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C) A ORAÇÃO, ALIMENTO DA FÉ
“A Oração é
Deus infuso em nosso coração.”
A
oração é sem dúvida, a função mais nobre e mais gloriosa, que o homem pode exercer
neste mundo e nos confere uma grandeza superior a tudo. Ela não nos coloca
apenas em íntimo contato com o que existe de verdadeiro, de belo, de santo, no
céu e sobre terra, mas torna-nos igualmente, partícipes da amizade de Deus, das
suas mais ternas efusões, de suas mais íntimas confidências. A oração é Deus
que, invocado, desce; Deus difuso, infuso em nosso coração, segundo a bela
expressão de Santo Agostinho; Deus nosso Criador, nosso Pai, nosso Redentor,
nosso Amigo, nosso Irmão, que nos olha e nos ouve, que acolhe benévolo nossa
homenagem e nossos afetos. 20
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“Quando nós
rezamos é o universo que reza em nós e conosco.”
Em
meio à criação silenciosa e muda, faltava uma língua para bendizer o Senhor;
faltava um coração para amá-lo. Deus criou o homem, e, dando-lhe vida, quis que
toda a natureza pudesse encontrar uma voz, que fosse o hino de adoração e de
ação de graças. Esta voz que sobe a Deus, em nome do universo, da qual o homem
pode dizer-se o órgão e o representante, é justamente a voz da oração.
Sim,
diletíssimos, quando nós rezamos, é o universo que reza em nós e conosco; é o
universo, do qual nós somos a sintese; são todas as criaturas que recebem uma
voz e uma alma, louvam, bendizem, agradecem, glorificam, exaltam Aquele que as
tirou do nada: Bendizei ao Senhor, todas as obras do Senhor. 21
“Só o homem
permanecerá mudo em meio a tanta harmonia?”
Quando o sol derrama,
pela manhã, sua luz sobre a flor murcha, esta abre logo o seu cálice e, com um
gracioso movimento, endireita-se, orientada para o astro benéfico, quase para
lhe demonstrar a sua alegria, o seu reconhecimento.
A planta que desponta, a gota que cai, o
vento que sopra, o pássaro que voa, o mar que brame, a estrela que brilha,
enfim toda a criação não é senão, segundo a linguagem dos livros Sagrados, um
imenso hino de bênção e de louvor ao supremo Criador. E o homem, o rei da
criação, que tudo recebeu das mãos d’Ele, a soberania, a força, a inteligência,
a vida, só o homem ficará mudo, diante de tanta harmonia? Mostrar-se-á o ser
mais ingrato de todos, porque o mais favorecido de todos? Colocado mais próximo
do trono do Altíssimo, e isto, sem nenhum mérito seu, não deverá ao contrário,
ser o primeiro a reconhecer o supremo domínio? Não curvará sua fronte, soltará
sua língua, toda sua pessoa prostrar-se-á e prestará a homenagem de sujeição
que lhe é devida? sim, diletíssimos, sim. Nosso corpo a obra-prima, destinado
com a alma à glória, deve também, seguindo os movimentos interiores, glorificar
o - supremo Criador. “O meu coração e a minha carne, exclamava o Profeta,
exultam em Deus vivo”. E Jesus mesmo, enquanto homem, rezava a seu Pai celeste,
de joelhos e com a fronte curvada para o solo. 22
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“A oração é o vínculo de toda a
humanidade.”
A
oração torna o homem superior a si mesmo, transfigura-o, sublima-o e o
diviniza. Na história das almas, não existe fato mais comum que a conversão,
unida à oração dos santos. De um Saulo, perseguidor, forma um Apóstolo. E
quantos Agostinhos são filhos das lágrimas e das orações maternas!
