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d) A AMIZADE
“Tudo o que
é meu, é teu.”
O ar, a calma, a visita,
os passeios livres e sem preocupação aproveitariam a mim e também a vós. Vamos;
não vos deixeis vencer pelos obstáculos. Todas as minhas coisas são vossas, e
sabeis que eu vos amo, não só como coirmão, mas como um irmão muito temo. 22
A carta que me escrevestes de Milão, tão bela e terna, não sei por que
distração ficou junto a uma correspondência que apresentei ao Papa o qual,
lendo tudo, leu também a vossa carta, que não lhe causou impressão
desagradável, embora muito forte. Na segunda audiência falou-me da
correspondência e da mesma carta e como temia que qualquer frase o tivesse
ferido, tomei a palavra dizendo-lhe: “Santo Padre, vós tendes em Dom Bonomelli um
Bispo verdadeiramente douto, zelosíssimo e totalmente consagrado ao bem da
religião, não só, mas um filho devotíssimo e afeiçoadíssimo, que fala
sinceramente quando lhe parece verdadeiro, conservando sempre profundíssima
submissão a Vós...”
Oh, sim, interrompe Ele, conheço bem Dom Bonomelli! e aqui parou para
fazer elogios à vossa piedade e doutrina, ao vosso zelo etc. O que isto me
alegrou podeis imaginar. 23
Não quis escrever nestes
dias para respeitar a vossa dor filial que senti no íntimo do coração, como se
se tratasse do meu pai. Tudo o que vos pertence toca-me vivamente, e celebrando
a S. Missa, em sufrágio de vosso pai, que cada dia recordo no altar, nunca me
esqueço de rezar por vós o que fareis vós também por mim, pobrezinho, que sinto
grande necessidade. 24
Nestes dois anos nos
escrevemos tantas cartas, que já não se sabe mais o que dizer. Sabeis quantas
das vossas eu tenho? 62, sim digo, sessenta e duas; uma mais bela que a outra e
todas coordenadas, como os tubos de um órgão, um pouco monótono, dizendo a
verdade, porque é quase sempre a mesma nota que é tocada. 25
O fogo da nossa amizade é tão vasto que nem os rios podem apagá-lo:
a lenha com que se nutre foi acumulada em tamanha quantidade nestes anos, e é
de tal qualidade, que ao menos, por um século, tem com que nutrir-se e mandar a
mais bela chama do mundo. Porém, fazeis bem em despertar-me, - 343 -
já que eu trato os meus amigos muito
mais à vontade. Algumas vezes tenho um pouco de remorso; meu secretário de
tanto em tanto me pergunta: escreveu para Cremona? Certo que preciso escrever,
escreverei e no entanto passam-se os dias, as semanas, e os meses... Portanto,
tende um pouco de paciência. De resto quando não escrevo dizei, sem medo de
errar: aquele pobre homem de Placência está tomado pela febre da atividade,
convém perdoar-lhe o aparente descuido do seu amigo mais querido. 26
Escrevo-vos duas linhas
para desejar-vos felicíssimas santas festas, plenas das mais escolhidas
bênçãos. Os votos são para muitos um cumprimento, um ato de conveniência, mas
os que faço são uma necessidade do coração, uma expressão da altíssima estima,
da profunda e reverente amizade, de inalterável união. 27
Pensai em tudo o que
existe de belo, de bom, de terno, de sincero,e subentendei-o como expressão do
meu espírito para convosco.
Deus vos acompanhe, vos
assista, vos abençoe e satisfaça os vossos desejos, que são também os meus. 28
Ficai tranqüilo. A fase
que começa é dolorosa sim, mas cheia de luz.
Deixemos a Providência
agir. Quanto a mim, é inútil dizer-vos, que farei por vós aquilo que não faria
a mim mesmo. Aborrece aquela perturbação que é natural, em semelhantes
circunstâncias, mas antes de tudo, justiça e verdade. 29
Os primeiros e melhores
votos do meu coração pelas santas festas natalícias são para vós a metade da
minha alma. As nossas almas estão unidas com misteriosos vínculos e mesmo de longe,
se comunicam e se entendem sempre.
Já compreendestes quanto
vos sou reconhecido, pelo dom do vooso precioso livrinho. De saúde estou
perfeitamente bem, sarei quase por encanto, de tal forma que já retomei a minha
vida habitual, tendo presentes, porém, as recomendações dos amigos, em primeiro
lugar as vossas.
Senhor vos conceda
próspera saúde, longuíssima vida, a mais desejada prosperidade, triunfos
diplomáticos de primeira qualidade em grande quantidade. 30
Ter contribuído, embora
com insignificância, às esplêndidas festas do vosso jubileu, foi para mim uma
das maiores satisfações, mas vós quisestes, - 344 -
desta
vez, fazê-la principalmente, com um dom verdadeiramente magnífico. Isso me é
duplamente caro, seja porque é dom vosso, seja porque é recordação de um dos
dias mais belos da vossa vida e também da minha.
Agradeço-vos comovido, do
íntimo do coração.31
Se estes dias do ano
passado, como bondosamente dizeis, eu fui todo para vós, podeis estar seguro de
que todo para vós eu sou e serei também no futuro, mesmo quando certos enganos
práticos não me agradam. 32
“As almas
não conhecem distâncias.”
Tudo bem, damos e pedimos
desculpas mutuamente; mas também isto não é justo, porque eu não tenho
necessidade de qualquer desculpa, por não ter ainda agradecido, como faço
cordjal mente agora, pelo presente e pelos cumprimentos, pelos meus 25 anos de
consagração episcopal.
Digo qualquer desculpa,
porque entre espíritos unidos, como somos nós, na caridade de Jesus Cristo,
muitas coisas devem ser subentendidas e eu as subentendo facilmente, e assim
deve ser também contigo.
As almas não conhecem
distâncias, têm pouca necessidade de cartas, já que, mesmo sem falar, elas se
falam, se entendem e se ajudam.33
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