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Congregações Scalabrinianas dos Missionários
e Missionárias de São Carlos
Scalabrini Uma voz atual

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  • SEGUNDA PARTE       HOMEM DA IGREJA E PARA A IGREJA
    • 3. O BISPO
      • a) “SEI QUE SOU BISPO”
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a) “SEI QUE SOU BISPO

 

“Com temor e tremor, confiante na graça de Deus.”

 

             O tão inesperado anúncio da minha assunção, considerando o peso formidável mesmo aos ombros dos mesmos anjos, cônscio do que me falta, compadecei-vos de mim; verti abundantes lágrimas e orações ao Deus das misericórdias, para que me isentasse dos santíssimos, graves e inúmeros deveres do Episcopado, cônscio de minha incapacidade, imaturo em idade, pobre de virtudes e bem consciente de todas as minhas limitações. Depois


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que percebi na autoridade do Santo Vigário de Jesus Cristo, manifestadamente, ser essa a vontade de Deus, confiante na sua graça que prodigaliza forças a quem confere dignidade (S. Leão Magno Serm I.), com temor e tremor, mas também resignado, submeti-me ao ministério imposto. Longe de querer investigar as razões da bondade divina e ancorado na firmíssima esperança de que, Aquele que opera em mim a vontade e a ação, não faltará com seu beneplácito para consolidar-me, dirigir-me e socorrer-me constantemente. 1

 

Jesus Cristo vive no Bispo, como num Sacramento vivo.”

 

             Embora imerecidamente, eu sou vosso Bispo. Quem me deu autoridade sobre vós, senão realmente Jesus Cristo, por meio daquele que lhe fez as vezes na terra? Jesus Cristo vive no Bispo como um Sacramento vivo e a vida do Bispo retira todo seu vigor desta íntima união com Ele, Príncipe dos Pastores, e com seu representante visível, o Papa. É só por esta união que o Bispo possui, nos limites de sua diocese, autoridade de magistério, de mando, de perdão, de punição; que ele é pregador do Evangelho, ministro de todos os Sacramentos, consagrante dos mesmos ministros de Deus, Juiz, Mestre, Pontífice, Legislador.

             Portanto, se a autoridade da Igreja é humana nos seus organismos, através dos quais se exercita, ela não tem nada de humano na nascente da qual emana. São homens que dizem no que deveis acreditar, mas eles não ensinam doutrinas suas. Eles são apenas o eco do ensinamento do Verbo de Deus. O que propõe à vossa é o que eles, como vós, são chamados a acreditar. Ordenando, obedecem; não exercem um domínio, mas fazem-vos participantes da alegria de suas certezas. 2

 

“O Bispo de nossas almas continua o seu ministério, por meio dos Bispos.”

 

             Jesus Cristo, o grande Pastor das ovelhas, como O chama S. Paulo (Hb 13,20); o Bispo das nossas almas, como o denomina São Pedro (lPe 2,25), constituído por Deus Pai, com irrevogável juramento, Sacerdote eterno (SI 109,4), exerceu visivelmente o ministério pastoral, quando, vestido da nossa humanidade, visitou os povos iluminando os que estavam nas sombras da morte, indicando-lhes os caminhos da justiça e banhando com seus suores todo seu místico campo. Campo de graças e de perene fecundidade, preparado desde os séculos eternos, que é a Igreja Católica (...).


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             Por meio dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, Jesus Cristo continua a exercer, ainda hoje, seu sublime ministério; sendo o episcopado, que se unifica em Pedro, a continuação aqui na terra, da missão e da vida do Salvador, chamada, com muita razão, pelas constituições apostólicas (Liv. II c. 26) uma divindade terrena. Diria S. Agostinho, a repetição do sacerdócio supremo de Cristo, no tempo e no espaço. 3

 

“O Papa é o fundamento, os Bispos as colunas.”

 

             Quem é o Bispo? Os sentidos não vêem nele senão um homem igual aos outros homens, mas a nos diz: ele é um anjo destinado por Deus a nos guiar pelos caminhos do bem, é o Sumo Sacerdote que representa o povo cristão, diante de Deus. Aquele que é Pontífice, para a eternidade ungiu-o com o seu Crisma, enriqueceu-o, com os sete dons do seu Espírito, e, colocando entre suas mãos o Evangelho, disse-lhe: vai e ensina aos homens a minha celeste doutrina. Vai e santifica-os, com os Sacramentos. Vai, e governa-os, com o poder que eu te comunico. O Bispo tem o poder de governar a Igreja de Deus.

