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a) A PRESENÇA DA IGREJA
“Onde está
o povo que trabalha e sofre, aí está a Igreja.”
A igreja de Jesus Cristo,
que impeliu os operários evangélicos entre os povos mais bárbaros e nos lugares
mais inabitáveis não esqueceu e não esquecerá nunca a missão que lhe foi
confiada por Deus, de evangelizar os filhos da miséria e do trabalho. Ela, com
coração inquieto, olhará sempre para tantas pobres almas que, em um isolamento
forçado, vão perdendo a fé de seus pais e, com ela, todo sentimento de educação
cristã e civil. Onde está o povo que trabalha e sofre, aí está a Igreja, porque
a Igreja é a mãe, a amiga, a protetora do povo e terá para ele uma palavra de
conforto, um sorriso, uma bênção. 1
“A Igreja
está suscitando um novo e consolador despertar.”
É um novo, maravilhoso,
consolador despertar que a Igreja está suscitando, em favor dos pobres e dos
deserdados e mil vezes bendito quem souber colaborar, nesta obra de regeneração
religiosa e social. Como grita o Apóstolo: quando goza um membro, todos os membros
gozem; e se um membro sofre, todos os membros ajudem a aliviá-lo.
Se o passado foi triste,
se ate ontem os nossos irmãos foram deixados entregues a si mesmos, lá nas
infindáveis planícies da América, entre os Andes, nas Cordilheiras Rochosas, à
margem dos vastos lagos do Norte, ao longo dos rios da Prata, do Amazonas, do
Orenoco e do Mississipi, nas costas dos mares e até nos bosques, a caridade
cristã e a hodierna civilização nos impõem a colocar fim, a um estado de coisas
tão deplorável e indigno de uni povo grande e generoso.
A luta que eu proponho ao
pensamento e à ação do clero e do laicato italiano é grande, nobre,
intencional, gloriosa, e nela poderão encontrar um digno lugar tanto o óbulo da
viúva, quanto a oferta do rico, a humilde atividade das almas mais tranqüilas,
como o ímpeto generoso dos espíritos mais ardentes. 2
“Os
infelizes, verdadeiramente infelizes.”
Ecoa dentro de mim
dolorosamente, até agora, a voz de um pobre camponês lombardo, vindo a
Placência há dois anos, do extremo vale do - 375 -
Tibagy
no Brasil, para me pedir, em nome da numerosa colônia, um Missionário. “Ah,
Padre, dizia-me, com voz comovida, se soubesse quanto temos sofrido! quanto
temos chorado, junto ao leito de nossos caros moribundos, que nos pediam
consternados um padre.., e não poder tê-lo. Oh Deus, nós não, não podemos mais
viver, não podemos mais viver assim.” E o pobrezinho continuava, com rude, mas
eloqüente linguagem, a narrar-me cenas verdadeiramente dolorosas. Eu confesso:
nunca, como naquele momento desejei o vigor dos meus vinte anos, nunca
lamentei, como então, a impossibilidade de trocar a cruz de ouro do Bispo por
aquela de madeira do missionário para voar em auxílio daqueles infelizes,
verdadeiramente infelizes, porque aos outros perigos para eles, se acrescenta o
de cair no abismo do desespero. 3
“Estamos
aqui como animais.”
Na sessão da Câmara dos
Deputados, de 12 de fevereiro de 1879, o deputado Antonibon, entre outras
desoladoras notícias sobre as condições dos nossos migrantes na América, lia
uma carta de um colono vêneto, que, como conclusão de uma ilíade de
sofrimentos, dizia: estamos aqui como animais; vive-se e morre-se, sem padre,
sem professores e sem médicos.
Ora, cartas iguais a
esta, neste ano recebi quase uma centena de pais de famílias, suplicando a obra
protetora do meu Instituto. E não somente cartas me foram enviadas, mas
mensageiros vindos especialmente de várias partes do Brasil, a fim de advogar
mais calorosamente, com a palavra, a causa deles. Daquelas pobres cartas não
gramaticais e rabiscadas com assinaturas ilegíveis, e da palavra vibrante
daqueles mensageiros transpareciam a necessidade do padre e do professor.
Necessidade, que se fazia perceber, tanto mais fortemente, quanto maior a
prosperidade material das colônias. Todas terminavam com as desoladoras
palavras do pobre migrante vêneto; estamos aqui, como animais; vive-se e
morre-se, sem padre, sem professores e sem médicos, as três formas sob as quais se apresenta ao raciocínio do
pobre, a sociedade civil.
Com meu Instituto de
padroado, procuro exatamente satisfazer a estas três grandes necessidades
humanas.
Manter viva nos corações,
a fé de nossos pais, reavivar as imortais esperanças que vão além do túmulo,
educar e elevar seu sentimento moral, pois que, o único tratado de ética do
nosso povo é ainda, felizmente, o Decálogo.
Com os primeiros
rudimentos de cálculos, ensinar na escola a língua - 376 -
materna e um pouco de história nacional e deste modo
conservar acesa nos irmãos distantes, a face do amor pátrio e ardente, o desejo
de revê-la.
Enfim, um pouco de
conhecimento sobre a conservação da saúde, dando aos missionários, nos meses de
noviciado, alguma instrução sobre o uso dos remédios mais eficazes e mais
comuns, sobre o modo de prepará-los e administrá-los, e instituindo junto a
cada casa dos mesmos missionários, pequenas farmácias. Considerada em si é bem
pouca coisa, mas torna-se muito, quando se pensa na impossibilidade de ter
médicos e medicamentos, lá nas imensas planícies americanas, onde freqüentemente,
tendo-se a possibilidade material, não se têm os meios econômicos.
