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c) AS CONSEQÜÊNCIAS
“Quão
amargo o pobre pão do migrante!”
Os perigos que traz consigo
tal migração são inúmeros e igualmente inúmeros são os males que a afligem.
Quando eu, há dez anos,
acolhi o grito de dor dos nossos pobres migrantes, em um pequeno escrito, que
teve eco no coração de todos os bons e apossou-se de todas as classes de
pessoas tão consenso de pensamentos e de obras, eu estava longe de grande o
cúmulo de males e de perigos aos quais se expüe o pobre migrante. Tudo, tudo
conspira contra ele, seus males freqüentemente começam antes do âxodo do
humilde casebre, sob a forma de um agente de migração que determina a sua
partida, atraindo-a uma falsa conquista da riqueza e endereçando-o para onde
agrada e convém ao agente e não para o interesse do migrante. Seguem-se os
males ao longo da viagem, freqüentemente desastrosa, e os acompanham na sua
chegada aos lugares infestados de doenças terríveis, nos trabalhos aos quais,
muitas vezes não se sente apto, sob as ordens de patrões desumanos, por causa
da sede insaciável de ouro, ou pelo hábito de considerar o trabalhador um ser
inferior. Assim os males se agravam sob mil ciladas que a maldade lhes prepara,
em países estrangeiros dos quais ignoram a língua e os costumes, num
isolamento, que freqüentemente causa a morte do corpo e da alma.
Posso citar numerosos
fatos que demonstram quantas lágrimas banham e quanto sal tem o pobre pão dos
migrantes, atraidos por vãs esperanças ou por falsas promessas. Encontram uma
ilíada de sofrimentos, o abandono, a fome e não poucas vezes a morte onde
acreditavam encontrar - 364 -
um
paraíso, colorido pela miragem da necessidade: viram o Eldorado, sem pensar que
o “simum” violento da realidade desfaz em um momento, as encantadas cidades dos
Sonhos! Infelizes extenuados pelo cansaço por causa do clima, pelos insetos,
caem desconsolados sobre a gleba fecundada, por seus suores, àmargem de
florestas virgens, que souberam cultivar não para si, nem para os seus filhos,
atingidos pelo micróbio fatal e doce da saudade, talvez sonhando com a pátria,
que não soube dar-lhe nem o pão, suplicando em vão ao ministro da santa
religião de seus pais, que lhes suavize os terrores da agonia com as imortais
esperanças da fé.
O quadro não é feliz, mas
é a história verdadeira de milhares de nossos patriotas migrantes, como pude
colher das relações dos meus missionários e como me é escrita e narrada por
quem foi testemunha e participante daqueles tristíssimos êxodos.
Porém, não desejo ser mal
entendido ou parecer pessimista. As tristes coisas acenadas não podem ser ditas
a respeito de todos os nossos migrantes. Muitíssimos deles encontraram nos
países hospitaleiros, pão suficiente, muitos bem-estar, alguns, riquezas, e no
seu conjunto formam colônias das quais a mãe pátria pode se orgulhar. Mas são
também muitíssimos os desgraçados e em grande parte o são por causa de sua
ignorância e por nosso descuido. 8
“Males
infinitos, tanto materiais, quanto morais.”
Os perigos que aguardam
os migrantes são tantos e tão numerosos que dificilmente um homem, também
atencioso, poderia escapar totalmente deles. Que dizer então dos pobres
camponeses, que, ignorantes de tudo, confiam em pessoas, que não vêem no
migrante senão coisa a ser desfrutada?
Aqueles que lêem jornais
devem ter em mente um certo número de fatos ora torpes, ora trágicos, sempre
tristes, nos quais os nossos pobres
irmãos que migram, aparecem como vítimas.
Alguns anos atrás, os
diários públicos falaram de duzentos ou trezentos migrantes, que ao chegar ao
porto de embarque, não sei, se de Gênova ou de Nápoles, souberam que seu
dinheiro, ajuntado quem sabe com que dificuldade, talvez com a venda dos
últimos móveis, acabaram nas mãos de um embusteiro. Por tanto, lágrimas,
gritos, imprecações e depois o retorno ao povoado nativo, às custas do Estado. - 365 -
No início do inverno de
1873, chegou a Nova Iorque, um navio com muitas famílias de camponeses do
Abruzzo que foram embarcados pelos agentes de migração, com a promessa de serem
levados a Buenos Aires, onde ansiosamente os esperavam parentes e amigos.
Aqueles infelizes, que tinham sofrido muito durante a travessia, encontram-se
em outro lugar, esgotados, bem longe da meta de sua viagem e sem meios, para
prossegui-la.
Estas podem ser exceções.
Regra geral é o modo como é feito seu transporte. Despachados pior que animais,
em números muito maior do que permitiriam os regulamentos e a capacidade dos
navios, eles fazem aquele longo e penoso trajeto, literalmente amontoaos, com
sério problema moral e de saúde.
Que dizer
da sorte ainda mais lamentável que os espera, quando chegam à meta suspirada?
