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c) AS VIAS DA CONCILIAÇÃO
“O Papa tem o direito à livre comunicação.”
A Igreja é o reino de Jesus Cristo; o Bispo
de Roma é o Monarca. Para cumprir seu mandato divino, deve governar a todos e tudo
dirigir livremente, para conservar a unidade da fé e do governo. O Pai nunca é
estranho para os seus filhos, em qualquer lugar em que se encontrem e em
qualquer grau elevado, é o Pastor lo rebanho, o Monarca para os seus súditos
(...). - 320 -
Portanto, aquele que se
opõe ao pastor de comunicar-se com os cordeiros e com as ovelhas, com os fiéis
e com os Bispos opõem-se a um direito divino: aquele que sustenta a necessidade
da aprovação secular, para que os decretos do Mestre de todos os po.vos, tenham
força e vigor, com os quais tutela a integridade do dogma e da moral, a
disciplina e toda a ação eclesiástica, que reflete o governo das almas,
perturba a ordem do governo da Igreja enerva o poder da Sé Apostólica, perturba
os fiéis e suas consciências, submete um direito divino a um poder humano e
anula a força do mesmo Primado. 16
“O Papa,
nós o queremos sobe ranamente livre.”
Entre os ensinamentos do Romano Pontífice declaramos amplamente que
reconhecemos e aderimos, especificamente, àqueles que se referem à sua
supremacia civil. O Papa, nós, o queremos poderoso, moralmente grande,
soberanamente livre. Ele é o único juiz da forma, da extensão e da quantidade
da liberdade que lhe é necessária para o governo da Igreja universal.
Nas atuais condições, não
existe outro meio para prover a sua autonomia, que a soberania efetiva e real.
Caso contrário, o Pontífice, no exercício de seus direitos primaciais, deverá
estar sujeito a uma outra autoridade, como a experiência destes últimos anos
tornou manifesto. 17
“O governo
tenha a coragem de enfrentar a questão.”
Seria necessário que o
governo da Itália fizesse um apelo diretamente à sabedoria e ao amor pátrio do santo Padre. Eu acredito
profundamente que o Pontífice acolheria o convite, talvez seria a maior alegria
de sua vida gloriosa. Ë absurdo supor que a Cúria Romana queira colocar a
Igreja, em condições de um dia dever se desculpar, por não ter sido salva a
Itália. Portanto, o governo tenha a coragem de enfrentar o terrível problema e todos
seremos felizes. 18
“Razões da
ordem altíssima, não dogma.”
O Santo Padre assegura que, para o bem da Itália, razões de ordem
altíssimas aconselham os católicos a não se aproximarem das urnas; - 321 -
embora não nos seja dado conhecer
estas razões, especificamente na inspirada interpretação da catedra de Pedro,
eu, Bispo sigo a mesma norma que foi ditada pelo chefe da Igreja (...).
Não
confundamos, Dogma, não; ninguém de nós aceitaríamos, sob outras palavras, semelhantes
conteúdos, na minha consciência sou senhor de discutir a oportunidade e a
eficácia da medida; tranqüilizo-me com a palavra papal, porque compreendo,
assim como compreendo em toda a minha vida episcopal, a estreita necessidade da
observância disciplinar, base da organização unitária inquebrantável da Igreja.
19
“A participação dos católicos às urnas
políticas.”
Peço,
Padre Santo, que nos ilumine a respeito de um assunto que estritamente se
relaciona com o bom governo da minha, bem como de todas as dioceses da Itália,
quero dizer: a participação católicos às urnas políticas.
Consideradas as novas leis eleitorais, é
lícito aos mesmos tal parrticipação?
Beatíssimo
Padre, confesso que desde muito estou fazendo a mim mesmo esta pergunta, e tendo
examinado diante de Deus, um por um, os argumentos que apresentam os prós e os
contras da referida questão, parece-me chegado o momento de tentar alguma
coisa, também neste sentido, mas não devo esquecer-me que bmpete unicamente a
vós decidir.
