristo;
d’Ele que se dirigia às cidades e vilas, evangelizando e curando toda a
enfermidade do povo, que depois de regar a terra com seu suor, deu o sangue e a
vida por suas amadas ovelhas.
Portanto,
irei a vós, em nome de Deus, queridos; e irei, para anunciar-vos a sua vontade,
para alertar-vos sobre as verdades eternas, para vos prevenir de veneno do
erro, para corrigir, se ainda existem abusos, para reconduzir ao rebanho a
ovelha perdida, para invocar sobre a cabeça de vossos filhos as bênçãos dos
céus, para orar convosco pelo repouso eterno de vossos queridos falecidos, para
levar a todos o conforto ao espírito e animar-vos ao bem.
Serei feliz, se no final da visita puder na verdade
repetir com o apóstolo: Fiz-me tudo para todos, para ganhar todos para Cristo.
Ganhar todos para Cristo, .eis a constante, a suprema aspiração da minha alma.
2
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“O bem das
almas acima de tudo.”
Fizestes muito bem dizer claramente
as coisas como são e não me ofende em nada terdes enviado minha carta, onde
oportuno crestes mandá-la; sabeis que nada tenho oculto aos meus superiores.
Somente o amor próprio está um pouquinho ressentido, tratando-se de cartas
confidenciais a um amigo do coração, como sois vós, e portanto jogastes tudo
abaixo, como se costuma dizer, com simplicidade.
De resto, a verdade, a justiça, o
bem das almas sobretudo, eis a minha, como a vossa ambição.
Não
desanimemos caro amigo; calma, fortaleza e oração, olhar fixo em Jesus Cristo e
confiantes n’Ele só. 3
Escrevi
a quem tínhamos combinado, muitas vezes e sempre forte e alto, talvez muito
alto. Disse-lhe até que logo deverá encontrar-se diante de Deus e prestar
contas do exército das almas, que
estão se perdendo e das dores inefáveis causadas aos Bispos, os quais já não
têm mais liberdade de palavra, nem de ação, porque subjugados pela intromissão
dos leigos, encorajados e premiados, por quem deveria freá-los, e mais pelo
habitual partido farisaico, tolerado, e mais fortalecido no ato que está
decompondo a ordem hierárquica, instituída por Jesus Cristo etc. (...)
Sigo a minha estrada, profundamente
persuadido de que os Bispos fiéis e respeitosos já não são aqueles que, por mal
entendido respeito, fomentam certos enganos e talvez se valham deles, mas
aqueles e são poucos, pobres tolos! que sacrificam sua paz, seu futuro e tudo,
para que o Santo Padre perceba o engano e a Igreja seja livre das desastrosas
conseqüências dos erros. 4
Infelizmente, as coisas
vão mal e muito mal. Todos vêem, mas ninguém pensa no remédio! Não se tem mesmo
senão que esperar em Deus.
Agora nem o soar das trombetas basta para sacudir do sono os
dorminhocos e derrubar as últimas ilusões; deixemos as coisas um pouco para
ele. Nós vamos em frente tranqüilos e pensemos em salvar o maior número de
almas possível. Não nos poderá faltar o amor dos bons e a recompensa de Deus. 5
Para mim “não existe salvação senão em Deus. Tornar-nos
frades, tornar-se Savonarola? Seria coisa boa, a primeira, para quem tem a
verdadeira vocação, gloriosa a segunda, para quem se sente chamado, mas talvez
a melhor coisa seja não fazer nada, procurando, com maior empenho - 208 -
possível,
promover a glória de Deus e o bem das almas, certos de que, se soubermos calar
e sofrer, veremos o auxílio de Deus.
Por enquanto, trabalhemos, rezemos e esperemos
tempos melhores. 6
“Senhor, tende piedade do pastor, piedade do rebanho!”