Freqüentemente enganados com artes dissimuladas, iludidos por mil promessas
mentirosas, constrangidos pelas necessidades, se vinculam, com contratos que
são uma verdadeira escravidão e as crianças encaminhadas para a mendicância,
para o caminho do delito e as mulheres jogadas no abismo da desonra.
As vastas e incultas terras da América do Sul, do
Brasil, do Chile foram cedidas com contrato aos migrantes ou diretamente pelos
governos, ou pelas sociedades particulares, que consquistaram a propriedade
para fins de especulação. E depois de um certo número de anos, mediante o
pagamento de taxas convenientes, o camponês torna-se proprietário do solo
fecundado com o próprio suor. Portanto os colonos armam sua tenda naqueles
terrenos incultos, que freqüentemente transformam em sorridentes e férteis
campos. Os camponeses, na maioria das vezes, de uma mesma região e algumas
vezes de um mesmo povoado, batizam, lá longe, com o nome do lugar de origem, o
lugar onde a Providência os lançou.
Se estes
agrupamentos podem reduzir os perigos da migração, formando menos triste e mais
segura a vida, podem também, se não forem bem orientados, ser causa de
infinitos males, tanto materiais quanto morais. Nossos pobres camponeses correm
perigo de serem mandados pelos especuladores a acabar sua vida, em terrenos
estéreis e lugares nocivos, mal defendidos dos animais ferozes e de índios.
Todas estas coisas já se verificaram mais de uma vez e sobre as quais a imprensa e a
opinião pública repetidamente se comoveram. 9 - 366 -
“Presa fácil da especulação.”
Para onde se dirige esta
massa de pessoas, esta enchente de sangue italiano?
É doloroso dizer, mas a
maior parte dela não sabe para onde vai. Para eles, a América é o país, para onde
se dirigem os que deixam a pátria, em busca de fortuna. Ao Sul ou ao Norte, nas
zonas temperadas ou tropicais, em climas sadios ou pestilentos, em terras
férteis ou mais estéreis do que as que abandonaram, em certtros populosos ou em
regiões desertas, eles não sabem. Vão para a América, e não poucas vezes com a
agravante de um contrato assinado em branco que coloca, a sua pessoa, o seu
trabalho a disposição de um patrão qualquer.
Foi assim que os agentes
de migração mandaram um considerável número de migrantes para o Brasil, para
substituir a mão-de-obra que já era insuficiente para a agricultura, tomando-se
completamente deficiente, com a abolição da escravidão. Foi assim que, em Nova Iorque, o chamado
sistema dos patrões, condenado com um Bill
pelo Senado dos Estados Unidos, aglomerou um ilimitado número de migrantes,
atraídos para lá por mil promessas, desfrutados indignamente e depois
abandonados, para deixar lugar aos recém-chegados, novas vítimas de torpes
lucros. Finalmente, foi assim que no Chile, para silenciar muitos outros casos,
encontraram o abandono e a miséria mais de mil de nossos compatriotas,
seduzidos a irem para lá, por alegres mentiras. E como a ignorância e a pobreza
tornam nossos compatriotas vítimas fáceis para os agentes de migração, assim lá
longe, o isolamento e a miséria os tornam presas fáceis da especulação, sempre
e por toda a parte, sem entranhas de piedade, lá mais que em qualquer outro
lugar. Por isso, em lugar de trabalho apto e bem recompensado, em vez de
abundante e sadia comida, aqueles infelizes encontram um trabalho rude, quando
o encontram, uma recompensa que, comparada com os esforços, os perigos, ao
encarecimento dos gêneros de primeira necessidade, é irrisória, pois encontram
o melhor alimento pago a alto preço, freqüentemente com a privação de quanto
significa vida civilizada. 10
“Perdem o
sentimento da nacionalidade e o sentimento da fé.”
Quem pode descrever os perigos que
encontram nossos pobres migrantes a respeito da vida religiosa? Na imensa
maioria, eles - 367 -
vivem lá, sem
nunca verem o rosto de um padre e a cruz de uma torre. Portanto, abandonados a
si mesmos, ou caem no indiferentismo mais desolador ou abandonam a fé de seus pais.
Aperta-me o coração só de pensar. Segundo cálculos oficiais, em sessenta anos,
migraram, em uma grande república Americana, quarenta milhões de católicos.
Ora, supondo que vinte milhões, o que nunca se verificou, tenham voltado à
pátria, os católicos residentes lá, tendo presente os nascimentos e as mortes,
deveriam atingir a cifra de mais ou menos vinte milhões. Ao contrário, segundo
o último recenseamento eclesiástico, o seu número, não chega, oito milhões.
Onde foram parar os outros doze milhões?
