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e) O AMOR PELO BELO
“Conservem-se
as obras de valor artístico.”
Em nossa Diocese existem Igrejas e oratórios de
antiquíssima valiosa construção, quadros, pinturas e adornos, com belíssimos afrescos;
monumentos preciosos que devem ser conservados, de fato, com máximo cuidado,
mas que, ao contrário sofreram graves danos, seja por falta dos necessários
consertos, seja pela ampliação ou restaurações feitas por pessoas
incompetentes. - 345 -
Portanto, a fim de
impedir novos estragos em tais edifícios, enquanto se recomenda aos mui
reverendos Párocos e às Comissões Fabriqueiras, de nada omitirem para a
diligente conservação dos mesmos, ordena-se-lhes com a presente, que de agora
em diante, sendo necessário fazer inovações relevantes, peçam antes o
consentimento do Ordinário Diocesano, que não consentirá, senão após o parecer
de artistas que conheçam com certeza, que os trabalhos a serem executados não
danificarão a estrutura arquitetônica do templo, nem as pinturas valiosas que
possam conter.
Recordem-se, outrossim, que os objetos de arte existentes nas Igrejas
ou nos Estabelecimentos Eclesiásticos, entram com as das alfaias a fazer parte
do patrimônio eclesial e por isso ninguém pode licitamente vender ou alienar
tais objetos, sem antes ter obtido especial permissão do Ordinário Diocesano,
sob pena de censura eclesiástica.
Faz-se fervoroso apelo a
quem de dever, para que com todo o cuidado, conserve as obras artísticas e
proiba-se rigorosamente que sob qualquer pretexto alienem, transportem para
outro lugar estes gloriosos testemunhos da piedade e da grandeza dos nossos
pais. 34
“Aumentar
decoro à religião, mas também à arte.”
A festa do meu glorioso
antecessor Savino (...), oferece-me
favorável ocasião para chamar vossa atenção, Mui Reverendíssimo Senhor Pároco,
a respeito da célebre Cripta desta sua Igreja, que se está deteriorando, a fim
de que procure, com a atividade do seu zelo, encontrar o modo de restituí-la ao
culto e assim aumentar o decoro, não só da religião, mas à arte, de que esta
Cripta é preciosíssimo monumento.
Aquele subterrâneo é um monumento prociosíssimo, digno de ser reaberto
ao público, ao menos de ser subtraído à completa decadência, a que está
ameaçado. Por isso, seria necessário, como o senhor vê, preservá-lo da umidade,
trazer-lhe ar e luz e impedir que se desconjuntem ainda mais as pedrinhas do
célebre mosaico, que se vê no chão (...).
Não tenho palavras
suficientes para exprimir-lhe, Senhor Cura, o interesse que esta Basílica me
inspira.
Quando, há meses, Deus
nos consolava com o reencontro dos veneráveis ossos de S. Savino, circundando
pelas pequenas, mas antiquíssimas urnas, que continham as relíquias dos
mártires e dos apóstolos, que para
colocá-las o mesmo S. Savino, tinha
ereto a basílica dos - 346 -
Apóstolos
em Le Mose;
quando encontrei na mesma sepultura do Santo Bispo a ampola com a inscrição:
sangue de Santo Antonino Mártir, experimentei, dentro de mim, um suavíssimo e
misterioso sentimento de admiração e de alegria (...).
Que ocasião melhor e mais propícia para restituir ao culto a Cripta,
onde o glorioso Patrono repousou por tantos séculos, circundado por tantos
tesouros!
Não duvido, senhor
Pároco, que em uma cidade tão culta e tão gentil como a nossa, a quem
interessam tão vivamente as coisas da pátria, não faltarão estímulos, conselhos
e ajuda, especialmente da parte daqueles a quem for confiada a nobilíssima
tarefa de velar pela conservação dos monumentos públicos.
Digo-lhe francamente o
meu parecer. Seria verdadeira desonra para nós e para todos deixar
deteriorar-se uma jóia tão preciosa como a que possuímos e à qual estão ligadas
lembranças tão caras à religião e à pátria.35
“A catedral
é a casa de Deus e a casa de todos.”
A catedral é a casa de Deus e a casa de todos. Ela constitui o
orgulho e a glória da nossa cidade, como constituiu o orgulho e a glória de
nossos pais, que depois de tê-las planejado, com sublime impulso de fé e de
orgulho cívico, prodigalizaram tesouros para erigi-la, conservá-la e
embelezá-la, embora, repito, não sempre inspirado pelo severo gosto, pela arte,
que tinham pensado.
A catedral é o compêndio da vida da cidade. Partiam daqui as insígnias
da nossa Câmara, aqui retornavam vencedores ou vencidos, para agradecer a Deus
as vitórias, ou para buscar novas forças na desgraça; aqui surgiram os Bispos
defensores e vingadores dos direitos comuns; aqui, há nove séculos, os povos da
cidade, dos campos placentinos escutam a palavra de seus Pastores e recebem
deles a bênção; aqui mais freqüente e solenemente que em outras partes, se
eleva ao céu o hino de júbilo e a oracão expiadora, aqui entre os arcos e as
colunas, como entre os braços da mãe, nos sentimos todos duplamente irmãos.
