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Congregações Scalabrinianas dos Missionários e Missionárias de São Carlos Scalabrini Uma voz atual IntraText CT - Texto |
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2. A QUESTÃO OPERÁRIA
O advento do socialismo ateu e anárquico faz tremer Igreja e Estado, mas é “voz de Deus”. Ao socialismo ateu faça-se frente com ação social cristã, em vez de uma estéril condenação, que golpearia, também os “justos lados” do socialismo. À propaganda marxista, que seduz as massas trabalhadoras, deve-se contrapor o conhecimento dos problemas sociais e das implicações morais e religiosas que deles derivam e atuar com iniciativas que correspondem às reais e legítimas exigências dos camposes, dos operários, dos proletários. É uma obra de justiça e de e de reivindicação social, inspirada pela caridade, para ser realizada na concórdia por todas as classes. Salvar a classe operária é salvar o povo.
“Causas que fizeram surgir o socialismo.”
Há tempos que a sociedade está nas mãos das forças anárquicas. Abalada toda autoridade, afrouxados os vínculos sociais e familiares negados, esvaídos ou desligados os princípios religiosos, que santificam o sofrimento humano, a vida social está se tornando cada dia mais selvagem, na qual cada um se movimenta por própria conta, por seu interesse e o bem de um torna-se o mal do outro, explicando deste modo e atuando o cruel programa contido na sentença do filósofo escocês: O homem é o lobo dos homens. Daí a febre dos lucros imediatos, a exaustiva conquista do poder, a inveja do bem alheio, que se torna incentivo, para suplantar para enganar, para burlar, para quebrar o freio e suprimir todo o obstáculo, que se interpõe aos desejos e aos prazeres mdividuais, meta única da sociedade atéia e materialista. A estes enormes males juntou-se, e a cada ano se agrava, o aguilhão da diferença econômica, pungente para todos, insuporpara o povo, ao qual a perda dos confortos da fé e da esperança cristã, a conquista de novos direitos e a consciência da própria força, fazem sentir mais vivamente a indigência em que vive e o torna crente e ardente neófito de toda novidade. A tanto mal-estar econômico e baixeza moral, acrescentai o poder do forte capital, tão forte e desmedido, na atual organiza ção social e industrial, que atrai, sem riscos e sem esforços, grande parte dos empregados, qual árvore gigantesca que rouba, com seus inúmeros tentáculos e com suas densas ramificações, o alimento, o ar e a luz das plantas menores que definham a seus pés, e encontrareis as causas que fizeram surgir e reforçaram o socialismo. Recrutando os seus prosélitos nas oficinas, nos campos, nas universidades, entre a nobreza e o povo, especialmente entre o povo, em poucos anos ele formou um exército imponente. Todos os humildes, os oprimidos, os deserdados sentem-se atraídos pela esperança de melhorarem, como todas as almas rebeldes e todos os impacientes que querem, a todo custo, mudar a ordem atual das coisas. A eles vão se ajuntando depois (e talvez são mais temíveis, e certamente os mais apreciados) como aliados, ou como filiados, os que sentem mais viva compaixão, para com os infelizes, mais forte e mais repelente a náusea pela corrupção, que penetra os organismos políticos e chegam ao ápice: e mal podem tolerar, sem protestos, as injustiças sociais, a ociosidade bem alimentada de poucos, a miséria dos trabalhadores e reunidos, em um único indivíduo, a riqueza, o poder e a indignidade. 1
“Experiência pessoal.”