Meus filhos queridos, escutai a voz de
quem não busca, não deseja, não quer senão vosso bem. Disse-vos mais vezes e me
é doce repeti-lo, que incessante objeto de consolação e de alegria é para mim,
a vossa fé, a vossa piedade, o vosso devoto e sincero apego à Igreja; não posso
dissimular; por dever de consciência devo dizer-lhe, ai de mim se calasse! O
mal está também entre nós, e muito grave. O Placência! O cidade predileta,
pensa na fé de teus pais, vê como decaíste de tua antiga grandeza! Quem te
traiu? quem te reduziu a isto? Já que vejo muitos, entre os teus muros, que
vivem esquecidos de todo o dever que a fé lhes impõe; que a ultrajam com
satânicas blasfêmias e continuamente ofendem a Deus, com uma vida pagã, de
fato: profanam os seus dias santos, dão-se à leitura de livros e jornais
blasfemos; hostilizam a Igreja e os ministros fiéis; deixam-se levar como
crianças, por todo vento de doutrina, apenas lhe seja anunciada com charlatã
gravidade e com ignorante orgulho, por homens astutos e turbulentos. Por favor,
que fazeis, meus filhos? Então são estas as obras de vossa fé? É assim que
respondeis aos benefícios, que abundantemente, recebestes do céu? Vergonha vossa,
vergonha de vossa cidade! Não vedes que assim agindo, vos revoltais com louco
orgulho contra o Onipotente, que contristais vossos santos Patronos e a mesma
Mãe de Deus e vossa Mãe, Maria Santíssima? Senhor, escutai o gemido da minha
alma, profundamente amargurada! Porque me conservastes neste tempo de aberração
e de delito? Quando se acabarão estes dias de agitação e de profanações
sacrílegas? Senhor, tende piedade do pastor, piedade do rebanho!
Porém,
em meio às dores, não faltam as consolações. Meus queridos, é conforto, o
pensamento de que no céu há quem sabe quanto sofremos e que antes de nós sofreu
tudo isso: o nosso divino Chefe e Mestre. É conforto, é balsamo suavíssimo, a
consciência de sofrer pela justiça e
de sofrer, sem - 209 -
ódio, antes,
com amor, a quem nos persegue, para que se converta e viva. 7
“Requer-se
tais Pastores em nossos dias.”
O pároco, como bem sabeis, é o devedor de todos, sempre pronto a
ajudar a todos. Deve-se, todavia, evitar dois excessos opostos.
Falemos
praticamente, como convém a um pai.
Alguns se dedicam tão intensamente à
salvação dos outros, a tal ponto de perder pouco a pouco o espírito, terminando
por perder-se a si mesmo, sem ganhar os outros. Recordem-se que poderão ser
úteis aos outros, só na medida em que forem úteis a si mesmos. Por isso,
cultivem, antes de tudo, a piedade, “porque a piedade é útil a tudo”, mas
especialmente às obras do ministério. Meditem a palavra de Cristo Senhor. “Como
o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer unido à videira,
assim também vós, se não permanecerdes em mim” (Jo 15,12). Por isso nunca
descuidem de si mesmos, mas sejam solícitos pela própria santificação (...).
Outros,
em vez, se estabelecem em suas casas paroquiais, como negociantes nas suas
lojas. Se solicitados estão imediatamente à disposição, não descuidam da
instrução dos fiéis presentes; mas para o restante, nenhum zelo os move. Não
pensam nas necessidades e nos perigos das suas ovelhas; descuidam por
imprudência tempestiva, pusilanimidade ou indolência, os meios necessários.
Estes homens podem ser comparados às bandeiras levantadas bem à vista, sobre torres, que não flutuam e
nem se encrespam ao sopro dos ventos. Deles fala o profeta. “Não se preocuparam
com a ruína de Israel (Am 6,6). Não deve ser assim a vida de um pastor.
Recordai bem o que ordenou o pai de família a seu servo: “vai pelos caminhos e
trilhas e obriga-os a entrar” (Lc 14,21-24).
Tais
Pastores cheios de zelo é o que absolutamente se requer, em nossos dias. 8
“Saí da sacristia, mas saí para
santificar.”