Eu não saberia conceber
uma cidade italiana sem a sua Catedral; pior, uma cidade, tendo uma bela e
majestosa, a deixasse no abandono, lenta, mas segura, presa do tempo, pois
significaria que aquela cidade nunca foi viva na história e que nela apagou-se
toda a chama daquele vigor religioso e civil, que inflamava nossos pais. - 347 -
De Placência não se pode
dizer a primeira coisa e não se dirá a segunda. A sua história é tão nobre,
quanto antiga e o seu culto pela arte e pelas memórias patrióticas é esculpido
perenemente nos seus monumentos e nos muitos escritos valiosos dos placentinos,
que colocaram neles todo o engenho para ilustrá-los. 36
“A arte,
filha da natureza, é a neta de Deus.”
De acordo comigo, tendes
estabelecido que esta amostra tivesse lugar neste templo magnífico, como a significar
que a arte deve estar no lugar sagrado, como em casa própria, porque ali nasceu
e cresceu.
Se a religião é filha
predileta de Deus, a arte está inteiramente ligada a Ele. A arte, segundo a
belíssima expressão de Alighieri, como filha da natureza, é neta de Deus; não
sem profunda razão uma obra de arte, quando alcança os supremos ideais
artísticos, na linguagem comum, chama-se divina. A arte que não se irradia da
luz de Deus, não é arte, não representa o belo, que é esplendor da verdade.
Assim pensava o mesmo
Alighieri, quando com mente divina escrevia: não é luz se não vem da calma, que
não se agita nunca... Rafael Sanzio, em um momento de sublime inspiração,
pintou os pés da nossa admirável Nossa Senhora de S. Sisto, ai de mim não mais
nossa, aquele anjinho que saindo de uma pequena nuvem, como criança debruçada
na varanda, com um belíssimo rosto voltado para o alto, está imóvel e pensativo
contemplando o céu.
A estupenda criação também faz entrever maravilhosamente, a verdade,
que nesta propícia ocasião tenho o prazer de recordar-vos: a arte, para ser
verdadeira, deve manter os olhos sempre voltados para o sol da beleza eterna,
infinita. Semelhante àquele anjo, a arte, apoiando sobre a matéria, purificada
por ela, e tornada leve como o branco véu da nuvem, olha arrebatada o céu, e ao
céu eleva os pensamentos e os afetos do homem, mestra das virtudes, fautriz
poderosa da civilização e da ordem, inspiradora de cândidos e mansos costumes,
anjo que nos caminhos do belo guia as almas para a fonte dos mais puros e
sublimes ideais. 37 - 348 -
“A marca de
Deus.”
Ó mães! Falemos de Deus
aos nossos filhos, aproveitando de tudo aquilo que possa impressioná-los.
Falemos de Deus aos
filhos, no silêncio contemplativo de uma noite serena, em meio ao fragor do
trovão e nas costas solitárias do mar.
Falemos-lhes de Deus,
quando, no fim de um dia de outono, vemos pelos interpostos vapores, através de
um véu sutil aparecerem as colinas, os bosques, os vales e todos os objetos, ao
reflexo daquela melancólica luz tomam várias cores e muitas formas.
E quando à tarde, ao som
dos sinos, o longínquo barulho das águas que caem e o murmúrio das folhas,
docemente nos convidam à melancolia, falemos-lhes de Deus.
E se percebemos suas mentes
se comoverem e se enternecerem diante dos prodígios da arte, das melodias da
música, ao ouvirem qualquer fato glorioso, qualquer prova de outra virtude, não
deixemos de falar de Deus!
Mostremos-lhes em todas
as coisas, a marca da sua bondade, da sua grandeza, da sua onipotência. E da
harmonia, que une as várias partes do universo, façamos-lhes deduzir a
obrigação imposta ao homem de viver, em harmonia com o fim, para o qual foi
criado (...).
Recordai-vos, porém, que
no cristianismo, o verdadeiro culto não se limita a um sentimento vago, mas se
manifesta e se mantém com as práticas exteriores.
Deveis, portanto,
preceder-lhes com o exemplo, no exercício de toda boa obra. 38
“A música é
uma arte divina.”
Não é somente o homem que
da cátedra fala de Deus ao homem; mas tudo que neste universo se agita, se vê,
se toca e se ouve, tem uma missão divina e sobrenatural, para elevar-nos ao
conhecimento e ao amor das coisas celestes. O que fazia S. Leão exclamar: O que
existe no mundo que não sirva de instrumento para a eterna verdade? “Existe
alguma coisa, pela qual Deus não nos fala?
