- 315 -
b) AS RAZÕES HISTÓRICAS DA
QUESTÃO ROMANA
“Está por
completar-se o XXV aniversário da ocupação de Roma.”
Está se completando, como sabeis, o XXV aniversário da ocupação de
Roma, acontecimento que trouxe à Itália tantos aborecimentos e continua sendo
motivo de tanto luto, no mundo católico. Quer-se celebrá-lo com festas
clamorosas, não obstante homens de provado bom senso político julgarem-nas
inoportunas.
Nós que somos católicos e
italianos consideramo-las desaconselháveis e perigosas, como desaconselhado e
perigoso é tudo aquilo semeia a discórdia, que fomenta a ira nas partes, que
torna sempre mais vivo e fatal o desentendimento entre a Igreja e o Estado que
divide as forças do nosso país.
Pensai que dor deve experimentar
o Papa! E nós não faremos nada para tomar esta dor menos amarga? Não somos nós
membros da grande família, da qual Ele é o Chefe? Não é Ele o pai das nossas
almas? Não é a ele que tudo devemos, na ordem espiritual? E mesma ordem
material, se o refletir, bem, de quantos benefícios não lhe somos devedores? Em
tantas confusões de idéias, em tantas convulsões da ordem social, ai de nós, se
não existisse o Papa.
Católicos e italianos,
não podemos, nem devemos permanecer espectadores indiferentes da guerra que se
declara a Ele, a Ele e aquilo que existe de mais glorioso, de mais nobre, de
maior na nossa pátria. Oh! é belo declarar-se por Ele, sofrer e combater com
Ele especialmente agora que esse papa se chama Leão XIII. - 316 -
Portanto, cerquemo-lo sempre
de maior afeto, e com aquilo que atualmente domina suas preocupações: é a união
de todos os povos a sua Cátedra, estabelecida por Deus, como centro da verdade
sobre a terra; cooperando nós também, para este santíssimo fim, prestando-lhe
nós, por primeiro, aquela obediência que Ele tem pleno direito, exatamente por
causa de sua suprema Autoridade e de seu Magistério infalível; obediência
pronta, alegre, generosa, obediência inspirada pelo amor e única digna das
grandes almas e dos corações nobres, obediência total, que une os fiéis a seu
pároco, os fiéis e o pároco ao seu Bispo, os fiéis, o pároco e o Bispo, ao
supremo Pastor. 9
“O horrível
delito.”
Falemos daquele horrível
delito, com o qual nossa pátria foi manchada naquela funesta noite de 13 de julho passado. Existe espírito bem
formado que, por este motivo, não se sinta encher de horror e ao mesmo tempo,
de vergonha?
Um grito de indignação
logo se elevou de cada ângulo da terra, de milhões de corações e também nós nos
sentimos no dever, como temos feito, de depositar aos pés do nosso Pai comum,
os nossos protestos, seja como bispo e como italiano, fazendo-nos intérpretes,
também de vossos sentimentos, ó veneráveis irmãos e queridos filhos, que tantas
provas de afeição sempre demonstrastes ao imortal Pio IX e ao seu digníssimo
sucessor.
Nós vos exortamos a não
querer, nisto, dar-vos sossego, mas antes estimular sempre mais em vós mesmos,
aquele espírito de ação e de sacrifício, de zelo e de coragem, tão necessários
em nossos dias, para defender os sacrossantos direitos da Igreja e de seu
augusto Chefe.
Não podemos nos iludir.
Um catolicismo especulativo e mental, uma religiosa neutralidade não bastam;
não mais são possíveis, na presente sociedade, na convivência atual. É
necessário sair do anonimato e manifestar-se abertamente e sinceramente
católicos. Por que tanto medo, tanto respeito humano? (...).
É necessidade, é dever de
cada um, opor à publicidade do mal, a fecunda, a salutar, a santa publicidade
do bem. 10 - 317 -
“Liberdade, só isto a Igreja pede.”
Todas
as formas de governo são acolhidas e abençoadas pela Igreja, desde a monarquia
absoluta, até a democracia mais aberta, pois são, por si mesmas igualmente
legítimas, porque sabe-se muito bem que a tranqüilidade dos estados e o
verdadeiro bem-estar dos povos dependem, não tanto das formas de governo,
quanto da qualidade dos homens chamados à aplicá-las; porque ela toma antes
depois o cidadão, e o considera antes nas mãos de Deus, que nas do Estado.
Peregrina
celeste, ela não só aceita todas as variedades civis e terrenas, mas abraça-as
e as acompanha, contanto que não impeçam o caminho para o céu. Ela não quer ser
árbitro nas vicissitudes próprias de toda a ordem social, mas prescreve que não
se ofendam as suas leis, que não se passe por cima do seu magistério, que não
creia poder fazer, sem Deus, porque sem Ele não existiria mais nada, senão o
poder do arbítrio e o império da força.