É por
isto que me sinto no dever de informar Vossa Santidade, que aqui na minha
diocese, todos, sem exceção, os proprietários (e são muitíssimos) os chefes de
negócios, de oficinas etc. já escreveram entre os eleitores, todos os seus
dependentes; isto é um forte motivo, para temer que o “non expedit” da Santa
Sé, sendo pouquíssimo observado, o seria menos ainda no futuro, em grandíssimo
detrimento das consciências e da mesma autoridade da Igreja.
Permiti-me,
portanto, uma nova pergunta: a mudança ocorrida atualmente na legislação
italiana a respeito das eleições políticas, não poderia, nos desígnios de Deus,
ser ordenada para justificar diante de todos, italianos e estrangeiros, bons ou
maus, a mudança da S. Sé a respeito de participação dos católicos às mesmas eleições?
20 - 322 -
“Fazer
prevalecer o candidato católico.”
Quanto ao assunto das
eleições, embora me tenha dito que, depois de muito hesitar, havia decidido
manter “non expedit”, eu todavia não me assustei por isso, e propus uma questão
à Sagrada Congregação da Penitência, na qual pedia se, dado o caso, particular
não infreqüente, que se encontrem à frente de um dado colégio eleitoral vários
candidatos, entre os quais alguns notadamente católicos, dispostos a defenderem
dentro de suas possibilidades a causa da Igreja, os outros mais ou menos hostis
à mesma, poder-se-ia aprovar, ou ao menos tolerar que os eleitores bem
afeiçoados àreligião interviessem, com plena tranqüilidade de consciência, às
eleições, com o fim de fazer prevalecer o candidato católico? A questão,
acompanhada de uma longa carta, que vos comunicarei em seguida, não foi mal
recebida e ontem à tarde fui chamado e foi-me respondido oralmente, que nestes
casos com as devidas reservas, deixasse fazer, escrevendo depois ao Cardeal Penitenciário,
para conseguir que fosse permitido ao católico eleito fazer parte do
Parlamento. Penso que se outros bispos fizessem ao Cardeal Penitenciário a
mesma consulta, receberia a mesma resposta. Isto significa que, apesar de
pouco, alguma coisa se conseguirá e o que vos posso assegurar é que os nossos
escritos sobre isto foram muito apreciados e o Santo Padre ficou muito
contente. 21
“Sacrificar
a lei divina ao ‘non expedit’?”
Não quero aborrecer a Vossa
Santidade, repetindo a mesma coisa. Vós conheceis as minhas idéias a respeito
de eleições políticas e Deus conhece a pureza das minhas intenções.
A este propósito, nos primeiros dias do mês passado permiti-me
enviar-vos uma carta, propondo-vos duas questões já apresentadas por mim, de
acordo com outros Bispos, ao Emo. Bilio, de santa memória, e pedindo-lhe se das
respostas favoráveis tidas então, do mesmo Emo., poderia valer-me nas eleições
próximas passadas. O ótimo Mons. Bocalli, em nome de Vossa Santidade,
respondia-me assim:
“Como em 1882, assim
também agora, Vossa Senhoria poderá valer-se das respostas particulares da S.
Penitenciária sobre diversas questões então levantadas por Vossa Senhoria a
essa Congregação etc...” - 323 -
Beatíssimo padre,
valho-me exatamente de tal resposta, nos particulares que se me apresentam. E
como poderia não valer-me?
Neste
colégio eleitoral de Placência tinham tido propostas, pelo partido radical,
como candidatos a deputados, homens notadamente hostis ao Papa e à Igreja,
homens que há vários anos estão desgraçando a cidade e os principais povoados
com discursos ímpios e blasfemos, em tudo o que dizem. Acreditando ter já
corrompido esta minha população, desta vez se apresentaram com um ama dos mais
irreligiosos e subversivos.
Seria
maravilha que os bons se alarmassem?
Se
eles conseguissem se eleger e se tornassem os senhores absolutos do campo e
continuassem assim a demolir entre nós todo o principio de autoridade, desviar
os fiéis de seus pastores, a espalhar todo o tipo de erros contra a fé, que
seria, a curto prazo, da Igreja Placentina?