O que vos direi é fruto da experiência pessoal. Antes que dos livros, aprendi, vendo tantas chagas sociais e tantas misérias, sobre as quais, por dever sacrossanto, derramei o bálsamo da fé e os socorros da caridade. Desde os primeiros anos de sacerdócio, nos meses livres dos cuidados escolares, exerci o sagrado ministério, em várias aldeias da minha diocese natal e tive a possibilidade de observar de perto, a vida dos campos, nas suas várias formas e nos seus diversos graus de bem-estar, os pactos coloniais e seus efeitos econômicos e morais. Passeava por aqueles campos produtivos (propriedade de um rico senhor, conhecido no fausto da beneficência citadina), fecundados por uma população laboriosa, que contava com um tanto por cento de preguiçosos e entrava naqueles barracos úmidos, com um verdadeiro aperto no coração. Também fui pároco, por vários anos, em um subúrbio da minha Como. Contava entre os meus paroquianos, alguns milhares de operários da seda, tecelães, fiandeiras, tintureiros. Naqueles anos pude também ver de perto a mísera condição dos operários, mísera em mesma e pelas contingências às quais estão sujeitos. Como repercutia neles, cada crise política ou econômica, também distante, ae parava, ou diminuía o movimento industrial! Como sentiam, cada pequeno acontecimento da vida! Uma doença, por exemplo, uma desgraça acidental que diminuisse a sua atividade diária! estas pequenas paradas que tiravam, cada uma, um pedaço de pão à pobre mesa, sobrevinham, de tanto em tanto, as grandes crises industriais, que suspendiam todo o trabalho. Nestes casos era miséria, a fome, no sentido estrito da palavra, apenas mascarada por algum tempo, pelo crédito do comerciante, ou por uma antecipação do salário, pelo industrial. Então era uma corrida ofegante dos homens, em busca de trabalho, das mulheres, para pedir ajuda. Oh, que dias tristes, quando visitando os enfermos, eu não ouvia, subindo por aquelas pobres escadas, o som seco, e quase ritmico do tear! Triste sobre todos os pontos, porque com a miséria entrava, freqüentemente a desordem e a desonra das famílias. E vendo todas aquelas misérias, ouvindo os seus lamentos e conhecendo aqueles infatigáveis industriais, injustamente acusados explorar os pobres e aquele rico proprietário bom e benemérito, que tinha os campos contaminados pela pelagra, parecia-me que o mal não estivesse, tanto na vontade de cada homem, quanto no modo como o trabalho era organizado, e pensava que teria sido a bem, para todos, poder encontrar condições mais justas. 2
“Os postulados do socialismo.”
Se o trabalho valoriza o capital, por que não deverá ter maior participação dos trabalhadores, ao menos até o ponto de lhes garantir alimento suficiente, sadio e seguro? Se o trabalho é uma lei física e um dever moral, por que não deveria tornar-se um direito legal? Se a instrução é um dever, por que não se deixa o tempo ao operário, para se instruir, limitando a idade e as horas de trabalho? Se a higiene é um dever social, por que se permite, sem a devida cautela, trabalhos que envenenam e encurtam a vida? Por que não se assegura, contra as eventuais desgraças, a vicia do trabalhador e não se providencia de maneira decorosa, sua velhice impotente? Assim eu pensava e assim teríeis pensado muitos de vós, à vista e ao contato com as misérias sociais. Pois bem, aquelas perguntas, em parte cuidadosamente já traduzidas em leis, através de recente trabalho parlamentar, contêm exatamente alguns postulados do socialismo. Portanto, existe nestes postulados uma parte de verdadeiro, de justo, que todos os bons devem aceitar e utilizá-los, quanto lhes é dado atuar, não porque o bom e o justo não mudam de natureza por serem propostos também pelos maus e associados ao mal, mas também tirar ao mesmo mal e ao falso, sua maior força de expansão, a qual consiste, em ser bebido juntamente com a verdade e no asumir só por isto, o aspecto de justiça. Portanto, não nos deixemos impor pelos nomes e pelas aparências das coisas. Examinemos, com seriedade, os postulados do socialismo, oponhamo-nos à sua ação, com a certeza de que temos de estar com a verdade a ação social católica e seja ela remédio reconstituinte da sociedade. 3
“A questão econômica se transforma em moral, política e religiosa.”
