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a) A TAREFA DO ESTADO E DAS
CLASSES DIRIGENTES
“Um Bispo
que se ocupa de coisas sociais e de projetos de lei.”
Deputado amigo.
Dentro em pouco
discutir-se-á no Parlamento, o projeto de lei ministerial sobre a Migração, e
eu não posso deixar de comunicar-te algumas observações que fiz, lendo aquele
projeto, oportunamente, modificado pela comissão parlamentar.
Dirijo-me a ti, não por
aquela afetuosa consideração que, iniciada nos bancos escolares, continuou
ininterrupta por longos anos, de que já podemos contar os lustros, mas também
porque sei que es amigo, nao adulador das classes deserdadas (e isto aos nossos
dias é de grande mérito), paciente e modesto, quanto inteligente pesquisador
dos fenômenos sociais.
Dirijo-me a ti
publicamente, não para fazer rumor inútil, o que por princípio e por índole
desprezo, mas porque a questão que te proponho é daquelas que têm necessidade
de discussão, e não encontrei outro meio para chamar a atenção do público
desinteressado e distraído, que não lê senão obrigado, ao menos atraído por um
título que incentive sua curiosidade. Pensei que uma carta aberta de um Bispo,
que se ocupa de coisas sociais e de projetos de lei, dirigida a um deputado,
possa ser título suficiente para estimular a indiferença doentia do público e
fazer com que, de vez em quando, a discussão aborrecida, mas profícua, de uma
lei, tome o lugar de outro fato qualquer.
Parece-me também um dever
de bom cidadão. Desde o dia em que publiquei o meu trabalho sobre a Migração
Italiana na América, pude recolher dados e fazer observações que podem ser
proveitosas a tantos nossos infelizes compatriotas. Transcrevi os ratos e as
observações, com semelhante intenção, nesta carta. Se eu falhei em considerá-la
e fiz trabalho inútil, junto a ti como junto a todos os bons, sirva-me o longo
estudo e o grande amor. 1
“Migração
interna, política, agrícola, comercial.”
A migração de um povo
civilizado pode ser interna, política e agrícola, comercial ou de infiltração.
Por migração interna eu entendo aquele fluxo e refluxo de população que
se move, periodicamente, por causa das diversas necessidades da vida civil e
individual, em um determinado território.
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O que significa e como se
realiza a migração e a colonização política, todos sabem, isto é, dar à Pátria
ampla extensão, alargando os limites da bandeira nacional, sob a proteção das
leis pátrias e onde a religião, a língua, os costumes, tudo enfim que forma a
consciência religiosa, civil e patriótica de um povo, sirva para conservar
vivo, também aos netos distantes, o pensamento e o afeto para com a pátria dos
pais (...).
As colônias agrícolas-comerciais, ou de infiltração são aquelas que
procuram estabelecer em outros países núcleos de população de uma determinada
nacionalidade, que praticam o comércio, a indústria e a agricultura e vivem
entre povos estrangeiros, sem perder as próprias características nacionais. Foi
o modo de migração e de colonização preferido pelas nossas gloriosas repúblicas
marítimas (...).
A colonização interna
parece ser para muitos a forma idealmente bela de migração, muito útil e, para
todos nós, de fácil atuação.
Não se pode compreender
como o governo ainda não tenha decidido adotar este sistema, que deve
tornar-nos ricos e poderosos, intensificando a nossa população, dando ao
trabalhador, em abundância, o pão de cada dia (...).
E assim seja; colonize-se
também o interior, libere-se da
malária grande parte do territorio italiano, torne-se mais intensa e portanto,
mais lucrativa a agricultura. Tudo o que for feito neste sentido será coisa
ótima, mas não nos iludamos, colonizemos também na medida do possível, evitando
desenganos, convençamo-nos de que a coisa não é fácil, como parece à primeira
vista, e que certamente não será possível senão na medida em que o exigiria o
rápido aumento da nossa população. 2
“Para a
Itália, só há a terceira forma de migração.”
As colônias políticas são outro modo com que os povos civilizados
realizam as suas funções migratórias, talvez aquela que envolve maior número de
interesses e em maior intensidade estimula o mesmo amor nacional. A grande
atividade e cioso cuidado desenvolvido em nossos dias, pelas várias Potências
em defender as antigas possessões coloniais e em conseguir novas, são o comentário
mais eloqüente - 457 -
desta minha
afirmação. Mas, infelizmente, para o nosso país, a esperança de uma grande
colonização política foi arrastada e adiada quem sabe para quando, pelos
desastres africanos, cuja recordação entristece todo coração italiano.
