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c) A IGREJA É SANTA
“A Igreja é Santa.”
A obra-prima de Deus Pai é Jesus
Cristo e a maior obra de Jesus Cristo é a sua Igreja, que adquiriu e purificou
com seu sangue, santificou-a com seu espírito, enriqueceu-a com seus méritos,
para apresentá-la a seu Pai isenta de toda ruga e toda mancha, e fazê-la reinar
perpetuamente, com Ele, no céu. Ela é santa por seu Autor, que é a origem e a
fonte de toda santidade: Santa por seus sacramentos, canais pelos quais chegam
até nós todas as graças; Santa pelo sacrifício incruento, com o qual oferece ao
nome de Deus uma oblação pura; Santa pelo seu culto, tão grandioso, tão belo,
que inspira a fé viva, o respeito mais profundo, a mais terna piedade, que
vence todo raciocínio, que fala fortemente ao coração, também dos heterodoxos.
Santa,
em suas doutrinas. Seu principal cuidado é conservá-las incorruptas, tais quais
as recebeu do seu Fundador, para dar remédio às enfermidades espirituais,
dissipar as trevas que obstroem as mentes, incentivar seus filhos às boas
obras, estimulá-los à prática da pobreza voluntária, da obediência mais
perfeita, da virgindade angélica, da vida austera e penitente, à coragem, ao
sacrifício e ao martírio.
Santa
nos seus filhos, porque o Salvador deu-se a si mesmo, a fim de resgatá-los de
toda iniqüidade, para purificar para si um povo aceitável, zelador das boas
obras (...). Vinde e vede. Os milhões de mártires generosos, de solitários
penitentes, de virgens ilibadas, de heróis de toda espécie. O grande número de
pastores e de sacerdotes, que ardem de Santo zelo pela glória de Deus e pela
salvação das almas, que se deslocam para países longínquos, onde cintila a
espada das perseguições e em todos os lugares um feroz mal-estar ceifa as
vítimas. Os religiosos são muitos, de quem mesmo os inimigos admiram as
virtudes, as austeridades, o espírito de recolhimento, - 105 -
de zelo, de caridade,
de desprendimento de tudo o que é terreno. Tantas almas piedosas, ignoradas
pelo mundo, mas conhecidas e amadas por Aquele que perscruta os corações, são
todos filhos da Igreja Católica. Ela, santa em si e santa em todas as suas
obras, jamais cessará de nutrir em seu próprio seio, portentos de santidade,
dignos de suprema honra dos altares e de ser por isso mesmo, inesgotável fonte
de todos os bens. 12
“A Igreja é mãe de santidade.”
A Santidade é o caráter próprio e
inseparável da verdadeira Igreja. Deus é a santidade por essência. Portanto,
uma Igreja que vem de Deus deve trazer em si a marca da santidade. Santa, como escreve
Agostinho, é exatamente a Igreja Católica: mãe de santidade (...).
Mananciais de santidade são, antes de
tudo, as verdades que nos ensina, pois as doutrinas promulgadas pela Igreja
Católica não são simples teoria, mas princípios eternos, dos quais emanam uma
infinidade de conseqüências morais, que divinizam a nossa natureza (...). Um
Deus justo e infinitamente misericordioso, a imortalidade da alma, a reparação
da culpa por meio da penitência, o perdão das ofensas, a paciência, a caridade,
a humildade e assim por diante, são todas doutrinas, que em cada tempo serviram
para criar inocentes e insignes heróis, sem número. Manancial de santificação
são os sacramentos, administrados pela Igreja com afeto de mãe. Administra-nos o batismo, para limpar as
manchas de nossa origem humana. Administra-nos a confirmação, para tornar-nos
fortes para combater as batalhas do Senhor. Administra-nos a penitência, como
meio de expiar nossos pecados. Administra-nos a Eucaristia e nos dá o mesmo
Autor da santidade. Administra o matrimônio, que santifica a família.
Administra a sagrada ordem, para perpetuar na terra o Sacerdócio de Jesus
Cristo. Administra-nos a Unção dos enfermos e esparge sobre o leito de nossas
agonias, as consolações do céu.
Mananciais
de santidade são os preceitos que ela nos impõe, preceitos repletos de
indulgência e de bondade, com os quais esta terna mãe nos guia, entre os
perigos do mundo, ao porto da salvação, e se ocupa toda a fazer-nos felizes,
nesta e na outra vida. Ordena-nos amar a Deus de coração, de referir a Ele,
como ao fim último, os pensamentos, os afetos, as obras, tudo quanto - 106 -
somos e podemos e de amar o nosso
próximo, como a nós mesmos, como o amor que vem de Deus.
Enfim,
propõe-nos a imitar Jesus Crucificado, nosso Senhor, sublime exemplo de
resignação, de fortaleza, de glória, a fim de que, crucificados com Ele às
vaidades deste mundo, sejamos unidos a Ele nos sofrimentos, como na alegria.
Manancial
de santificação é a comunhão dos Santos, fruto da caridade perfeita, que une
entre si a Igreja militante, a Igreja padecente e a Igreja triunfante, formando
um só corpo, do qual Jesus Cristo é a cabeça. Somos chamados a participar dos
merecimentos dos justos, ainda viandantes sobre a terra e da glória dos eleitos
do céu. 13
“Encontrai-nos
qualquer coisa virtuosa que a religião não gere ou não inspire.”