O socialismo moderno, considerado em si mesmo, é uma questão econômica, porém como acontece com todas as questões que devem ser aplicadas ao indivíduo ou à coletividade, se entrelaça com outras e muda a natureza e a forma, pois que o homem é uma unidade e tudo o que se refere a sua inseparável unidade, se entrelaça, funde-se, complica-se de modo a refletir os multiformes aspectos, sob os quais pode-se apresentar o mesmo homem. Isto acontece com a questão social. Econômica na sua essência, transforma-se em moral, política e religiosa, nas suas imediatas conseqüências. De fato, a fórmula comum do socialismo, do comunismo e do coletivismo, as três seitas principais, nas quais se dividem Os socialistas, é tudo aquilo que produz a riqueza (isto é capital, terras, instrumentos de trabalho) é propriedade do Estado, que distribui os frutos, segundo alguns, com perfeita igualdade, segundo outros, conforme a necessidade de cada um. Ora, esta fórmula social, para poder ser atuada, deve ferir a humanidade, nos seus constitutivos mais íntimos e substanciais e nos seus afetos mais caros, que são precisamente a religião, a família e a liberdade individual. De fato, o socialismo moderno, embora essencialmente econômico pela estrita conexão que existe entre todas as questões teórico-práticas, referentes ao homem, não pode prescindir da religião. É bem verdade que os socialistas, seja por indiferença real, seja por tática, não falam de religião, nunca ou quase nunca, e poucas vezes, invocam o exemplo de Jesus Cristo e dos primeiros cristãos como precursor de sua doutrina o primeiro e como praticantes os segundos. Mas tudo isto não nos deve enganar, a respeito de seus sentimentos, para com a religião. Sua proveniência revolucionária seu fundamento científico, de fato, materialista o faz intrinsecamente irreligioso. “Nem Deus nem Mestre”, escreveu Blanqui no cabeçalho do seu jornal e estes dois conceitos informam por si mesmos todo o socialismo. 4
“Buscar as causas e encontrar os remédios oportunos.”
O presente estado da questão social e o progressivo difundir-se das idéias puramente socialista, ou afins, na nossa cidade, nos povoados nos campos, deve tornar mais ativa e mais adequada à necessidade de vossa obra, também no campo social. Ora, tal trabalho para ser verdadeiramente eficaz e não exacerbar o mal que se quer curar, requer antes de tudo, prudência, serenidade de espírito, imparcialidade no julgamento, igualdade de e consciência de conhecimento do que se deve combater, como o que é justo conceder. Portanto, atualizai os vossos estudos, irmãos caríssimos, e colocai-vos à altura de rebater (falando a mesma linguagem deles) os sofismas, com os quais os livros, jornais e conferencistas de propaganda socialista estão imbuindo as mentes dos operários e dos camponeses. Eu quis dar-vos o exemplo com estas admoestações que devem ser para vós um incitamento e uma indicação. E assim, como aquilo que os socialistas dizem não é de todo o mal, e eu vo-lo demonstrei, e a eficácia de sua propaganda está exatamente na constatação de um fato doloroso, isto é, na crescente miséria da maioria, em meio a uma verdadeira exuberância de produção agrícola e industrial, que faria supor um aumento das riquezas, assim vós deveis colocar toda a vossa obra em levantar as causas desse fato e na busca de oportunos remédios, aceitando e aconselhando mais práticos, sem se deixar levar, ou sustentar pela mente dos outros. Efetivamente, demonstrareis que aquele tanto de verdadeira mente bom que existe no socialismo é conforme às máximas do evangelho e é susceptível de atuação, sem a destruição da sociedade, ou, é verdadeiramente inútil, ou desproporcional ao fim que se propõe.
“Formas modernas de fazer o bem ao próximo.”