Assim
se perguntaram os mais piedosos e iluminados do clero e do laicato, em muitos
dos quais surgiu naturalmente a dúvida se talvez no nosso caso particular
dever-se-ia ir às umas, exatamente, com o fim de impedir que os candidatos
acima referidos conseguissem, tanto mais que alguns do partido contrário
ofereciam, também por declarações pedidas a eles, garantias bastante seguras de
suas boas disposições em favor da causa católica.
As coisas estão assim, ó Beatíssimo Padre:
poderia eu, em consciência, ficar tranqüilo? poderia o espírito do Pastor não
se comover, à vista do lobo que ameaça invadir o seu rebanho? Contudo, verdade
Padre Santo! Fazendo-me violência a mim mesmo, sacrificando, não sem remorso, a
lei divina ao “non expedit” mantive o mais absoluto silêncio. Apenas, como
disse acima, procurei valer-me da resposta, tão lógica, de Dom Bocalli, nos
casos particulaque que se me apresentaram.
Alguns
distintos católicos, antes que eu partisse para a visita pastoral (bem
conhecida por Vossa Santidade) me mantive longe da cidade, ou melhor, da
Província de Placência, de 7 de maio a 8 de iunho do corrente, vieram
interpelar-me particularmente, convencidos como estavam da necessidade de
acorrerem às urnas, se poderiam fazê-lo, com tranqüilidade de consciência. Eu,
considerando exatamente as circunstâncias locais, mas também as razões
colocadas por outros, da família, do emprego etc., limitei-me a responder
individualmente e em modo particular, que acorrer às urnas não era de per si
ilícito, que porém existia o “non expedit”, portanto, eu não aconselhava a dar
o voto nem os desaconselhava. Fizessem aquilo que a consciência lhes ditasse
como melhor lhes parecesse. - 324 -
Podia eu, como pastor de
almas, como Bispo, como diretor de consciência responder diversamente? ou então
poderia dizer não? 22
“A
afluência dos italianos às urnas políticas.”
Estavamos convencidos de
que a afluência dos italianos às urnas políticas, bem dirigida e disciplinada,
daria à Câmara Legislativa, um contingente de deputados católicos que, com o
tempo, seria também reforçado e que embora numericamente inferior,
representaria, moralmente, a maioria da propriedade, da honestidade e da
influência sobre algumas classes sociais. Portanto, a probabilidade de impedir
a apresentação ou a aprovação de leis contrárias à Igreja, e a esperança de
fazer abolir ou anular as já existentes.
Conforta-nos, em tal
convicção, o exemplo da Bélgica, e do Centro, na Prússia. Nestes lugares a luta
dos católicos acabaram por triunfar. Aqui, se até agora foram conseguidos
parciais melhoramentos, não se deve desesperar que o futuro coroe os esforços e
as esperanças daquela invicta fileira dos Landtag e dos Reichstag.
Por outra parte, os
nossos entendimentos eram comuns com personagens sem exceção, informado somente
pelo desejo de tomar úteis à religião e à patria, os espíritos mais escolhidos,
os cientistas mais distintos, os administradores mais capazes, que militam nas
fileiras dos católicos.
Mas quando nos fizeram
compreender que, por motivos de altíssima ordem, as únicas eleições às quais,
no momento, os católicos pudessem participar, eram as municipais, nós nos
inclinamos reverentes àquelas soberanas palavras, e nos retiramos da discussão
de uma hipótese que não era tida como possível.
Entretanto, às urnas
municipais atuamos, com ajuda constante e laboriosa, aplicando-nos a colocar
nos conselhos comunais, ao menos em grande parte, aqueles cidadãos cuja fé
religiosa fosse incontestável, ou ao menos apresentassem seguras garantias de
não atacá-la. Nem sempre os nossos eleitos puderam impedir o mal, mas
freqüentemente conseguiram atenuá-lo, pelo menos nas suas conseqüências. E,
certamente, as gerações presentes e futuras devem ser-lhes reconhecidas, por
terem conseguido conservar a instrução religiosa nas escolas elementares. 23 - 325 -
“Ter os
nossos legítimos representantes nas Câmaras.”