          O Bispo se liga aos primeiros eleitos de Cristo por sucessão ininterrupta, aos Apóstolos a quem o Salvador disse: como o Pai me enviou, eu vos envio. Quem vos ouve, a mim ouve. Quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza Aquele que me enviou. Portanto, o Bispo é continuador, sobre a terra, da obra redentora de Jesus Cristo, é o sucessor dos Apóstolos, o depositário, o propagador, o juiz, o defensor, o guardião natural da , em íntima união com o Bispo dos bispos, o Papa.

          A Igreja, na verdade, é templo vivo e único de Deus, o Papa o fundamento, os Bispos são as colunas. O Papa é a cabeça visível, mas os membros mais nobres são os bispos. A Igreja é uma nave, o Papa é o timoneiro, mas os Bispos são os pilotos. A Igreja é como um reino, o Papa é o Monarca supremo, mas os Bispos são capitães. 4

 

“A missão do Bispo.”

 

             Qual é a missão do Bispo? É uma única, mas admirável e responde a todas, é a de preparar nas almas, os caminhos do Senhor (...).


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             O homem, aqui na terra, anseia por Deus, tem necessidade de Deus, tem sede de Deus. Ele nutre no coração, pensamentos, desejos, afetos que têm algo de infinito e tendem ao infinito. Daqui a aspiração inefável da humanidade e o imenso vazio, que nenhuma força criada é capaz de preencher.

             Pois bem, o Bispo é como uma passagem, uma ponte lançada pelas mãos de Deus feito homem, sobre este abismo, exatamente para unir a criatura ao Criador, a terra ao céu, os homens a Deus. Eis a sua missão, e eis porque, nos livros sagrados e na sagrada liturgia o Bispo é muitas vezes, chamado Pontífice: é o que faz a ponte (S. Bernardo).

             No reino espiritual ele é a sentinela de Deus e por isso o vedes colocado numa cátedra, de onde estende seu olhar vigilante. Ele é encarregado de responder à misteriosa pergunta que das alturas da eternidade, lhe chega ao ouvido cada manhã. Sentinela, que descobristes nas trevas da noite? Trevas da noite, explica Santo Agostinho, são os erros, são danos, são todos os obstáculos que impedem a Deus de entrar nas almas. 5

 

Esposo da Igreja

 

             Esposo da Igreja, à qual se uniu na sua consagração e da qual traz no dedo o místico anel, ele colocou nela todo o seu coração. Sim, para o Bispo, a sua Diocese é tudo o que há de mais caro no mundo, pai, mãe, filhos.

        O báculo, que aperta em suas mãos consagradas, não é só a vara da justiça, mas é também o cajado de Pastor, no qual se apoia, para ir em busca da ovelha perdida... Ele tem mente, coração, vísceras de Pai. Paternidade mil vezes sublime, mais terna, mais íntima do que a que procede da natureza, porque mais semelhante à paternidade divina.

             Isto, porque o Bispo sente profundamente, em seu coração todas as alegrias, todas as dores dos seus filhos em Jesus Cristo e pode verdadeiramente, repetir com o Apóstolo: Quem dentre vós sofre, que eu não sofra? (...).

             Portanto, os pobres, as viúvas, as crianças, os miseráveis de toda sorte são os seus prediletos, e planeja socorrê-los, na medida de suas forças. 6


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“Nada é mais difícil do que o ofício de Bispo.”

 

             Nada mais difícil neste mundo, escreve Santo Agostinho, nada mais cansativo, nada mais perigoso, que o ofício de Bispo.