Estes dados e
considerações levam-nos a concluir que, para a Jtalia, ao menos por hora, só
resta a terceira forma de migração, ou seja, expandir entre outros povos e em
outros territórios o excesso da
população, forma mais humilde que as outras duas, mas mais conforme às
necessidades imediatas. Portanto, as funções migratórias, como são por nós
realizadas, respondem às atuais necessidades políticas, territoriais e
econômicas do nosso país e não superam a sua potência reprodutiva e por isso
têm características de fenomenos permanentes e são fontes de bem-estar
individual e coletivo. Mas quais as garantias que a lei concede a uma
semelhante migração? Como o Estado exerce o seu dever de tutela moral e
material ao migrante? Como o exercemos
nós, classes dirigentes? 3
“Também uma
boa lei não é suficiente.”
Uma lei, ainda que boa,
não é suficiente para que o fato generalizado e complexo da migração responda
aos altos fins sociais a que foi destinado pela Providência, se não for
subsidiada por todas as sábias instituições públicas e particulares, do
conjunto de obras religiosas e civis, que têm dado ótimos frutos àqueles povos
que antes a experimentaram. Aquelas obras não só reanimam os pobres migrantes a
prosseguir mais confiantes seu caminho, sentindo-se protegidos, mas dizem aos
estrangeiros que aqueles infelizes não estão esquecidos, não são coisas
insignificantes, mas parte de uma grande nação, que conhece o seu dever e o cumpre, estendendo a sombra de sua
bandeira sobre os filhos distantes, socorrendo-os em suas necessidades
materiais e elevando-lhes o caráter moral, com a religião e a instrução. 4
“Os nossos
migrantes são os menos tutelados.”
Da estatística citada em outras ocasiões,
dos relatórios particulares e dos jornais, relevo que os nossos compatriotas no
exterior, são os menos tutelados. São freqüentemente vítimas da especulação,
seja por ignorância, seja por boa fé. São os que menos procuram - 458 -
recorrer em suas
necessidades, ou para fazer valer suas razões às autoridades consulares. Todas estas
coisas podem derivar muito bem do espírito de independência, ou de o italiano
não estar habituado a ver, no governo do próprio país, um natural e válido
tutor; mas também pode ser grave indício de desconfiança, derivada do habitual
descuido ou impotência das autoridades, tanto que os nossos compatriotas acham
melhor livrar-se sozinhos de seus embaraços, do que esperar o tardio e ineficaz
patrocínio da pátria distante.
Com esta observação eu não
entendo contestar a quem quer que seja e muito menos a uma inteira classe de
funcionários respeitabilíssimos, que me agrada considerar zelosos do próprio
dever e conscientes da alta missão com que foram revestidos, mas simplesmente
de constatar um fato e de deplorá-lo.
Ora,
neste estado de coisas, que providências foram tomadas, ou apenas tentadas,
para melhorar? Digo francamente, embora com pesar, o governo fez bem pouco e os
particulares nada. Pouco a pouco, quando qualquer acontecimento triste torna-se
conhecido pelo público existe um pouco de agitação, algum questionamento por
parte da Câmara, algum artigo dos jornalistas. Às interrogações, o governo
responde que irá providenciar, aos gritos jornalísticos algum estremecimento de
almas generosas e depois o esquecimento
cobre todas as casas e tudo volta à calma, a interminável calma da onda, que
esconde a vítima na profundidade de seus abismos.
Assim se passou ano após
ano, como se não existisse nada a fazer para os irmãos distantes, além de
muitas conversas, temperadas com um pouco de retórica, tanto para dar um
paliativo a quem espera, e para distrair a atenção de quem, atendendo às mais
nobres aspirações da vida humana e da caridade cristã, gostaria de colocar o
ferro e o fogo salutar na chaga cancerosa da sociedade moderna, no egoísmo
(...).
O exemplo vem de cima. O
governo tem bem poucos fatos para registrar a este respeito, que o homem
verdadeiramente, tanto que se radicou no espírito de todos, a opinião de que os
menos protegidos dos niigrantes, são os italianos (...).