Veneráveis
irmãos e meus queridos cooperadores, primeiramente fortalecei-vos sempre mais,
no espírito de vossa vocação. Prossegui corajosos, nas vossas fadigas
paroquiais, que não devem ser premiadas pelo - 210 -
mundo,
mas sim por Aquele que vos chamou à honra inestimável de ser revestido de sua
divina Pessoa, na obra da salvação das almas. Redobrai a operosidade e a
vigilância, falai claro e alto, a fim de precaver os vossos rebanhos das artes
dos sedutores. Especialmente neste tempo, promovei com todo o zelo a instrução,
a piedade do povo. Saí também, como se costuma dizer hoje, da sacristia, mas
com a mente e o coração e cheios do Espírito Santo, saí para santificar. Os
sacrifícios de vosso santo ministério são grandes, enormes, hoje, que ele é tão
atravessado por todo tipo de obstáculo, mas eles, até os mais leves, são todos
contados no céu: portanto, paciência e coragem! 9
“Saiamos de
nossas tendas!”
Hoje,
como se expressa um insigne literato moderno, não é mais permitido ficar
indolentes, em nossas casas, suspirando e chorando, quando o fogo da descrença
e da imoralidade se dilata e ameaça destruir (como o fogo humano pode fazer) a
arca da fé, de nossas regiões; portanto, saiamos de nossas tendas e, antes de
tudo, recordemo-nos de que não temos outras armas senão a fé e a caridade.
Entremos com estas armas, conforme nos permitem as leis civis e a consciência
de católicos, na vida pública, sem nos preocuparmos com partidos políticos,
prontos a morrer, antes que pactuar com a falsidade e a injustiça. Entremos na
vida pública, não como inimigos do poder constituído, mas incansáveis
adversários do mal, onde ele estiver; entremos, como homens da ordem, que
seguindo o exemplo de Cristo e da sua Igreja, sabem tolerar também o mal; mas,
nunca aprová-lo ou fazê-lo. 10
“A Visita
Pastoral e a celebração do Sínodo.”
Vós
sois a nossa alegria e a nossa coroa; nem o perigo de catástrofes, nem
violência de circunstâncias imprevistas, nem tribulações de nenhuma espécie
conseguirão separar-nos de vós; com Jesus Cristo, Pastor eterno das nossas
almas, possamos dizer, em verdade, quando chegar o tempo: “Pai, aqueles que me
destes eu os guardei e nenhum deles se perdeu” (...).
A
tristeza dos tempos, a subversão das paixões, a audácia dos partidos (não
devemos iludir-nos), produziram gravíssimos males em outras partes e não
deixaram intacta a nossa Diocese (...). - 211 -
Um
certo espírito de egoísmo e de interesse procura invadir também as classes
menos abastadas e impeli-las a lucros ilícitos. Que mais? A geração crescente é fascinada pela risonha mentira,
procura todos os meios para arrancá-la, se possível, de todo jugo menos daquele
das paixões. Ah! nós estamos atravessando um período da história que poderia
ser fatal para a salvação de muitos! E nos constrange, no mais vivo da alma
“que nossos bons filhos tenham que se livrar de todos os laços, neste tenebroso
século e consigam conservar-se constantes, no caminho da verdade e da justiça.
Sem
dúvida, ó diletíssimos, isto acontecerá se a fé não cessar de reinar em vossos
corações; se, em toda ocasião, vos conservais dóceis aos cuidados maternos e
prescrições da Igreja, se pensardes, sempre que, um dia, de nada valerão os
aplausos do mundo, de nada servirá a proteção dos grandes, as riquezas
acumuladas, em prejuízo da caridade; mas que somente uma alma sem pecado, uma
consciência reta e justa diante de Deus, uma vida resignada e cheia de boas
obras terão direito à recompensa eterna (...)
A
vós, veneráveis irmãos, pupila dos nossos olhos e sustento de nossa fraqueza,
não faremos outra recomendação, senão esta: lede e meditai assiduamente, sem
nunca vos cansardes, tudo aquilo de que de comum acordo convosco, prescrevemos
no Sínodo, há pouco realizado, sendo nossa intenção que ele entre plenamente em
vigor em toda a diocese, no próximo dia 15 de outubro.