A
oração é o vínculo de toda a humanidade. Embora existam imensas distâncias,
barreiras intransponíveis que separam uns dos outros, ela tudo aproxima, tudo
reúne. A oração une os vivos entre eles e os vivos com os antepassados, une a
família da terra, com a família do céu; forma entre a Igreja militante, a
sofredora e a triunfante, um fluxo e refluxo de súplicas e de intercessões, que
a teologia chama de comunhão dos Santos. Acima de todo obstáculo, a oração
estabelece como corrente elétrica, que vai de um irmão a irmão, passando pelo
coração de Deus, centro e chama de amor, forma, de todos os corações um só
coração, de todas as famílias, uma só família. 23
“O próprio
Verbo de Deus rezou.”
O Verbo de Deus se fez homem, para nos ensinar, não
só, com preceitos, mas também com exemplos. Ele mesmo rezou ao Pai, Ele que com
o Pai são uma coisa só; Ele a quem o Pai havia dado poder, sobre todas as
coisas rezou, recolhido, no deserto; rezou sozinho sobre o monte, vigiando a
noite toda; rezou, no sepulcro de Lázaro e ao entrar em Jerusalém; rezou antes
de iniciar a sua missão; rezou no templo, no Cenáculo, no Getsêmani, no
Calvário; rezou até o último suspiro, para arrancar dos suplícios eternos a humanidade
que n’Ele esmorecida tremia, suava sangue e caía sob os golpes da morte. (...)
Ora,
exclama São Cipriano, se Jesus rezou, Ele que era o Santo dos Santos, quanto
mais não devem rezar os pecadores? Se a cabeça reza, como não rezarão os
membros? E se o divino Mestre, sentiu tão profundamente a necessidade da
oração, como não deverão senti-la os discípulos?
Também
o exemplo da Igreja, nossa Mãe, deve persuadir-nos, caríssimos, da necessidade
da oração. Toda a sua vida, como a de seu divino Fundador é uma oração
contínua. Ela reza todos os dias e todas as horas do dia; reza para si, reza
pelos filhos, que lutam neste mundo, reza por aqueles - 48 -
que deixam esta vida e gemem no purgatório, reza pela
conversão dos pecadores, pela perseverança dos justos, pela vitória final,
pelos moribundos, pela graça da salvação eterna, para todos; reza a Deus, à
Virgem Maria, aos santos; reza pelos bens necessários à vida, reza pela
eliminação dos erros, pelo triunfo da verdade e da justiça, e em seus templos
ressoa sempre a oração. 24
“Também no
céu, a Igreja reza.”
Não
somente na terra, mas também no céu, a Igreja Católica reza. Eu, disse um
piedoso e douto escritor, nunca rezei ou percebi rezar a ladainha dos Santos,
sem admirar as misteriosas profundidades e as sublimes alturas da grande lei da
oração. Sobre as asas da fé, elevando-nos ao alto e penetrando no glorioso
Santuário do Senhor, nós volvemos com as pupilas molhadas em lágrimas, e
ajoelhados dizemos: Santa Maria, rogai por nós, Santos Anjos e Arcanjos, rogai
por nos; Santos Apóstolos, rogai por nós; Santos Patriarcas e Profetas, rogai
por nós; Santos Mártires, Santos Confessores, Santas Virgens, rogai por nós;
Santos todos do paraíso, rogai por nós. No céu, portanto, se reza, e todos
rezam. Rezam as virgens, os confessores, rezam os mártires, os Apóstolos, rezam
os Profetas, os Patriarcas, todos nossos irmãos que nos precederam no caminho
feliz da eternidade. Não basta. Os Anjos, os Arcanjos, os Querubins, os
Serafins, todos os coros angélicos, rezam. Que mais?
A
rainha dos Anjos e dos Santos, a Co-redentora do gênero humano, Maria
Santíssima reza também.
E
vós, ó meu Jesus, vós também lá rezais; rezais com a voz, com as cicatrizes de
vossas chagas, com o espetáculo majestoso de vossa humanidade glorificada; vós
estais sempre vivo, à direita do Pai, a fim de rezar continuamente por nós:
sempre vivo, a interceder por nós. 25
“O homem
fala e Deus escuta: o homem ordena e Deus obedece.”