Perderam o sentimento da
nacionalidade e com ele, coisa que aperta o coraçao só de pensar, o sentimento
da fé católica. Caem vítimas da propaganda protestante, vítimas infelizes das
seitas, lá mais ativas e numerosas, que em outros lugares. Ah! senhores, permitam
a um Bispo chorar diante de vós tanta desventura! A privaçao do pão espiritual
que é a palavra de Deus, a impossibilidade de se reconciliarem com Ele, a falta
de culto e de todo estímulo ao bem, exerce uma influência mortífera sobre a
moral do povo. Também o homem instruído está sujeito a tal perigo, mas em menor
grau, porque sua educação, sua cultura, o conhecimento teórico da Religião,
ajudam de algum modo, a salvá-lo do gelo da indiferença, podendo ele senão de
outra forma, associar-se com o pensamento, aos divinos mistérios, que se
celebram em outros lugares e nutrir a mente, com leituras morais. Mas o pobre
filho da gleba, como poderia ascender a pensamentos assim elevados? Para ele,
mais que para os outros, o conceito da religião é inseparavelmente unido ao do
Templo e do Padre. Onde todo o aparato religioso sensível se cala, ele pouco a
pouco se esquece dos seus deveras para com Deus, e a vida cristã no seu
espírito enfraquece e morre. Mas não morre nele a sede da verdade, o desejo do
infinito. “O homem, diz um moderno filósofo incrédulo, tem naturalmente
necessidade de Religião e de Culto. Ele é religioso por natureza, como por
natureza é racional, ou melhor ainda ele é religioso porque é
racional”. Esta necessidade é tanto mais sentida quanto menos é possível
satisfazê-la. Isto se toca com a mão, em meio aos nossos migrantes, também lá
onde, por falta de padre, reina soberano o
materialismo mais desprezível. Imaginai quanto esta necessidade deva ser
viva naqueles — e são a maioria que
ainda experimentam a dignidade do próprio ser, ouvem ainda os apelos de sua
consciência. 11 - 368 -
“Abandonados,
longe, sem sombra de assistência religiosa.”
Os pobres camponeses que
migram, quando não morrem pelo caminho, ou não sucumbem pelas privações ou pelo
desgosto de se verem enganados, pode-se dizer que são abandonados, lá longe,
sem sombra de assistência religiosa. É mais fácil imaginar que descrever o seu
estado.
Os padres na América não
são muito numerosos, e os poucos que existem, quase sempre desconhecendo a
nossa língua, não poderiam, nem mesmo cumprir, como desejariam, os seus deveres
pela simples razão que não seriam compreendidos pelos migrantes. Penso que,
pelos migrantes estarem dispersos nas intermináveis superfícies, o sacerdote
não poderia visitá-los, senão algumas vezes, rapidamente. Por isso o italiano
que vive na América, é, geralmente falando, quase constrangido a levar uma vida
pior que pagã, sem missa, sem sacramentos, sem orações públicas, sem culto, sem
palavra de Deus, o que é já muito se batizarem seus filhos. Ora, é claro que
semelhante estado de coisas deve conduzir insensivelmente aqueles infelizes a
uma terrível indiferença em matéria de religião e a um materialismo
embrutecedor (...).
Devemos lembrar-nos de
que, na América faltam muitas vezes templos e sacerdotes católicos, a
propaganda protestante ou massônica, conforme os lugares, nada deixa a desejar.
Lá onde a voz do ministros de Deus não chega, chegam os folhetos descrentes, os
romances imorais, os opúsculos e os livros das seitas. Portanto, se de um lado
falta toda ajuda religiosa, do outro são abundantes as insídias contra a fé de
nossos pobres compatriotas que, ou por interesse ou por ignorância de levianos,
deixam-se levar pelos apóstolos do erro. 12
“A maior
parte dos males poderia ser evitada.”
O que mais entristece em tudo isto, é o pensamento de que a maior
parte dos males religiosos, morais, econômicos, aos quais a nossa migração se
expõe, poderiam ser evitados ou muito diminuidos, se as classes dirigentes, na
Itália, fossem conscientes dos deveres que as ligam aos irmãos expatriados,
porque as imensas terras da América não são tão nocivas de não poderem oferecer
à nossa migração um canto tranqüilo. Nem todas as terras são assim tomadas pela
especulação, são férteis e pode-se fazer contrato que assegure um justo salário
aos trabalhadores. Tudo depende de saber orientar a nossa migração. Mas quando
se faz isto na Itália? - 369 -
Quando se falou ao migrante:
Ide, este ou aquele contrato que vos é oferecido, estas e aquelas regiões que
vos indicam, ocultam tais emboscadas. São sem garantia, insalubres, estéreis;
ou também sendo férteis, são totalmente fora de qualquer meio de comunicação
possível, tão segregada de todo convívio humano, que o fruto de vossas fadigas
não poderá ser vendido, ricos e ao mesmo tempo pobres? Quando, se faz isto na
Itália? Ao contrário, grita-se um pouco e se geme sob o açoite de algum
acontecimento que naqueles nossos irmãos ofende o nosso amor próprio nacional,
grita-se tem compaixão e também se reclama, alguma medida ao Governo.E depois?
Tudo silencia, tudo se cobre com o esquecimento, tudo volta à calma. A
interminável calma da onda que oculta a vítima e prepara as novas! 13
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