Discutiu-se
longamente sobre esta questão vital, no governo e no Parlamento, mas as
interpretações de algum deputado relativas ao projeto de lei e as habituais
respostas ministeriais, e as circulares aos prefeitos, os artigos dos jornais
oficiosos, são remédios ineficazes e empregam inutilmente o tempo, quando não
se tornam leis sábias (...).
Repassando
os atos parlamentares, os arquivos das prefeituras e dos jornais, seria fácil
recolher os dados gerais sobre a migração, - 459 -
fatos e cifras eloqüentes
algumas providências temporárias eficazes, muitas observações utilíssimas, mas
se buscaria em vão em nosso código, uma lei ou uma instituição, no país, que
mencione ter feito tesouro daqueles fatos, daquelas cifras, daquelas observações.
“Ávida
especulação dos recrutadores.”
Interroguemos a sabedoria
legislativa dos povos que fizeram mais larga experiência que nós, em matéria de
migração. Veremos que, ou não admitem o trabalho
do agente recrutador, ou o circundam de maiores cautelas, que não se encontram,
no projeto de lei italiano. É conhecido, amigo, que o migrante inglês, francês,
português, espanhol deixa o próprio
país em condições bem melhores que a nossa, sabendo encontrar para além dos
mares, nas vastas possessões de seu país, a imagem viva e grande da pátria, na
religião, na língua, nas leis. Aqueles governos poderiam, também sem faltar aos
seus deveres de tutela e de previdência, conceder plena liberdade de
alistamento, já que eles não são por suas atividades, perdidos, ou indignamente
desfrutados, mas é uma benéfica circulação, que consolida o seu poder e lhes aumenta a riqueza. Quão diversas as condições
dos nossos migrantes!
Pela ávida especulação
dos alistadores, eles são, geralmente, encaminhados a lugares onde o ar pestífero
mata, ou empregados em trabalhos degradantes, pois que para o agente, o negócio
melhora à medida da escassez de bracos e da dificuldade de alistamento. E a
falta de mão-de-obra, seja para beneficiar terrenos, seja para executar
trabalhos públicos, verifica-se lá onde a morte rarefaz as filas dos
trabalhadores, e o terror afastando
os sobre-viventes, faz com que exista sempre a necessidade de novas vítimas,
que desconhecem o perigo. Em todas as catástrofes de semelhante natureza, o
elemento italiano é sempre representado largamente, muito largamente, para que
não se reclame este supremo dever de um governo forte e respeitado, a eficaz
proteção dos infelizes expatriados, vítimas das ciladas e da prepotência. 6
“O novo
projeto de lei sobre a migração.”
Senhores,
fazemos votos e usamos de toda a nossa influência, para que o novo projeto de
lei sobre a migração, apresentado pelo deputado Visconti Venosta e aceito pelo
deputado Canevaro, atual - 460 -
É aqui que deve começar o
trabalho das classes dirigentes, onde o das leis e do governo termina. De que
modo? Estudando primeiro e discutindo o grande
problema da migração, fazendo entrar (e é este o pedido que dirijo aos chefes
de movimentos católicos) fazendo entrar, como parte viva da ação dos comitês
regionais, diocesanos e paroquiais, aquilo que diz respeito ao bem religioso,
econômico e civil de tantos nossos desventurados irmãos, recolhendo, em seu
favor também subsídios materiais, desaconselhando energicamente a migração,
quando se reconhece desastrosa, defendendo-a das emboscadas e dos contratos
fraudulentos, enfim, circundando-a de todos os auxílios religiosos e civis, que
servem para torná-la, contra os fortes inimigos, compacta e, quase, invencível,
porque neste caso a segurança de cada um, torna-se segurança de todos. 8
“Tornar
menos amargo o exílio dos nossos irmãos.”
É bela, á senhores, a
causa pela qual viestes aqui. Ela é digna de toda vossa atenção, porque digna
da atenção de todos os homens de entendimento e de coração.
Trata-se de tutelar e
dirigir do melhor modo possível a nossa migração, de tornar menos amargo o
exijo aos nossos irmãos expatriados, de fazer voltar em benefício de nossa
Itália, uma força, que facilmente é perdida.
Quem ama com verdadeiro
amor a religião e a pátria, não pode deixar de sentir a necessidade de se
associar a esta obra e de lhe consagrar, embora modestamente, as próprias
forças.
Deixemos a outros o
estudo do fenômeno migratório na sua rica variedade de formas. Que seja a
migração um direito natural, inalienável, como afirma o estadista. Que seja
fonte de bem-estar para quem vai e para quem fica, como proclama o sociólogo.