Quanto
mais conformardes vossa conduta, com este código, tanto mais santificareis a
vós mesmos e aos outros, e atraireis, sobre vós e sobre os outros as bênçãos de
Deus (...).
A
sagrada Visita Pastoral e a celebração do Sínodo, eis portanto, veneráveis
irmãos e diletíssimos filhos, dois graves e importantíssimos deveres de nosso
ministério Pastoral, com o auxílio de Deus, felizmente realizados. 11
“Sem nos
perdermos no passado, mas preparando o futuro.”
Mil
vezes obrigado, pela sua cortez e edificante carta. Parece-me que o Espírito Santo
lhe concedeu o senso de Cristo, para conhecer tão rápida e tão bem, o estado de
sua Diocese. - 212 -
O
clero, que vive isolado nas montanhas, em geral, é bom, sem pretensões,
devotado ao Bispo. Mais que da correção e de atos autoritários, necessita de
encorajamento e de impulsos amáveis para fazer o bem, segundo os tempos. Não
terá preocupações pelo seu clero.
Sim,
venerável co-irmão, é necessário, sem nos perdermos no passado, mas preparando
o futuro, despertar nas gerações jovens, o espírito cristão, meio arruinado, em
grande parte pelos adultos. Não será difícil, se Deus lhe conceder a graça de
fazer aquilo que pensa. A onda religiosa de espírito cristão, por meio dos
jovens cristãos recolhidos nos oratórios, poderá penetrar nas famílias. Estas
são sempre sensibilíssimas ao bem que se faz a seus filhos. Cuidar das crianças
e dos doentes, eis os dois meios, para ganhar todos para Deus. É o que repito
aos párocos da minha diocese. 12
“Instaurar
tudo, em Cristo.”
É
absolutamente necessário colocar Deus a
frente da sociedade; reconduzir os homens a Jesus Cristo, caminho, verdade e
vida; convocá-los à Igreja, mãe, mestra, tutora e defensora de todo o direito e
de toda autoridade legítima; é necessário educar cristãmente a juventude,
santificar a família, restabelecer a norma das prescrições e costumes cristãos,
o equilíbrio entre as diversas classes sociais, caminhar na profissão franca e
aberta da fé, exercitar-se em toda obra da caridade, sem nenhuma atenção para
consigo mesmo e vantagens terrenas; é necessário, em uma palavra, instaurar
tudo em Cristo. Este
é o remédio para os nossos males; nisto está o segredo da grandeza e da força
que garantem a paz e a prosperidade, quer nas famílias, como nas nações. 13
“Estarei
disposto até ao sacrifício da vida.”
Não
abuseis mais da bondade, paciência e longanimidade divina; não vos iludais
mais; sacudi-vos de vosso sono de morte, reentrai em vós mesmos, retomai à
consciência, reconciliai-vos com Deus. Esta é a oração de vosso pastor e pai
que, sinceramente vos ama. Tende, ó meus caros, piedade de vós mesmos; temei
que chegue o dia, no qual, para vossa extrema infelicidade, procurareis tempo
para a penitência, sem poder encontrá-lo. Se ouvirdes hoje a voz do Senhor, atendei-a
logo. Assusta-vos, talvez o número e a gravidade das culpas? Ou temeis que
Deus, tão ofendido por vós, não vos - 213 -
acolha
amorosamente? Ah! se eu, mísera criatura desprovido como sou de toda virtude,
agora tanto me consumo pelo desejo de vosso bem, que estou disposto ao
sacrifício da vida, para ver-vos retornar à casa do vosso Pai celeste, como não
anseia Ele apertar-vos ao peito, Ele que é o Deus bom, clemente e
misericordioso, Ele que nos declara não querer a morte do pecador, mas que se converta
e viva? Coragem, portanto! Vencei todo temor, ó caríssimos, e estai certos da
ajuda divina.
Tornando-vos outra vez, amigos de Deus, herdeiros
do paraíso, experimentareis, nesta vida a paz dos justos e, na outra a alegria
dos eleitos. 14
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