Dedicai todos os vossos cuidados às associações de várias formas e objetivos que florescem entre nós, pois o espírito de associação aumenta e estreita os vínculos de fraternidade humana, supre à fraqueza dos indivíduos e repara os golpes imprevistos da desventura: o irmão ajudado pelo irmão é como uma cidade fortificada. Longe de contrariar este novo espírito de associação, que se expande e penetra por tudo, continuai a secundá-lo e fazei o possível para orientá-lo por caminhos retos quando a inexperiência, ou os maus conselhos, tentam desviá-lo. Abençoai, outrossim, todas as obras de previdência e de ajuda mútua e fazei-vos defensor delas. A ajuda mútua e a previdência são duas formas modernas de fazer o bem ao próximo que reunem, ao mesmo tempo, os benefícios da caridade e os da educação, enquanto tornando-os participantes do ato benéfico e beneficente, prepara-os a pensarem no futuro, a serem providentes e previdentes. Uma das chagas do campo é a usura, exercida sob forma de antecipação de gêneros alimentícios, de sementes, de dinheiro para a compra do gado, e assim por diante. O fornecedor é pago, ou com um juro fixo muito alto, ou na forma mais proveitosa para ele, com uma determinada quantia de produtos. Assim, o bom e o melhor dos proveitos dos pobres colonos vai para enriquecer tais fornecedores, e que pela necessidade, ou por uma desgraça, é constrangido a recorrer a eles, vê em poucas horas evaporarem os seus magros rendimentos e dificilmente estará em condições de se refazer e de equilibrar o seu pobre balanço. Contra um tal estado de coisas, são eficazes remédios as sociedades cooperativas de produção, de consumo e de mútuo seguro, já experimentadas, com bons resultados, na Itália e fora dela e sobretudo os Bancos católicos e as Caixas rurais, que fornecem s pequenos agricultores o capitalzinho necessário, por juros razoáveis. Aconselhai tais instituições e favorecei-as o mais possível onde existem e encorajai as pessoas de bem e inteligentes, pois, como observou justamente D. Ketteler, o ilustre Bispo da Magonza (que estudou por primeiro, a questão operária do ponto de vista católico) em outros tempos, os senhores dotavam a igreja de conventos e instituições públicas de caridade; hoje fariam coisa mais agradável a Deus, colocando-se à testa de associações operárias, de produção, de cooperação e de consumo para melhorar as condições dos operários, pois, em substância, a obra de beneficência é obra de caridade. 6
“Instituí nos seminários cátedras agrícolas.”
Alguns de vós já intervieram para resolver as divergências não raras entre patrões e camponeses e eu mesmo convosco, nas visitas pastorais, me ocupei para eliminar usos e ônus de outros tempos. Continuai neste caminho, com prudente firmeza e não permitais, porquanto depender de vós, que abusos e imoralidades venham tornar mais pesada e dolorosa a vida dos trabalhadores e dos pobres. Podeis conseguir outros benefícios, para os colonos, estudando para eles as novas descobertas e sistemas agrícolas, que quase sem gastos e sem maiores esforços, aumentam de muito, a produção dos campos (...). Nestes vinte anos, vi muitas propriedades paroquiais anteriormente quase improdutivas, transformadas em vinhedos e campos férteis por louvável iniciativa dos párocos e a seu exemplo, territórios inteiros vivificados e fecundados, por um trabalho mais intenso e racional. Instituí, com esta finalidade, entre outras, gostaria que o que foi obra de poucos, fosse obra de muitos, no futuro nos seminários diocesanos, cátedras agrícolas, para que possam oferecer ao clero jovem, os conhecimentos que os coloquem em posição de proporcionar às populações que lhes serão confiadas um dia, junto ao pão da alma, o do corpo. Entretanto, não será difícil, para quem o desejar, aprender nos livros as poucas noções necessárias, para dar aos camponeses, freqüentemente apegados aos vehos costumes, as oportunas sugestões e as indicações práticas, fáceis de serem compreendidas e aplicadas, e que são o resultado de longos estudos e de experiências difíceis. Utilíssimas para esse fim são também as Conferências agrárias e eu as recomendo vivamente. 7
