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a) O MÁXIMO DOM DE DEUS
“A fé é o
maior dom de Deus.”
A fé é um dom de Deus, o primeiro e o maior dos dons, que em sua
infinita misericórdia nos concedeu. De fato, sem ela é impossível agradar-lhe - 36 -
e pertencer à multidão eleita de
seus filhos; ela é o início e o fundamento da salvação humana, o eixo e a raiz
de toda justificação (...).
Que é fé? É um raio de luz, que se desprende do trono de Deus e desce
para iluminar as trevas, onde vão tateando os miseráveis filhos de Adão. É uma
segunda criação, graças à qual o homem, decaído de sua dignidade, se eleva do
seu nada, até chegar ao Criador; é a vida do gênero humano, faltando ela,
existe a morte. (...)
Que é a fé? É o único
meio, depois de todas as pesquisas, e todos os esforços para nobilitar o homem,
apto a pensar nossas feridas, engrandecer nossa pequenez, e por ela a
inteligência humana, perpassa, pelo tempo, para a eternidade e nosso pensamento
passa do último grãozinho de areia à imensidão do Ser incriado. 1
“A religião
não é um sistema filosófico.”
A Religião (...) não é uma série de verdades especulativas, ordenadas
unicamente a aperfeiçoar o intelecto, não é um sistema filosófico, não é um
complexo de idéias. Mas emana diretamente de Deus, que é, ao mesmo tempo, a
verdade primeira, o sumo Bem, infinita Beleza, Santidade essencial, centro e
Fonte de toda perfeição; ela tende, necessariamente, nobilitar, divinizar, de
certo modo, todas as faculdades humanas, endereçando-as ao seu fim último. Ela
é luz infalível ao intelecto. Dissipando as trevas acumuladas da ignorância e
do erro, abre-lhes os tesouros da divina Sabedoria. Ela é ardor celestial, para
a vontade, elevando-a além do círculo de bens limitados e caducos; fá-la
enamorada das belezas infinitas do sumo e eterno Bem. Ela é regra segura para a
consciência, preservando-a dos falsos ditames, sugeridos pelo orgulho e pela
corrupção, harmoniza-a com ditames da lei eterna de Deus (...).
Ela, em uma palavra, é a
ordem, a harmonia, a paz, a perfeição do homem todo, seja em relação a Deus, e
em relação ao próximo, seja em relação a si mesmo, imagem e penhor daquela
ordem e harmonia, paz, perfeição, sem comparação, mais venturosa, que lhe está
preparada no céu. 2
“O que seria
o homem sem fé?”
A fé! Ela nos aproxima de Deus e nos descobre os mistérios. Ela ilumina
e sublima a nossa razão, enobrece nossos afetos, infunde em nossa - 37 -
alma, o bálsamo das celestes
consolações, a coragem, a força para sustentar as lutas da vida. Que seria o
homem sem a fé? Sem ela, o homem nada conhece do sobrenatural, nada sabe sobre
santidade, nada pode fazer de bem e de virtuoso, que mereça o prêmio eterno
(...). Sem fé, o homem está
perdido. É a fé que nos revela, com segurança, nossa origem, nossa decadência,
nossa regeneração em Cristo, nosso destino imortal. É a fé que nos indica todos
os meios, para chegar a possuí-lo através dos sacramentos, da oração, das boas
obras. É a fé que nos faz ver todos os homens, como irmãos. É a fé que, em
todos os acontecimentos deste mundo, alegres ou tristes, nos faz ver a piedosa mão de Deus, que tudo
dispõe, para o nosso bem. 3
“O homem
não procura senão a perfeição infinita e o infinito bem.”