Em resposta à sua gentilíssima
de 29 de novembro pp. tenho o prazer de notificá-lo de que, como deseja, eu já
o fiz através de todas as obras pias que presido e me interessei para que os
presidentes de obras façam o mesmo.
Devo acrescentar que
apesar de tudo isto, não tenho nenhuma esperança de êxito; enquanto não
tivermos os nossos legítimos representantes nas Câmaras, os nossos esforços
serão buraco n’água.
É certo que todo o
católico deve respeitar as altíssimas razões que impedem a participação à vida
pública, mas não existe homem de bom-senso que não deplore, do profundo do
coração, a existência daquelas altíssimas razões que mantêm inativos, estes
preciosos elementos, melhores aqui na Itália que em qualquer outro lugar. Em
todo caso, trabalhamos, senão por outro motivo, para termos o testemunho
animador da consciência, de ter feito o que nos possível. 24
“Razões de
oportunidade e razões de substância.”
Ontem à tarde, tive com
nosso muito amado S. Padre a audiência de despedida (...). O tema das eleições foi
abordado duas vezes. Ele me falou de suas razões de oportunidade e eu de minhas
de substância. Parece-me ter-lhe impressionado a idéia de que a dissensão de
Bolonha subsistirá até que venha eliminado o “non expedit”. A bem da verdade,
parece-me que o S. Padre não está bem decidido sobre o que fazer, mas antes
propenso à abolição, em um tempo não muito próximo. Eu concluí: Beatíssimo
serei feliz se me prometerdes colocar vossa atenção, não sobre razões de
oportunidade mutáveis de um dia para outro, mas sobre a substância da questão.
E ele: Sim, prometo-vos. E dizendo isto, abracou-me muito comovido e eu, mais
comovido, parti. 25
“Preferimos
a política dinâmica à política estática.”
Talvez seja
conforme aos deveres de católicos e de cidadão deixar que tudo, religião,
moral, pátria acabem em confusão, antes que estender a mão piedosa e impedir a
perda das almas, a corrupção de uma parte da - 326 -
da
juventude, a aprovação de qualquer lei contraditória à religião? Talvez, a
organização política seja superior aos direitos da religião, ou os interesses
daquela devem subordinar-se aos supremos direitos desta? Coisa fácil e muito
cômoda é sentar-se na política
passiva da inércia e a expectativa de cataclismas que, com a lei histórica
desconhecida pelos sábios, desvie o mundo, para as épocas pré-históricas. Este
sistema provavelmente deverá esperar até o dia do cataclisma mundial, que será
seguido da grande restauração ou renascimento. De nossa parte preferimos a
política dinâmica à estática, que nos possibilite tornar cristã, do melhor modo
possível, a sociedade moderna e ter evitado males maiores que ameaçam a
humanidade, estamos persuadidos de ter bem merecido da Igreja e da pátria. 26
“Toda
lentidão chega à meta.”
E a conciliação?
parece-me que avança lenta, lenta, mas inexorável com o fato, e então? terá
razão quem estava errado? Faça-se, Faça-se. 27
O caminho das idéias é de
uma lentidão desesperadora, sobretudo quando se chocam interesses e paixões,
mas é contínuo, quando as idéias propostas são justas e de verdadeira
utilidade. Insistamos, portanto, para que toda a lentidão chegue à meta com a
condição de que o cansaço não vença quem se fez apregoador. 28
O meu Instituto, que surgiu admiravelmente, por maravilhosa harmonia
de sentimentos religiosos e patrióticos, viria falhar em parte, quanto ao seu
fim e não poderia superar os inúmeros obstáculos que se interpõem, nem
satisfazer às suas múltiplas necessidades, morais e materiais, sem a ajuda
harmoniosa de todos os bons. É por isto, meu bom amigo, que eu chamo sua
atenção, e por seu intermédio, a do Governo e de todos aqueles que se
interessam pelo bem público, sobre a obra, cara ao meu coração, não só porque
ela encontrou um meio eficaz para cumprir os meus deveres episcopais para com
tantos infelizes, mas também, porque religião e pátria se dão as mãos e isto é,
no meu entender, um meio prático, um início daquela pacificação das
consciências, que ésempre um dos mais ardentes desejos da minha alma. 29
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