Acenei-vos, sumariamente, algumas necessidades econômicas dos nossos campos e os relativos remédios, tido como bons em vários lugares; mas o mal é multiforme e os remédios devem ser adaptados e modificados, conforme os tempos, os lugares, as pessoas e aplicados, sempre com grande prudência, nunca com fins partidários. Não deveis esquecer que sois pais espirituais de todas as almas confiadas aos vossos cuidados, e as vossas intervenções em negócios fora da igreja, e que julgais de utilidade pública, não deve reacender iras ou partidos, mas unir a todos, no santo pensa mento de fazer o bem, em favor dos miseráveis. São também postulados do socialismo moderno os seguintes: limitação da jornada de trabalho, o salário mínimo dos trabalhadores fixado por lei, o direito ao trabalho, o direito à greve e assim por diante. Ora, todos estes postulados, tomados em si mesmos, abstratamente, são bons e não contradizem em nada, nem as leis divinas, nem as humanas. São da mesma natureza aqueles sobre os homens retos, sobre a pensão dos operários, sobre a reorganização do trabalho para as mulheres e as crianças, sobre a higiene nas fábricas, que já foram traduzidos em leis, também por nós e que não deixarão de dar ótimos frutos (...). O meus amados cooperadores, vossa ação, porém, será mais útil e prática, se aplicada não aos quesitos de índole geral, mas aos particulares e locais, pois diariamente tendes debaixo dos olhos, dando vosso trabalho e o vosso conselho, para aliviar a miséria, cooperando para acabar com abusos e injustiças, ensinando aos ignorantes muitas coisas úteis e belas, sem jamais vos cansar (...). O mal que aflige a sociedade não é, como dizem os socialistas, puramente econômico, mas sobretudo moral e não consiste unicamente na organização social, mas também e mais, nos indivíduos. Portanto vós, ó meus queridos párocos, advertindo os indivíduos à observância da caridade evangélica e dos preceitos da religião, fazeis obra de reivindicação social, pois a salvação da sociedade está antes na regeneração religiosa e moral dos indivíduos, e o resto virá por si. 8
“Encíclica admirável.”
Ministro de paz entre os povos e Vigário de um Deus de amor, que se fez Pai dos miseráveis e dos abandonados, o Papa tem por estes, sem distinção de raças, costumes, de religião, os cuidados mais afetuosos, a solicitude mais delicada, porque eles têm alor necessidade de socorro e proteção. Infelizmente, estes pertencem atualmente, às classes operárias. Precioso instrumento nas mãos de outros, poderoso fator da riqueza para os outros, às vezes, em nossos dias, falta aos operários o necessário para viver e, enquanto o desenvolvimento comercial e industrial de um povo, o bem-estar econômico de uma nação, é, ao menos na metade, fruto do seu trabalho, ele não é convidado a participar deste bem-estar. Daqui resulta vivo antagonismo entre proprietários e os operários, o descontentamento ameaçador das classes trabalhadoras, estimulado nos círculos internacionais, pelas paixões políticas, que se traduzem, hoje, em parciais rebeliões e em greves, mas que poderia de um momento a outro, estourar em vasto incêndio (...). O Papa define claramente quais são as diversas responsabilidades nesta questão; denuncia a propósito, as doutrinas catastróficas, e indica os meios a serem aplicados. Não me atrevo tentar teassumir este estupendo, entre os estupendos documentos da sabedor~ia e da caridade do atual Pontífice; Leão XIII não se limita a pregar caridade aos ricos e a resignação aos operários. Na sua admirável Encíclica, existe algo mais. Com seu penetrante olhar, disseram outros, ele aprofundou a questão operária e percebeu que se nesta classe ferve o ímpeto da revolta, não é toda sua a culpa. A injustiça nas legislações, a avidez dos lucros fizeram do operário um escravo do trabalho, que luta com o presente, desconfiado do futuro, desgastando as forças e a vida para conseguir um pão insuficiente, para matar-lhe a fome. 9
“É uma obra de justiça que convém iniciar.”
