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b) O DIREITO NATURAL DE MIGRAR
“Um direito
sagrado.”
Aqueles que desejariam impedir
ou limitar a migração, em nome de considerações patrióticas e econômicas, e os
que a desejam, em nome de uma mal compreendida liberdade, abandonada a si mesma
e sem guia, ou não raciocinam absolutamente, ou raciocinam como egoístas e como
despreocupados. De fato, impedindo-a, transgride-se um sagrado direito humano;
abandonando-a a si mesmo, torna-se ineficaz. Os primeiros esquecem que os
direitos do homem são inalienáveis e que o homem tem direito de ir em busca do
seu bem-estar, onde mais lhe agrada. Os segundos, que a migração, força
centrífuga, pode se tornar, quando bem orientada, uma poderosa força
centrípeta. De fato, além de trazer alívio aos que ficam, com a redução de
concorrência dos braços e com novas aberturas ao comércio, torna-se de grande
proveito, conquistando influências e devolvendo sob mil formas, os tesouros de
atividade subtraídos momentaneamente, a nação (...).
Discutir teoricamente se a migração é um bem ou um mal é inútil, sendo
suficiente à minha finalidade constatar a sua existência. Depois das pesquisas
que fiz, para recolher dados estatísticos e os fatos que servem de base para
este meu breve trabalho, e nas conversas familiares, percebi uma grande
confusão de idéias, sobre este assunto, não só entre a burguesia e os particulares,
maS também entre jornalistas e pessoas que se dedicam ao Estado. Estas
considerações, não são inteiramente inoportunas. - 361 -
Principalmente os
proprietários de terras, onde a migração dos camponeses é mais numerosa, preocupados
por este repentino empobrecimento de braços, que se traduz em um adequado
aumento de recompensa, para os que ficam, levaram ao Governo suas queixas e por
meio de deputados e de associações, pediram providências, “para sanar e limitar
este virus moral, esta deserção, que despoja o pais de braços e de capitais
frutíferos, que faz romper os pactos coloniais e deixa após de si a apatia e a
insubordinação sem nenhuma vantagem, para os migrantes. Os camponeses
desprovidos de capitais e de conhecimentos serão sempre e em todo lugar
proletários. E a miséria da qual tentam fugir, abandonando a pária,
acompanhá-los-á, como a sombra a seu corpo, acrescida de novas necessidades e
pelo isolamento”. (Atos parlamentares, sessão de 12 de fevereiro de 1879).
Como cada um pode
facilmente perceber, estas razões e estes conselhos se inspiram mais no
interesse dos abastados que ficam, que nas necessidades dos míseros que são
forçados a partir. Se a autoridade lhes desse fácil ouvido e baseasse sua obra em tais sugestões, faria coisa inútil,
injusta e danosa. Inútil, porque nunca chegaria a suprimir a migração. Injusta,
porque injusto e tirânico é todo ato que coloca obstáculo ao livre exercício de
um direito. Danosa, porque a migração tomaria outro rumo, que não o natural,
como aconteceu todas as vezes que o governo, por um mal entendido espírito de
patriotismo, tornou difícil a migração.
“A migração deve ser espontânea.”
Se os agentes de migração
fossem, como parece acreditar o deputado De Zerbi na sua relação, nada mais que simples intermediário, isto é, homens de
confiança entre as várias Sociedades de Navegação
e os migrantes e limitassem o seu trabalho a dar esclarecimentos sobre o modo e
sobre o tempo dos embarques; e as agências, apenas simples sucursais dos escritórios
centrais de Navegação, não haveria motivo de preocupação. A sua ação, embora
supérflua, em grande número de casos (pois que aqueles conhecimentos
poder-se-ia obter, por quem tivesse interesse, nas vias e praças públicas)
também não seria, danosa. Poderia também, às vezes, ser favorável aos
migrantes. Se os agentes fossem orientados,
para ajudar os duvidosos, e mostrassem aos pobres sedentos pela miséria, os
riachos americanos frescos e estimulantes, como aqueles que no inferno
dantesco, faziam extasiar mestre Adão, não seria um fim - 362 -
de mundo, e podez-se-ia fechar um olho e dizer-lhe com Manzoni: vá,
vá, pobre engordurado, não serás tu
aquele que desfalcará Milão.
Mas a faculdade de fazer
alistamento é bem diferente. Os agentes, que usavam destes expedientes quando
eram proibidos pelas circulares ministeriais, imaginem se não desejarão lançar
mão, ainda mais amplamente, quando por lei
será um direito! Como ecn. seqüencia natural, as catástrofes, lamentadas
rio passado, aumentam à medida da liberdade
outorgada, pois a experiência de uma parte neutraliza a sede insaciável de
lucro, e a ignorância da outra, ou não conhece a sorte de quem os precederam,
ou esperam ser mais afortunados.
As penas aplicadas pela
nova lei, para os agentes de migração são severas, e isto é bom. Não serão
nunca excessivas contra quem, mais torpe que o ladrão e mais cruel que o
homicida, empurra tantos infelizes para a ruína. Quantos destes, arrancados de
suas casas por falsas promessas, foram para além do oceano em lugares
inabitáveis, enleados por mil dificuldades insuperáveis, felizes, se no final
conseguem encontrar um pedaço de terra, para morrer em paz! Quantos abandonados
em praias desertas, sem roupa e sem pão, considemram grande ventura poder
retornar, com o coração desesperado, à terra natal! 6
“Liberdade
de migrar, não de fazer migrar.”
Liberdade de migrar, mas não de fazer
migrar, porque tanto é boa a migração espontânea, quanto é danosa a forçada. Boa,
se espontânea, sendo uma das grandes leis providenciais, que presidem os
destinos dos povos e o seu progresso econômico e moral. Boa, porque é uma
válvula de segurança social; porque abre caminhos floridos da esperança, e
algumas vezes, da riqueza, aos deserdados. Porque civiliza as mentes do povo,
pelo contato com outras leis e outros costumes. Porque leva a luz do evangelho
e da civilização cristã aos bárbaros e idólatras e eleva os destinos humanos,
alargando o conceito de pátria, além dos confins materiais e políticos, fazendo
pátria do homem, o mundo.
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É ruim, se forçada,
porque substitui a verdadeira necessidade pela fúria de lucros imediatos, ou um
mal entendido espírito de aventura. Porque, despovoando exageradamente e sem
necessidade o solo pátrio, em vez de ser um alívio e uma segurança, torna-se um
prejuízo e um perigo, criando maior número de inadaptados e desiludidos. Enfim
é ruim, porque desvia a migração das suas correntes naturais, que são as mais
proveitosas e as menos perigosas, e porque a experiência nos ensina ser causa
de grandes catástrofes, que podem e devem ser impedidas por um governo civil e
previdente. 7
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