Criado por Deus e para
Deus, o coração do homem não pode ser perfeito, senão em Deus e com Deus. Assim
como a perfeição é o estado natural, é o fim para o qual tendem todos os seres,
assim o coração humano tem inclinação inata, necessária, indestrutível de
unir-se a Deus, de saciar-se em Deus e de identificar-se com Ele. “Senhor, tu
nos fizeste para ti e o nosso coração está inquieto, até que não descanse em ti.” Ainda nesta vida,
o homem não cobiça, não busca, não quer outra coisa, senão Deus. Por isso
questiona sobre Ele tudo o que o cerca. Por isso, voa ao encontro de tudo onde
encontra uma centelha de bem, emanação da bondade infinita. Por isso, despreza
os bens presentes e anela continuamente pelos distantes, porque os bens
distantes, se lhes apresentam como algo de infinito. Deste modo, o homem aspira
sempre ao verdadeiro, eterno, em tudo, o que pretende conhecer; do mesmo modo,
escreve S. Dionísio, ele sempre se volta para o bem eterno, em tudo aquilo que
pretende amar. 4
“Que falta
ao homem que tem a Deus consigo?”
Deus,
própria e essencialmente, é caridade. Quem, portanto, está na caridade, está em
Deus e Deus nele, porque Deus e a caridade são uma e a mesma coisa. Deus é
caridade; quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele. Que falta
ao homem que tenha consigo a Deus? Ele é a nossa paz, Tem sobretudo paz, isto
é, tem repouso dos afetos, calma tão suave do coração, tão doce, tão inefável,
que ultrapassa, no dizer do - 38 -
Apóstolo,
todo sentido da doçura terrena: a paz de Deus, supera os sentidos. Este gozo da
alma peregrina, este estado de calma, cheio de confiança, este repouso cheio de
consolação, esta harmonia cheia de suavidade, esta paz cheia de amor, é na
verdade, a mais bela amostra, a imagem mais verdadeira das bem-aventuranças
celestes, pois segundo a grave sentença de Agostinho, na paz repousa a
bem-aventurança (...).
O paz da alma, verdadeiro tesouro, conforto e delícia de quem a possui!
O paz da alma, que começando na inteligência pela fé na palavra divina, desce
ao coração, pela posse da caridade divina: ó paz da alma que, não experimentada
não se chega a compreendê-la onde, encontrar-te aqui na terra, fora da fé?
5
“Os
mistérios da fé espargem sombra e luz.”
A fé
é necessária à nossa condição atual, como é necessário escurecer o cristal para
quem olha o sol, se não quiser enganar-se. É
necessária, porque, sendo Deus infinito e nós limitados, ela deve chegar lá
onde a razão não chega. A fé é para a razão o que o telescópio é para a nossa
fraca vista. Se numa noite serena, elevais os olhos ao céu, vereis uma
infinidade de estrelas, mas lá onde o olho nada distingue, o telescópio
descobre novos mundos e incógnitas maravilhosas, assim o nosso espírito, pouco
ou nada sabe em relação aos grandes problemas da vida. É a fé que nos revela o
mundo sobrenatural, onde cada problema encontra a sua indiscutível e plena
solução. É a fé que ilumina a nossa inteligência, esclarece-nos sobre a nossa
existência, nosso destino, nosso futuro. As sombras do mistério devem aumentar
a nossa fé, antes que diminuí-la. Os mistérios da fé, impenetráveis, em si
mesmos, são pois ricos de esplendores inefáveis, como a coluna que guiava o
povo de Deus no deserto, espalhava sombra e luz. Vede de novo Belém. Um Deus
menino que chora, numa estrebaria! Que obscuridade! Que mistério! Mas ao mesmo
tempo, que jato de luz! que magnificência de prodígios!
Tudo foi profetizado. O
lugar, o tempo, a maneira, de tantos fatos foram descritos, nos livros
sagrados, muitos séculos antes. E agora, os céus se comovem, multidões de
espíritos celestes suspensos sobre asas de ouro, entoam o cântico da glória,
esplendores de paraíso rompem as densas trevas da meia-noite, iluminam os muros
vermelhos das cabanas, o deserto, os pastores. A estrela aparece no oriente, e
os sábios e reis sucedem aos - 39 -
pastores,
nas homenagens de adoração. O céu e a terra, os anjos e os homens, o passado, o
presente, o futuro formam ao redor do berço do cristianismo um imenso diadema
de luz, que toma a nossa fé sumamente gloriosa e razoável.6
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