A criança, curvada desde os primeiros anos, pela fadiga, cresce triste e alquebrada; a mulher ocupada desde as primeiras horas da manhã, até altas horas da noite, não tem mais tempo para cuidar da pobre filhinha que por isso cresce sem afeto e sem moralidade. Portanto, é uma obra de justiça, que convém iniciar, se quiser restituir a confiança e com a confiança, a tranqüilidade à classe operária. Se os operários têm deveres, têm também direitos e estes direitos convém que a sociedade os tutele para eles, se não quiser ter que tutelar-se deles, por causa da violência (...). Obrigatória é a missão dos católicos de estudarem as questões sociais e de se interessarem vivamente, por elas. O mesmo Santo Padre não debilitado nem pela idade, nem pelas lutas diárias, dá-nos o exemplo. E um novo campo que ele aponta ao zelo é a atividade de seus filhos. Trata-se de fazer o contrário daquilo que a revolução faz. Esta procura arrancar da Igreja as multidões e principalmente os operários. Agora, é necessário robustecer as mentes e os corações, com as grandes verdades do Evangelho. Unicamente aqui, queira-se ou não, este é o remédio ao mal presente, e o preventivo àqueles piores que nos ameaçam. Avante, pois com as máquinas, com as indústrias, com as descobertas, com as conquistas da ciência. Que o homem progrida, também a preço de duras fadigas; que procure melhorar em todos os campos e sob todas as formas, a condição da própria existência. Alegro-me de coração, porque tudo isto, enfim, não leva senão à glorificação da obra de Deus. 10
“Missão de paz e de regeneração social.”
O que nós, homens da Igreja, pedimos, é que o Evangelho seja chamado a dirigir estas transformações econômicas e industriais; e que a prática sincera de sua lei purifique e nobilite os progressos materiais, de modo que não fomentem nas várias classes, os instintos brutais e não se tomem assim motivos de discórdias e de lutas fratricidas. E cabe precisamente a nós, homens de Igreja, esta missão de paz e de regeneração social, a nós mais que aos outros, que recebemos de Deus os meios e o mandato. Eu gostaria que isso fosse entendido por todos os membros de meu clero. Em nossos dias é quase impossível reconduzir a classe operária à Igreja, senão conservarmos com ela, relação contínua fora da Igreja. O veneráveis Irmãos, devemos sair do templo, se quisermos exercer uma ação salutar no templo. E devemos, outrossim, ser homens de nosso tempo. Certas formas novas de propaganda, ou melhor renovadas, usadas com êxito pelos adversários, não devem nos assustar. Devemos viver a vida do povo, aproximando-nos dele através da imprensa, das associações, dos comitês, da sociedade de ajuda mútua, das conferências públicas, dos congressos, dos círculos operários, dos patronatos para crianças, com toda a obra de beneficência particular e pública. Combatamos com vivo ardor, os preconceitos, mas, com o mesmo calor, sustentemos os interesses e secundemos as legítimas aspirações, porém cuidando bem de não alimentar ilusões, e muito mais de excitá-las ao desprezo das classes abastadas, ou dirigentes. Antes, procuremos aproximar o mais possível estas classes e torná-las amigas. A exemplo dos católicos de outras nações, tornemo-nos senhores do movimento atual, colocando-nos à frente, agindo e não os colocando à parte, criticando. Meus queridos, o mundo caminha e nós não devemos ficar para trás, por qualquer dificuldade de formalismo ou ditame de mal-entendida prudência. Recordemo-nos se isto não se fará conosco. Far-se-á sem nós e contra nós. 11
“A concórdia de todas as classes.”