Ela usurparia mais ou menos os direitos do
poder político, se se entrometesse nos tipos de aliança que melhor possam
convir a um ou outro tipo de estado, nas instituições dos exércitos, das
trocas, dos impostos, das finanças, enfim, daquilo que se refere à economia, às
armas, às indústrias, ao comércio. Mas, se em todas as questões políticas,
econômicas, administrativas, a Igreja, o lado moral, julgar que as alianças
feitas para usurpar alguém ou para oprimir os fracos, são injustas; que o
partidarismo, o favoritismo e a corrupção no administrar a justiça é
iniqüidade, que ensinar os erros e as más doutrinas à juventude é traição; que
o comércio, a indústria, o trabalho, a propriedade sobrecarregada de excessivos
impostos é grave infortúnio para os povos, que o juramento falso e a rebelião
são horríveis delitos; que os trabalhos e comércio nos dias de festa são
escândalos abomináveis; que o chamado matrimônio civil sem o matrimônio
religioso é torpe concubinato; que o divórcio absoluto é nulo e abominável, e
assim para outras tantas enormidades, ela não faz senão ater-se ao campo estritamente
religioso, e nisto não ultrapassa, em nada, o seu direito; cumpre um seu
rigoroso dever (...).
Na verdade, a Igreja não é toda a ciência,
todo o progresso humano, toda política, mas tem sempre um germe, um sopro
fecundo de vida para todas as coisas humanas e quem a repudia, a vida (...).
Liberdade!
só isto ela pede, a liberdade com a qual a quer enriquecida, sobretudo, o seu
divino Esposo; aquela augusta liberdade que é sua filha natural, aquela
legítima e santa liberdade para a defesa - 318 -
da qual, milhões e milhões de
seus filhos não duvidaram dar o sangue e a vida. Sim, esta liberdade vos pede a
Igreja! A liberdade de seus altares e de suas festas, a liberdade de oferecer a
Deus o culto supremo que lhe é devido, não só no recinto das sagradas paredes,
mas também à luz do sol, a liberdade do ministério e da palavra evangélica,
isto é, a liberdade de ensinar, ao mundo, a verdade e a virtude e de vigiar
pela sua integridade e pureza; a liberdade da sagrada hierarquia, isto é, a
liberdade de vocação de seus levitas e da necessária relação dos Bispos com seu
Chefe Supremo; a liberdade de tender à perfeição e de viver a vida comum; a
liberdade de propriedade, isto é, a liberdade de possuir e de administrar
aquilo que recebe da generosidade dos fiéis, e que constitui seu legítimo
patrimônio; finalmente a grande, a fecunda liberdade do ensino e da educação
cristã. 11
“Liberdade
e independência do Romano Pontífice.”
Dizeis, finalmente, que
também vós quereis o bem-estar da pátria, mas que exatamente por isto não
podeis deixar de apressar com os desejos mais ardentes, a pronta reconciliação
do Estado com a Igreja e com seu Supremo Chefe, permanecendo sempre verdadeiro,
que os tempos de maior fé, já foram para a Itália os tempos de suas maiores glórias;
como permanecerá sempre verdade, que a liberdade e a independência da Itália
caminharam sempre juntas com a liberdade e a independência do Romano Pontífice.
12
Não existe Bispo que não
deplore amargamente as intoleráveis condições a que já tenha sido submetido o
Chefe augusto de trezentos milhões de católicos, e a Ele não se una, para
renovar os mais formais protestos contra os antigos e os modernos atentados,
não há Bispo que não proclame com Ele, ser impossível a prosperidade das coisas
públicas na Itália, até que não seja providenciada, como pede toda a razão, a
dignidade da Santa Sé Romana, a liberdade e independência do Romano Pontífice. 13
“A
independência italiana é um fato ordenado
pela divina
Providência.”
A independência italiana
é um fato não somente consagrado pela vontade dos homens e pelo curso fatal da
história, mas ordenado pela divina Providência. Não conheço Prelado que
conteste a legitimidade de tão solene - 319 -
advento,
da Nação italiana. Solucionai a questão romana e tereis um clero que será
modelo de devoção, para com as instituições da pátria (...). A Igreja nunca
condenou estes sentimentos. Ela na sua divina constituição e no equilíbrio
prodigioso que a governa, conservando-a aberta a todas as fontes de renovação
histórica que nela se acomodam e se disciplinam, não apenas seguiu passo a passo, toda a evolução da civilização, mas
foi a sua depositária imanente e o supremo baluarte (...). A Santa Sé é o
instituto a quem não se deve esconder a necessidade, a providencial beleza da
nação italiana reerguida e sabe-se muito bem que o direito nacional, expresso
pelos prebiscitos e com o domínio efetivo não é algo que possa facilmente
esconder ou anular. 14
“Igreja não
coloca seu amor nos tronos.”
A sua missão é conduzir
os homens à maior perfeição moral possível. Por isso todas as questões, nas
quais entra religião e moral pertencem necessariamente ao seu domínio: mas por
que isto? A Igreja, escreve um moderno apologista, serve-se também do trono
para sua necessária liberdade e independência, mas não colocou ainda o seu amor
nos tronos e nos seus pobres os seus direitos. Ela recebeu um mandato, muito
mais alto, que não é o dos poderes terrenos, um poder bem mais sagrado, que não
vem do trono. Ela distribuiu riquezas, tesouros, mas não terrestres, dispensa
diademas e coroas que são imarcescíveis e eternos, e dos bens terrenos, quer
somente aquilo que for necessário ou útil para promover, com liberdade
independência, a difusão dos bens celestes. 15
|