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b) REALISMO E COERÊNCIA
“São
necessários fatos.”
A vossa carta tão
esperada, de 1º do corrente,
encontrou-me muito longe de Placência, onde estava em visita pastoral, único
conforto de nosso pesado ministério, porque pode-se por alguns momentos, esquecer
a penosa situação da Igreja e da sociedade, à vista de uma fé viva, que não
parece possível em nossos dias.
Alegro-me convosco e
participo de coração de vossas consolações, mas sabeis que eu não levo muito a
sério documentos, muito menos as belas palavras. São necessários fatos públicos
e solenes. Aquela gente comprometeu religião, episcopado, S. Sé, diante de
almas sérias, não partidárias, e por tanto é urgente e de extrema necessidade,
que todos saibam que não existe nenhuma missão, que não seja aprovada nos seus
insipientes e escandalosos exageros. 6 - 331 -
“Já não
creio, senão em fatos realizados.”
Se fizesse caso dos
cumprimentos que me fizeram, também de
lá de baixo, depois do meu retorno de Roma, deveria acreditar em muitas coisas
belas; mas que quereis? Já não acredito senão em fatos realizados. Li que os
homens de talento, ordinariamente são muito ingênuos; uma vez também eu deveria
ter qualquer talento, porque facilmente prestava fé, mas agora devo tê-lo gasto
inteiramente, porque sou quase cético, salva fé a qual, por graça de Deus, me
ilumina e me alegra vivamente o espírito, muitas vezes conturbado, diante de
tanta maldade. E vós, caro amigo, como vos encontrais neste caso? Já tendes
muito talento e por mais que percais, tendes uma suficiente dose de boa fé e de
sábia ingenuidade que forma o decoro de vossa austera pessoa. 7
“Política
de pequenos expedientes.”
Respondo logo à vossa de
hoje, agradecendo-vos muito, pelas boas notícias que me repetis: portanto
procurarei colocar em prática e acreditar na esperança contra toda esperança,
embora nao tenha nenhuma confiança na política dos pequenos expedientes, que
dominam lá em baixo, e também, temo sofrer desilusões, sempre amargas. Espero
reformular os meus julgamentos, um pouco céticos, depois de ter ouvido muito. 8
“Política do Evangelho.”
Aquilo que me dizeis
trouxe-me sofrimento, mas não surpresa. Quando o homem se regula, em tudo, conforme
a política humana e não conforme a política do evangelho; quando, com a mesma
facilidade se diz e se desdiz, se faz e se desfaz, se louva e se critica ao
mesmo tempo, quando se dá maior peso aos faciosos clamores de particulares
escândalos, antes aos solenes testemunhos dos Bispos, animados unicamente, pelo
desejo do bem, quando os mesmos atos mais solenes dos bispos são considerados
como atos de crianças inconscientes, caríssimo, o que não é possível?
Porém, devemos
confortar-nos por termos em
Leão XIII tal papa, que certamente saberá conservar alto o
prestígio da sua e da nossa autoridade, e certamente não
permitirá sejam com o fato, anuladas as suas sábias prescrições particulares e
públicas, a este respeito. É muito esclarecido. - 332 -
As artes de certa gente
não podem vencê-lo. Ele vencerá a todos, disto estou certo. Recordo-me muito
bem o que me disse oralmente, a propósito. Portanto, apoiado na sua palavra vos
posso garantir que apenas lhe for possível, remediará os males gravíssimos da alta
Itália. Oh, faça-se, faça-se! Então sim, poderemos verdadeiramente gritar:
venceu o leão da tribo de Judá. 9
“Vossa obra
é abençoada por Deus, e basta.”
Aquilo que me confiaste com
a vossa de 18 do corrente, trouxe-me viva dor, primeiro por vós, que eu tanto
amo, depois pela chaga da qual é o sintoma; é coisa que verdadeiramente tortura
a alma, ver as obras mais santas hostilizadas, por aqueles que se vangloriam de
ser defensores da fé.
Caro Pe. José, sois ainda
jovem, preparai-vos a ver coisas piores. Conheço o mundo e sei o que digo.
Convenço-me sempre mais que é necessário fazer o bem pelo bem, só pelo amor de
Deus, eu, sem buscar a aprovação dos homens, nem se preocupar com sua
desaprovação. É o único modo de conseguir sucesso nas empresas, crede. Eu
espero o bem da vossa obra, exatamente, porque contrariada (...). A vossa obra é abençoada por Deus, e
basta. Triunfará apesar do que disserem, ou fizerem. 10
“O
conhecimento prático dos homens e das coisas”.
Há dias o meu Vigário
Geral, em viagem pela Itália, teve uma audiência particular com o S. Padre, que
lhe perguntou como desvelo, por mim e pela minha saúde, externando desejo de conversar comigo, sobre uma consulta bem
pensada que me fez; poderíeis escrever-lhe que venha, se lhe for possível. Mas
assegurado pelo meu Vigário Geral, que eu iria a Roma no final do mês, con pois
bem, acrescentou-lhe o Papa, se me garantis isto, não lhe escrevais.
Que dizeis, caro amigo? Teria coragem de convidar
um Bispo a fazer uma viagem até Roma, para dizer-lhe que mantém o “nori
expedit”? Ou talvez quer mudar a direção e o Papa deseja algum esclarecimento?
O bom senso me inclina, para a segunda parte, mas a experiência, o conhecimento
prático dos homens e das coisas atuais, não me deixam esperar nada. - 333 -
Levo
comigo dois grossos volumes de documentos, um verdadeiro arsenal de armas
poderosíssimas, mas se depois desse esforço gigantesco, para fazer reentrar as
questões religiosas, políticas, filosóficas, já que desejo ocupar-me de todas,
com o S. Padre, nos justos limites, não conseguir nada, o que é provável,
então, chorando os males da Igreja, dar-me-ei inteiramente à oração e ao
exercício do sagrado ministério, fazendo aquilo que julgar oportuno bem das
almas e não procurando, senão preparar-me para a morte e, combatendo
fortemente, os conhecidos inimigos da paz, da caridade e da religião. 11
“As idéias
caminham.., deixai-as caminhar.”
Vós apresentais certas idéias
fradescas. . . Sei bem que brincais!
Mas que celas do Egito!
Vá sepultar-se nelas quem é causa de perda
de tantas almas, não um Bispo como vós que falou, escreveu, fez tanto
para impedi-la.
Deus vos colocou no campo
de batalha e é necessário permanecer ali,
também se chovessem de todos os lados as balas inimigas. Sois um ferido
glorioso. De resto, as idéias caminham... São idéias de verdade, de caridade,
de paz. Afastai-vos e deixai-as caminhar. A vitória não pode falhar e vós
podereis dizer que lhe abristes a estrada. 12
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