Meus caríssimos placentinos. É com a mais viva dor que vos dirijo a palavra desta vez. O afeto sincero e profundo que me une a vós e que, em vinte e três anos de vida episcopal, nos acontecimentos ora alegres e ora tristes, nunca diminuiu, dá-me o direito de vos falar, como pai, aos próprios filhos. Chorei e rezei por todos vós, nestes dias e oxalá me fosse possível aproximar-me de cada um, de socorrer-vos em vossas necessidades, confortar-vos, com a palavra de esperança e de fé e restituir aos vossos espíritos, a calma que o sofrimento e as excitações do momento vos fizeram perder. O mal-estar econômico, o encarecimento dos alimentos, a falta de trabalho vos roubaram a habitual serenidade de vida, que sempre fora o orgulho da nossa cidade, e daqueles males tendes alsuma desculpa. Mas, agora que as vossas solicitações foram atendidas, que as Autoridades municipais e políticas fizeram todo o possível para vir ao encontro das necessidades mais urgentes, e prometer-vos maior facilidade, para o futuro, agora, ulterior resistência aumentaria os males, já tão graves e as vítimas, já demais numerosas. Meus queridos filhos! Pensai nas dolorosas conseqüências de uma luta na cidade. Pensai nos mortos e nos feridos; nas famílias que perdem os seus caros e voltai, vos suplico, em nome de Deus, à calma. A concórdia entre todas as classes é o meio mais seguro, para remediar esta condição de coisas que todos, unanimemente, deploramos. Na amargura da hora presente, conforta-me o pensamento de que a palavra de vosso Pastor, que nunca vos foi desagradável encontre também desta vez, o caminho dos vossos corações e os recomponha na paz. 12
“A obra dos ceifadores de arroz.”
Na memoranda reunião das Associações Católicas, realizada no Episcopado no dia 4 de julho p.p. eu, como perene lembrança, propus, com o consentimento do meu venerado e zeloso co-irmão de Bobbio, a constituição de um comitê, que tivesse por fim a assistência aos jovens e às jovens que durante alguns meses, no ano, levados na maioria das vezes, pela miséria, migram da nossa diocese, em grupos e vão às planícies piemontesas e lombardas, g para a colheita e descascamento de arroz. A proposta foi acolhida com aplausos gerais. Pessoas merecedoras de todos os elogios e de toda a confiança, seja da diocese Placentina, seja das limítrofes de Bobbi, Lodi, Pavia responderam prontas e de boa vontade ao apelo. Trata-se de uma obra de caridade insigne e de máxima importância. De fato são muito graves os perigos e os males, os quais estes pobrezinhos vão ao encontro; perigos e males morais e físicos, fáceis de se imaginar. Urge pensar no remédio, urge prover para que os míseros, e o não caiam vítimas dos cobiçosos especuladores, para que sejam imunizados contra as armadilhas colocadas à sua fé, para que tenham tempo a maneira de santificar o domingo, para que a sua moralidade seja tutelada, para que suas fadigas sejam melhor recompensadas, enfim, para que longe da família, encontrem defesa, proteção e conforto. Para conseguir tão nobre objetivo é necessário antes de tudo conhecer quantos sao, em cada paróquia, os jovens e as jovens que se encontram nestas condições. Portanto, pedimos a gentileza de completar, com a maior diligência possível, a folha anexa e devolver-me assinada. 13
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1. O socialismo e a ação do clero, Placência, 1899 (1º edição), pp. 3-4. 2. Id., pp. 6-8. 3. Id., p. 8. 4. Id., p. 13. 5. Id., p. 41.“Fazei obra de reivindicação social.” 6. Id., pp. 42-43. 7. Id., pp. 43-44. 8. Id., pp. 45-47. 9. Centenário de S. Luís — Encíclica do Santo Padre — Óbulo do amor filial, Placência, 1891, pp. 6-9. Scalabrini apresenta a Encíclica Rerum Novarum. 10. Id., pp. 9-10. 11. Id., pp. 10-12. 12. Carta aos placentinos. publicada nos jornais locais, de 4 de maio de 1898, por ocasião dos “movimentos de 1º de maio” de 1898 que, em Placência aconteceram entre 2 e 4 de maio e provocaram 3 mortes (cf. Biografia, pp. 826-833) 13. Circular de 22-8-1903. Para a obra pró-ceifadores de arroz (cf. Biografia), pp. 847-852.CiêIl |
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