             Dirigir a milícia sacerdotal e movimentá-la em falange organizada à conquista das almas, escolher o terreno apto para esta luta pacífica da verdade contra o erro e contra as paixões humanas, assinalar a cada soldado de Cristo, o lugar que convém às suas aptidões, dividir os cargos, em razão dos méritos, moderar a impaciência de uns, incentivar o ardor de outros, afervorar os tíbios, encorajar os fortes, comunicar a todos o sagrado zelo do apostolado; saber unir a severidade à compaixão, o rigor da justiça à ternura  paterna, preservar o rebanho dos lobos, especialmente dos que rodeiam o rebanho com aparência de cordeiros, dilatar o próprio coração para abraçar todo um povo, estudar dia e noite as necessidades das almas, vigiar, com zeloso cuidado, seus interesses espirituais, multiplicar os remédios conforme suas enfermidades; apascentar com a palavra e com o exemplo, doando-se inteiramente a eles, a cada instante e sem reserva, não esperando remuneração dos homens; defender corajosamente a honra da cruz que lhe adorna o peito, sempre preparado e banhá-la com o próprio sangue, antes de abandoná-la, enfim, não ser o centro da santa doutrina e do poder sagrado, senão para tornar-se a lareira que irradia luz, calor e vida; eis a missão do Bispo. 7

 

“Um Bispo não é senhor de sua honra.”

 

             Sede forte e revesti-vos da força do Senhor. Defendei a vossa honra, se não podeis defender a dos vossos.

             Não sejais fáceis em fazer promessas, junto à Apostólica e nem vos deixeis impor condições. Pensai que o não vos defender, ao menos junto ao Papa, em vez de edificação, pode se tornar escândalo e se tornaria ocasião para dizerem que vós mesmos vos reconhecestes réu. Compreendo o respeito, a obediência, a piedade, o heroísmo, compreendo tudo; mas um Bispo não é Senhor da própria honra, como pode ser um particular.

             Tenho confiança de que as coisas se colocarão, bem para vós, mas torno a repetir-vos: defendei-vos, com reverência sim, mas com toda a energia de que sois capaz; defendei-vos, defendei-vos. 8


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‘‘Sei que sou Bispo.”

 

           Que fazer então? Devemos deixar-nos abater? Pelas nossas pessoas pouco importaria, ao menos pela minha, deveras insignificante, mas as almas? e a Igreja? e os interesses de Jesus Cristo? Meu Deus! a que ponto chegamos. Por mim, creio que nos devemos defender contra estas tramas, mostrando em cada ato nosso moderação episcopal, conservando perdão no coração, mas firmeza nas palavras; devemos nos defender também publicamente, porém enquanto for possível, sem acusar ninguém (...).

             Pobre Arcebispo! Que humilhações! Que Deus o assista e o conforte! Estou pensando em uma longa carta ao Papa, um memorial onde quero reivindicar ousadamente a liberdade do episcopado e dizer-lhe que assim  como se permite que as acusações sejam divulgadas, assim não deverá se admirar se vir impressas as minhas cartas endereçadas a Ele, para uma defesa devida. Não quero mais saber de fantoches ou de coniventes a quem devo dirigir-me (...).

             Sei que sou Bispo e só o serei, sem consideração de espécie alguma. Vejo bem que será um buraco na água, mas não importa, preparo documentos para a história eclesiástica, destes tempos miseráveis. 9

 

“Os interesses de Jesus Cristo e da Igreja.”

 

             Se o episcopado não compreende o grave perigo que ameaça a Igreja, ou se quem o compreende não tem a coragem de enfrentar o inimigo, tudo estará perdido. Mando-vos dois números do conhecido jornal; tende paciência de ler os pontos assinalados em vermelho e depois dizei-me se não fostes injuriosamente indiciado e julgado. Meu Deus! que horror! Sinto tal furor dentro de mim, que é necessário colocar-me por muito tempo aos pés do Crucifixo. E vós que fareis? Um passo corajoso, enérgico contra aqueles verdadeiros demônios, poderia vos trazer algum pequeno aborrecimento, mas seria útil a vós e a todos; certamente aos interesses de Jesus Cristo e da Igreja. 10

 

Conheço muito bem a minha posição diante do governo.”