Encontrai-nos
algo virtuoso que a religião católica não gere ou não inspire. Talvez a
amizade? Mas só a religião católica pode dar-nos amigos verdadeiros e fiéis.
Talvez a gratidão? Mas é a religião católica que forma o coração
verdadeiramente bom e tempera com alegria pura o consórcio civil. Talvez a
união matrimonial? Mas é também verdade que a religião católica, elevando-a a
grau de Sacramento, torna-a estável e santa e quer que reflita em si a imagem
da união de Cristo com a Igreja. Talvez os deveres da vida civil? Mas é
igualmente o Evangelho que nos manda sejamos humildes, dóceis, afáveis, mansos,
pacientes, caridosos. Talvez a coragem? Mas que heróis poderiam ser comparados
aos que fazem o orgulho da religião católica? Talvez a boa administração do
governo? Oh, se os povos, as repúblicas, os reinos fossem governados unicamente
com as máximas do Evangelho! Onde estariam os abusos, as injustiças, as
calúnias, as ambições, os ódios, os furtos, os homicídios, os sacrilégios, as
revoltas? 14
“O tesouro
da Igreja: a comunhão dos Santos.”
A
comunhão dos Santos, ou seja, o tesouro comum de graças e de méritos que existe
na Igreja, deve-se principalmente à cabeça (...). Portanto é a Jesus
Cristo que a Igreja é devedora, pela plenitude de seus bens. Oh, eu - 107 -
não me admiro senão deste fundo de
reservas inesgotáveis, infinito. O sangue de Jesus Cristo, este sangue
adorável, do qual uma só gota instilada é suficiente para o mundo; suas
lágrimas, suas orações, sua vida, suas obras, suas fadigas, suas dores, eis que
o que forma e alimenta o tesouro da Igreja. É uma corrente de méritos, que se
estende de uma a outra extremidade da terra; é um rio de graças, que escorre
incessante sobre a humanidade e a fecunda (...).
Se
é sobretudo da cabeça que deriva a vida dos membros, não se deve pensar que os
membros sejam estranhos a esta vida. Pois o Apóstolo disse: Deus criou o corpo
de tal modo, que os membros tenham necessidade recíproca uns dos outros, a fim
de que a abundância de uns possa suprir a indigência dos outros.
Pois
bem, se tal é a condição natural do corpo do homem, do corpo da família, do
corpo da cidade, não deverá isto se verificar na Igreja, que é o Corpo de Jesus
Cristo, a família dos eleitos, a cidade de Deus?
Um olhar às inumeráveis multidões
dos Santos, que passaram sobre a terra e que hoje triunfam no céu. Quantos
sofrimentos, quantas orações e quantos ascrifícios vão desembocar, como tantos
outros riachos, no mar infinito dos méritos de Jesus Cristo, que formam o
tesouro da Igreja!
Eu vejo neste tesouro não só os
méritos super-abundantes, satisfatórios e impetrativos de Cristo, mas
outrossim, da Virgem e dos Santos: vejo o sangue dos mártires, as austeridades
dos anacoretas, o zelo dos apóstolos, a fé dos confessores, as palmas das
virgens; vossas boas obras, as orações, que hoje elevastes a Deus em união com
vosso Bispo, estão lá. Em virtude da comunhão dos Santos, a nossa oração sai deste
templo, voa nas asas dos Anjos, atravessa os Oceanos, vai direta ao coração de
nossos irmãos distantes, de nossos irmãos impenitentes, de nossos irmãos
separados. Ela lhes leva o bálsamo da consolação, a graça do remorso, o dom da
perseverança. A comunhão dos santos se estende por toda a parte. Para ela não
existe limite, nem de tempo, nem de espaço. 15
“O dogma da comunhão dos Santos é doce, é
consolador.”
Não ouvis os gemidos, que chegam a
nós, do profundo? Tende Piedade de mim, ao menos vós que fostes um dia meus
amigos. (...) São vozes de lamento e de dor. É a voz de um pai, de uma mãe, de
um irmão, de - 108 -
uma irmã, de
uma filha, de uma esposa, que sobe a nós do cárcere da expiação, para implorar
os nossos sufrágios, pois nem a dor destrói a comunhão dos Santos. E por que a
expiação dos justos romperia esta comunhão? Não pertencem eles, como nós, ao
corpo de Jesus Cristo? Não são também membros vivos da família dos eleitos e da
cidade de Deus? Por que então não teriam parte ao tesouro comum da Igreja, à
nossa satisfação, aos nossos sacrifícios, às nossas intercessões? Quão doce e
consolador é o dogma da comunhão dos Santos! O céu reza, a terra reza, o
purgatório reza. A Igreja padecente, a Igreja militante, a Igreja triunfante
estão unidas por uma mútua troca de súplicas e de méritos. Do purgatório a
oração sobe à terra, da terra se eleva ao céu e lá através dos Santos, obtém o
refrigério, a luz e a paz. O céu e purgatório rezam por nós e nós pobres
exilados e peregrinos rezamos ao céu, entre os sofrimentos e a glória.
É
por nosso meio que o grito daquelas almas prisioneiras chega até o trono de
Deus. Do céu a abundância das divinas misericórdias se derrama sobre a terra, da
terra, qual celeste orvalho, cai até o purgatório, onde pousa sobre os lábios
ardentes pelas chamas expiatórias. 16
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