E mais ainda, as belas
artes, criação e obra do gênio do homem, nos revelam a Eterna Beleza, de onde
extraem os seus ideais e despertam os seus triunfos. Mais que todas, a música,
que o cristianismo levantou e fez dela uma alavanca poderosa, para elevou as
almas amáveis a Deus, transportando-as às regiões do infinito. - 349 -
A música é uma arte divina, porque Deus é uma melodia eterna entre
as três Pessoas da adorável Trindade. Cada nota, cada acorde de música é um eco
da harmonia cósmica, que parece ter a sua nascente no céu e na eternidade. Ela
recolhe os impulsos, as palpitações, as aspirações, as alegrias e as dores das
almas e as propõe, interpreta-as, torna-as sensíveis, reassume-as em forma
etérea. Os delírios da vitória e as vergonhas da derrota, as explosões da
cólera e a ternura do amor, os gemidos dos infelizes e as exultações dos venturosos,
as lágrimas das coisas e o grito dos abandonados, a música tudo assume e
exprime em linguagem inefável e puríssima. 39
“Vivendo a
vida dos Santos, harmoniosamente.”
Olhai este órgão: é a imagem da vida cristã, como Deus a constituiu. No
órgão existem mil sons diferentes. Cada tubo tem a sua forma, cada lingueta tem
o seu timbre, cada abertura a sua grandeza, cada jogo a sua variação e quando
se move tudo com um principio inteligente, resultam maravilhosos acordes.
Assim, cada um de nós temos
a nossa vocação, o nosso cárater, os nossos deveres; cumpramo-los, segundo o
querer de Deus e todas as nossas obras formarão uma celeste harmonia, que nos
tornará alegres de graças supremas.
O universo inteiro a isto nos convida; ele é uma harmonia infinita, uma
concórdia e será assim, quando estivermos em paz perene. Seja nossa alma uma
harmonia viva com Deus, com os irmãos, conosco mesmos, vivendo assim a vida dos
santos: harmoniosa.
Jesus Cristo é denominado
a arte soberana do Pai, a fonte, e a nascente de toda a harmonia, e é em nome
de Jesus Cristo que eu abençôo este novo instrumento musical, fazendo votos
que, como ouviremos, dentro de instantes, as harmonias aqui na Jerusalém
terrena, assim sejamos todos admitidos às eternas harmonias da Jerusalém,
celeste. 40
“A alma
seja harmoniosa.”
Ouvimos poesias
estupendas e músicas mais belas ainda. Pois bem; que as flores da poesia se
convertam para todos nós, em frutos sempre mais copiosos de boas obras. Que a
nossa alma seja
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sempre repleta da
harmonia, que desce do alto, seja a alma harmoniosa, da qual fala um antigo
Padre; que toda a nossa vida seja, como uma música, um hino de glória ao
Altíssimo. 41
‘Seja dada
ao povo a maior parte nos cantos.”
Seja dada ao povo a maior
parte nos cantos permitida pela Igreja, antes, deseja que sejam por ele
executados. Deixe-se que ele manifeste a sua piedade e sua fé; que assim encontre
um alívio, um conforto nas labutas e misérias da vida. E qual o canto mais
espontâneo, mais imponente e mais sublime que o canto uníssono de toda uma
multidão reunida no mesmo lugar, animada pelo mesmo espírito, participante dos
mesmos divinos mistérios?
As nossas esplêndidas
catedrais e as nossas mais humildes igrejas paroquiais, onde vive Jesus
Sacramentado, solicitam os antigos cantos, os cantos da fé, nos quais se uniam
as mil vozes; o povo dos nossos tempos tem necessidade de abandonar os falsos
tumultos, os gritos bêbados e sediciosos dos dias festivos, para voltar ao
calmo, consolador e puro canto da Igreja; o povo sente a necessidade de que se
lhe ensine a louvar a Deus e se lhe expliquem os sublimes sentidos dos hinos,
que para ele foram compostos; tem a necessidade que se lhe ensinem as doces
melodias da Igreja para participar às honras e às adorações devidas a Jesus,
encerrado prisioneiro, no santo Tabernáculo, por amor do povo (...).
Então as Igrejas não
ficarão desertas, então as funcões religiosas e solenes não serão abandonadas,
então meninos e meninas aprenderão depressa as melodias eclesiásticas e com
elas o porquê dos ritos e o sentido dos cânticos da Igreja; então não haverá
necessidade de altos gastos para músicas freqüentemente muito longas e não
devotas; mas todos (como se usa em Várias paróquias e catedrais da França e
também da nossa Itália), possivelmente com o próprio livro nas mãos, homens,
mulheres, magistrados, nobres, soldados, jovens e donzelas, reunidos em um só
coro, alternarão com os ministros do altar os louvores, as bênçãos, as preces,
as adorações a Jesus Sacramentado, com aquele canto aprovado pela Igreja,
modulado segundo os próprios sentimentos, estudados pelas crianças nas escolas
de cantos das paróquias e que faz parte daquele patrimônio de tradições doces,
suaves e queridas, pelas quais os povos se tornaram grandes e abençoados. 42
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