 

             Gostaria que Vossa Eminência se persuadisse de que estou altamente


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compenetrado do invejado cargo a mim confiado e conheço muito bem a minha delicada posição, especialmente diante do governo. O governo me hostiliza cruelmente, se bem que por ora, ocultamente, de maneira especial, depois que aos missionários de Nova Iorque, o cônsul sugerira pedir um subsídio ao Ministério. Sugeri que se abstivessem de fazê-lo. “Vós, respondi-lhes, não deveis usar, nem servilismo, nem hostilidade inúteis. Conservai-vos nas melhores relações, com as autoridades locais. Não peçais nada ao governo.” É verdade que no último opúsculo que escrevi, referi-me, ao governo mesmo, mas como V. Exa. terá compreendido, foi inicialmente para jogar um pouco de água sobre o paroxismo febril do qual estavam possuídos os ânimos, contra o clero, o Episcopado e contra a S. . Depois raciocinei assim: ou o Governo, o que não é de supor, concede a isenção do recrutamento aos clérigos, como insinuo publicamente, ou não lhes concede. No primeiro caso a Igreja terá ganho bastante; no segundo ficará patente ao mundo, como de fato acontece, a injustiça e o ódio contra nos.

             Coisa horrível, Eminentíssimo, viver em meio a tantos fogos! Assegure também ao Sto. Padre, que não penso senão n’Ele e que toda a minha ambição é agradar somente a Ele, sabendo que assim agrado a Deus. 11

 

Cioso do princípio hierárquico.”

 

             “Vós, porém, lhe haveis dado secreta incumbência de inspecionar o estado religioso das colônias italianas, em relação ao fim proposto pela S. Congregação.. .“ Mas, Eminentíssimo, impossível que me considere jovem e imbecil a tal ponto de supor-me capaz de mandar um leigo, ainda que fosse um santo de primeira classe, para fazer levantamento sobre coisas que dizem respeito absolutamente ao clero? Eu, tão cioso do princípio hierárquico? Seria digno de um manicômio, se tivesse apenas pensado nisto. Minha norma constante e imutável é esta: não fazer nenhuma expedição de padres, senão de comum acordo com os Bispos. É só através de suas relações, que julguei e julgo sobre as necessidades dos migrantes...

             O desmentido que V. Exa. me aconselha publicar, eu já o teria publicado se o jornal de Milão não tivesse tido a imprudência de impor-me, citando-me publicamente, no seu tribunal e quase me obrigando a dar-lhe


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O “opúsculo” é O desígnio da lei sobre a imigração italiana, no qual Scalabrini pede ao governo a isenção ao serviço militar para os clérigos, aspirantes missionários, em troca de um “serviço civil” de cinco anos, que se cumpriria dando aulas aos migrantes.

satisfação de minhas realizações. A autoridade de um Bispo, embora tão mesquinho, como me julgo, é sagrada, é divina, não posso rebaixá-la, diante dos clamores de um jornal qualquer. Seria destruir o princípio hierárquico, sobre o qual repousa o futuro da Igreja.

Todavia, em consideração ao desejo de V. Exa., farei com prazer uma declaração, apenas se me apresente uma ocasião propícia e antes de publicá-la, julgarei meu dever submeté-la ao seu esclarecido juízo. 12

 

 




1. Primeira Carta Pastoral, Como, 1876, pp. 1-2.



2. União com a Igreja, obediência aos legítimos Pastores, Placência, 1896, pp. 19-20.



3. Carta Pastoral  (...), por ocasião da Visita Pastoral, Placência, 1876, pp. 5-7.



4. Discurso por ocasião do jubileu episcopal de Dom G. Bonomelli, Cremona, 1896, pp. 7-8.



5. Id., pp. 8-10.



6. Id., pp. 12-14.



7. Na consagração de D. Angelo Fiorini, 26-11-1899 (AGS 3018/4).



8. Carta a G. Bonomelli, 10-6-18 92 (Correspondência S. B., p. 297). Leão XIII tinha ameaçado tirar o governo da Diocese de Cremona a Boflonielli.



9. Id., 2-3-1893 (Id., pp. 102-103). O pobre Arcebispo, humilhado por Pe. Davi Albertario, era D. Luigi Nazari de Calabiana, de Milão (cf. Biografia, pp. 553-554).



10. Id., 14-1-1893. (Id., p. 88). O “conhecido jornal” é “O Observador Católico” de Milão (cf. Biografia, pp. 55 1-553).



11.   Carta ao Cardeal G. Simeoni, 14-1-1889 (AGS 3/1).



12. Id. O “Observador Católico” havia insinuado que Scalabrini havia enviado seu irmão prof. Angelo, a inspecionar a situação religiosa das comunidades italianas no exterior. (cf. Biografia, pp. 34-35).






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