O
que é a oração? É a elevação do espírito a Deus, fonte da vida, e o misterioso
laço da troca maravilhosa que existe, entre o homem e o seu Autor. Ela prepara
nossa alma ao vôo, ergue-a, alem desta região de dor, transporta-a ao seio da
divindade. O corpo está sobre a terra, mas a alma está no céu. O homem fala e
Deus ouve, o homem ordena e Deus concede; digamos com ousadia: o homem manda e
Deus obedece. Fez conhecer a sua - 49 -
vontade,
e a intercessão deles é ouvida. 26
“O que pode
resistir a Deus? A oração.”
Este
colóquio chama-se louvor, êxtase, amor, bem-aventurança, felicidade eterna;
aqui na terra é um pouco de tudo isto e chama-se oração. Ela é, na terra o
prelúdio da vida imortal.
É justamente deste contato com a divindade que o homem
alcança energia sobrenatural. Eu admiro duas grandes coisas no céu e na terra:
no céu o poder do Criador, na terra o poder da oração. O homem pode ser tão
fraco quanto possa imaginar; ele reza, torna-se forte, da mesma força de Deus.
Não há força contra um homem que ora. Ouvi o Apóstolo: “Tudo posso”,
absolutamente tudo, tudo posso! Como? “Eu tudo posso pela oração, posso tudo
n’Aquele que, por mim invocado, por mim solicitado, me fortalece, me conforta,
me consola: tudo posso n’Aquele que me conforta.”
A
oração, quando humilde, não apenas iguala, mas supera, a potência mesma de
Deus. Deus é onipotente, diz o Profeta, e quem pode resistir-lhe?
A
oração, eu respondo. 27
“Os
pára-raios celestes.”
Vendo
que hoje os delitos se multiplicam tão assustadoramente, muitos se perguntam
como o Senhor é tão paciente e porque a maldição não cai? Caríssimos, elevai os
olhos ao alto, ao mundo espiritual; vereis os pára-raios celestes. O raio vibra
fremente, mas quando quer explodir, é obrigado a seguir os fios condutores, e
ele mesmo se admira em ver a sua força extinta, em um momento. Deixemos de lado
as metáforas. Observai os bons que rezam, os ministros de Deus que rezam,
tantas almas separadas do mundo, que rezam. Eis a revelação do mistério.
Aquelas almas são as sentinelas avançadas do gênero humano, vítimas voluntárias
que, com os seus gemidos e preces, enriquecidas pela penitência, ainda mais
válidas, aplacam a justiça divina e fazem voltar à bainha, a espada vingadora;
se pudéssemos penetrar nos segredos de Deus, poderíamos ver que lugar
importante ocupa a oração dos justos, no plano da Providência e que ação
benéfica exerce sobre a vida dos povos e os destinos dos impérios. 28
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“Ninguém
está isento da lei da oração.”
Oh!
sim! rezai. Não existe pessoa liberada desta lei. Se sois virtuosos, rezai,
para vos manterdes assim. Se, pecadores, rezai para sairdes de vosso lastimável
estado. Rezai uns pelos outros, para serdes salvos, porque está escrito: “A
oração assídua do justo pode muito.” Rezai com humildade, confiança,
perseverança. Rezai em família e rezai no templo. Especialmente, com aquela
oração santa e sublime, que Jesus Cristo mesmo ensinou aos homens e com a qual
pedimos, ao nosso Pai, que está nos céus, a glorificação do seu nome, a vinda
do seu reino, o cumprimento de sua vontade, o nosso alimento quotidiano, o
perdão de nossas faltas, defesa e ajuda em todas as nossas dificuldades. 29
“A oração é
para nós, uma necessidade natural, instintiva e irresistível.”
Deus
é Autor supremo e sapientíssimo de todas as coisas e está em suas mãos. Quem
poderia negá-lo, sem negar a própria razão? N’Ele, como diz o Apóstolo, nós
vivemos, nos movemos, e somos, Ele nos deu o ser, e a cada instante nô-lo
conserva. Portanto, se nossa vida é um dom seu, se nós não nos pertencemos, mas
a Deus, é claro, que a Ele devemos a eterna homenagem de nossa gratidão, a
oferta de nossa submissão, o tributo dos nossos louvores, o culto da nossa
adoração, o sacrifício de nós mesmos. E o sacrifício é a oração, o culto é
oração, o louvor é oração, o reconhecimento é oração. (...)