Que seja o desenvolvimento natural das coisas ou o progressivo aperfeiçoamento das raças, como sustenta o filósofo;
tudo isto pouco interessa, ao nosso caso. É preciso chegar a coisas práticas e
prático quer ser nosso encontro, á senhores. Uma reunião amigável e familiar,
não uma academia. Por isso, exílio à retórica. Pensemos que os males que
atormentam a nossa migração são inumeráveis e é urgente remediar.
Males que escapam ao
controle da autoridade, porque em grande parte, escapam ao da lei. É necessário
que uma e outra sejam supridas pela ação dos particulares. - 461 -
Ministro do Exterior,
tenha logo a aprovação do Parlamento. Eliminar-se-ão assim, graves abusos e
prejuízo aos migrantes e se preencherá uma lacuna repleta de ciladas da nossa
legislação.
Outra providência do
projeto de lei, da qual não deveria mais ser adiada por muito tempo a sanção do
Parlamento, é aquele apresentado pelo deputado Luzzatti, então Ministro do
Tesouro, de comum acordo com seus colegas, Rudini, Visconti Venosta, Sineo e
Branca, sobre a tutela de remessas e de poupança dos migrantes italianos nas
duas Américas.
Na vasta relação que
precede o projeto de lei, foram enumerados os fatos e os modos com os quais a
poupança suada e entesourada durante muito texnpo pelos compatriotas, no
exterior, são sempre dizimadas pelo câmbio e pela remessa de ávidos e muitas
vezes, desonestos pseudos banqueiros. Infelizmente aquelas pobres poupanças,
não poucas vezes acabam inteiramente perdidas naqueles atos de ladroeira
bancária freqüente lá (onde qualquer um pode se improvisar como banqueiro,
também, sem capital efetivo) e que consiste em esvaziar a caixa e tomar o vôo
para outro país. Em apenas um ano e em uma única cidade da América do Norte,
verificaram-se quatro destas fugas e as economias perdidas por nossos pobres
migrantes atingia um conjunto de duzentas mil liras!
Seriam suficientes alguns
destes fatos e existem centenas, para justificar e dar caráter de urgência à
medida legislativa criada pelo insigne estadista padoano, que corta com
precisão, pela raiz, todo o parasitismo que vive e se engorda com as economias
dos outros, especulando indignamente a ignorância e boa fé dos trabalhadores.
“A obra das
classes dirigentes.”
Para
sanar as chagas que afligem a migração italiana, as leis não bastam, porque
algumas destas chagas são inerentes à mesma natureza da migração, outras
derivam de causas remotas, que escapam ao controle das leis, e mesmo com as
melhores leis do mundo e com os seus melhores agentes, numerosos e perfeitos,
não se conseguiria extirpar aqueles males. De resto, todos sabem que os
governos e seus agentes estão vinculados por costumes e por precauções
internacionais e certas medidas, ou não as podem usar, ou, usando-as, não fariam
senão agravar as feridas antes de as cural.
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Portanto, à obra, é
senhores. Temos em mãos uma causa que traz consigo a bênção dos homens e de
Deus. Saibamos aproveitá-las. Procuremos estreitar, sempre mais, os laços da
solidariedade fraterna que robustece os fracos e torna os fortes invencíveis. 9
“A
cooperação leiga.”
A proposta relativa aos migrantes
temporários merece, sem dúvida, a mais alta aprovação, mas eu não gostaria que
por causa do grande zelo pelos amigos, tomasse ares de coisa política. Se isto
de um lado ajuda, pode prejudicar, muito, de outro. Sêde sábio e
compreendei-me, mesmo que eu discuta. Eu desejaria que fosseis vós a fazê-lo,
só vós, de acordo com Roma, sem ligar-vos a pessoas que, embora sendo ótimas e
fazendo o bem, têm sempre contra si muitas prevenções. Falo do lado político,
entenda-se. 10
Também eu não desprezo a
cooperação leiga, mas nas coisas estritamente religiosas, não aprecio os leigos
iniciadores, porque dificilmente se despojam de fins secundários,
principalmente políticos. Não se gritou tanto contra os bispos de cartola?
Gosto da eqüidade e da coerência com todos. Quanto mais avanço em anos, mais me
convenço de que o verdadeiro bem se faz quando cada um ocupa o seu próprio
lugar. 11
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