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“O futuro
religioso e moral dependerá da religião e da moral
que
conservarão.”
Portanto, a urgência de
providenciar é evidente e aparecerá ainda mais, nas observações seguintes:
Os pequenos grupos de
casebres, senieados agora, em uma espécie de deserto, estão destinados a se
tornarem florescentes povoados e cidades, seja pelo natural aumento da
população, seja por este fluxo da migração, que cresce, cada dia. Portanto, que
acontecerá? Como é fácil prever, em poucos anos, teremos lá nas imensas
planícies das Américas, uma nova Itália, talvez rica de bens materiais, mas
pobre de bens do espírito, ou mais precisamente, teremos uma sociedade conforme
a orientação que soubermos dar, desde o início.
As primeiras impressões
são as mais fortes e duradouras, e as primeiras tradições garantem a uma
família, a uma cidade, a uma colônia, a sua fisionomia própria. A história nos
fornece inumeráveis exemplos.
Além disto, deve-se
refletir que a índole dos nossos compatriotas é por sua própria natureza
eminentemente flexível, de tal modo que facilmente se acomodam às condições dos
lugares e dos povos, em meio aos quais a Providência os guia.
Portanto, o futuro religioso
e moral das nossas colônias, na América, dependerá daquele tanto de religião e
de moralidade, que estes primeiros núcleos de população conservarem. Eles serão
formados por sentimentos civis e cristãos? Serão civis e cristãos os seus
descendentes, e os que a eles se unirão, vindos da Itália, deverão mais ou
menos espontaneamente se adaptarem as tradições de fé e de piedade que ali
encontrarão já radicadas.
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Serão deixadas no abandono?
Vê-las-eis crescer à maneira de selvagens e também aqueles que virão depois
tornar-se-ão, eles mesmos, selvagens.
Além disso, a tendência
dos nossos migrantes de se estabelecerem em colônias, é um fato que não pode
ser descuidado e que tornará menos difícil a tarefa de quem deverá orientá-los.
Transcurá-la agora, que se trata de escolher bem a situação das futuras cidades
e de lhes imprimir as características de religiosidade e de italianidade, do
que depende sua prosperidade e sua importância futura, seria erro imperdoável.
Aquelas características devem ser impressas imediatamente. Toda demora será
fatal. Aquelas características serão como o vínculo que as unirá à pátria
distante, pois muito mais que os interesses materiais, é a comunhão dos
sentimentos religiosos e patrióticos que solidificam, de modo inquebrantável a
unidade de um povo. 5
“Heróis que
vão evangelizar.”
Entre nós, nestes dez ou
doze anos, em que se fala, com tanta freqüência de migração e de migrantes, que
é que se fez? Não seria conforme a verdade dizer que foi feito, quanto se podia
e se devia.
Graças a Deus, não faltam
sociedades de proteção religiosa e civil que surgiram e dividiram entre si, por
seleção espontânea, este novo campo de atividade.
Calo sobre a minha obra,
porque vos é bastante conhecida e porque não quero abusar ainda mais de vossa
paciente bondade. Direi apenas que, confiando em Deus e na sua Providência, se
me dispus à árdua empresa, foi precisamente para estimular os de boa vontade a
tentar também, na Itália alguma coisa, especialmente no campo religioso. Eu
pensava: se o clero fornece heróis que vão evangelizar povos bárbaros, como não
dará os generosos, que com menor perigo, e com menor dificuldade, se disponham
a assistir os nossos compatriotas, principalmente nas Américas, entre os quais
talvez terão parentes e amigos, certamente, conterrâneos? Se para enxugar as
lágrimas passageiras, os ricos e os pobres da Itália, em várias ocasiões
competiram, em obras de caridade, dando, uns largamente o supérfluo, outros,
tirando o pão da boca, o que não farão, quando souberem ser necessário enxugar
o pranto que dura anos e continuará, de geração em geração se não forem tomadas
providências? Quando refletirem que
existe uma vergonha ser eliminada, que nos mostra incapazes aos olhos dos - 378 -
estrangeiros e nos torna desprezíveis
diante deles?
Logo conscientizei-me que
havia providenciado bem, pois que não apenas encontrei mãos que aplaudiam e
palavras de louvor, mas, aquilo que mais importa, coraçoes abertos, almas
generosas vontades enérgicas, prontas para a ação até o sacrifício. 6
“A benéfica
ação da Cruz de Cristo.”
Por todos os lugares
surgem igrejas, conventos, escolas cristãs, orfanatos, hospitais. A benéfica
ação da Cruz de Cristo consola os migrantes e os encoraja, mantendo os
princípios religiosos e preservando-os da corrupção e da apostasia, que pouco a
pouco os conduziria a renegar não só o cristianismo, mas os seus deveres para
com a pátria. 7
“Para a
Igreja, fonte incalculável de bens.”
O formidável problema da migração acerca do qual trabalham e o fazem
quase sempre em vão os Governos, é, ao que me parece, destinado pela
Providência, para conquistar um imenso prestígio social, para a S. Sé e vir a
ser, para a Igreja, uma fonte de infinitas consolações e bens incalculáveis.
Quem conhece as tendências dos nossos tempos não pode duvidar disto. Digo isto,
porque, convençamo-nos bem, para resolvê-lo como convém, deve ser-nos leve todo
sacrifício. 8
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