A
oração é para nós criaturas racionais, uma necessidade natural, instintiva,
irresistível. 30
“Sabe viver
bem, quem sabe rezar bem.”
Aqueles
que sabem viver bem, sabem rezar bem, diz Santo Agostinho: A oração é a
carteira de identidade do verdadeiro cristão, é por si só, a completa profissão
do cristianismo e sintetiza em si, o exercício de todas as virtudes. Exercício
de fé, de esperança, de caridade, de humildade, de arrependimento, de adoração,
de conformidade à vontade divina, e por isso não lhe falta nunca a recompensa.
Elevando nosso coração a Deus, ela nos desapega dos bens ilusórios desta mísera
vida, e alimenta em nós a vida do espírito, prepara-nos às coisas da
eternidade, nos faz experimentar sobre a terra, a alegria e a paz dos eleitos.
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A
oração é a luz, o calor, o alimento, o conforto, a vida da alma humana. A alma
sofre e não cresce, se não respira este ar do céu. É como o peixe fora da água,
debate-se e morre; assim, diz Crisóstomo, morre a alma que se subtrai deste
elemento vital, que é a graça de Deus, haurida na oração.31
“Quem não
reza não tem alma.”
Quem
não reza não tem alma. Não compreende, não sente, não ama. A oração é a fonte
dos bons e grandes pensamentos. Perguntem aos que crêem: é lá que eles
encontraram a luz da fé; perguntem aos santos: é lá que eles encontraram o
auxílio da graça; perguntem aos gênios: é lá que eles encontraram a luz da
ciência. 32
“Os
desígnios de Deus se realizarão infalivelmente.”
Não
desanimeis, ó caríssimos, pela prolongação dos males. A um Deus onipotente nada
é difícil e nas suas mãos, tudo serve ao fim proposto. Também os colossos que o
orgulho humano soube levantar incomensuráveis, imensos, são por Ele atirados
por terra, sem nenhum esforço. Mas deve-se rezar e rezar constantemente e com
fé, para obter o triunfo da Igreja e de seu venerável Chefe, e se forem necessários
prodígios, Deus os fará.
A
Igreja primitiva rezou com confiança e sem descanso, quando o Príncipe dos
Apóstolos estava no cárcere; a perseverança da oração confiante enviou a Pedro
um anjo, que despertando-o do sono em que jazia e despedaçadas as algemas que o
manietavam, lhe disse: Levanta-te, e vem comigo; libertou-o do cárcere, para
alegria de todos.
Rezou
a Igreja, com confiança e constância, no início deste século, imersa em grande
tribulação, pelas inúmeras vicíssitudes de seu Chefe. Quando as coisas pareciam
desesperadas, quando a impiedade, com alegria infernal, estava para entoar o
hino do triunfo e preparava o túmulo para sepultar a Igreja de Jesus Cristo,
eis que, quase por encanto, cai aquela potência formidável e Pio VII retorna a
sua Roma e senta-se tranqüilo na sede gloriosa de Pedro, entre as aclamações
dos povos exultantes, em meio a alegria indescritível do povo placentino, que
comoveu o venerando Ancião, que não cessava de exaltar a piedade e a fé dos
nossos antepassados, particularmente da nobreza.
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Também
no presente, os tempos tornam-se tristes. A fé é combatida ferozmente pelos
inimigos, a piedade é escarnecida, o dia do Senhor, o tempo sagrado da
quaresma, profanados (...).
A
Igreja é espoliada de todo meio humano; os povos, no frêmito do delírio, os
malvados, nos tenebrosos conciliábulos juram-lhe sempre guerra. Mas se todos os
argumentos humanos caem, se a Igreja não tem mais armas para defender-se, tem
ainda uma arma que jamais é superada: a oração. Esta é a nossa arma, esta é a
nossa glória. 33
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