Índice | Palavras: Alfabética - Freqüência - Invertidas - Tamanho - Estatísticas | Ajuda | Biblioteca IntraText
Congregações Scalabrinianas dos Missionários
e Missionárias de São Carlos
Scalabrini Uma voz atual

IntraText CT - Texto

  • QUINTA PARTE       HOMEM DOS MIGRANTES E PARA OS MIGRANTES
    • 1. A MIGRAÇÃO VISTA POR SCALABRINI
      • c) AS CONSEQÜÊNCIAS
Precedente - Sucessivo

Clicar aqui para ver os links de concordâncias

- 363 -


c) AS CONSEQÜÊNCIAS

 

“Quão amargo o pobre pão do migrante!”

 

Os perigos que traz consigo tal migração são inúmeros e igualmente inúmeros são os males que a afligem.

Quando eu, há dez anos, acolhi o grito de dor dos nossos pobres migrantes, em um pequeno escrito, que teve eco no coração de todos os bons e apossou-se de todas as classes de pessoas tão consenso de pensamentos e de obras, eu estava longe de grande o cúmulo de males e de perigos aos quais se expüe o pobre migrante. Tudo, tudo conspira contra ele, seus males freqüentemente começam antes do âxodo do humilde casebre, sob a forma de um agente de migração que determina a sua partida, atraindo-a uma falsa conquista da riqueza e endereçando-o para onde agrada e convém ao agente e não para o interesse do migrante. Seguem-se os males ao longo da viagem, freqüentemente desastrosa, e os acompanham na sua chegada aos lugares infestados de doenças terríveis, nos trabalhos aos quais, muitas vezes não se sente apto, sob as ordens de patrões desumanos, por causa da sede insaciável de ouro, ou pelo hábito de considerar o trabalhador um ser inferior. Assim os males se agravam sob mil ciladas que a maldade lhes prepara, em países estrangeiros dos quais ignoram a língua e os costumes, num isolamento, que freqüentemente causa a morte do corpo e da alma.

Posso citar numerosos fatos que demonstram quantas lágrimas banham e quanto sal tem o pobre pão dos migrantes, atraidos por vãs esperanças ou por falsas promessas. Encontram uma ilíada de sofrimentos, o abandono, a fome e não poucas vezes a morte onde acreditavam encontrar


- 364 -


um paraíso, colorido pela miragem da necessidade: viram o Eldorado, sem pensar que o “simum” violento da realidade desfaz em um momento, as encantadas cidades dos Sonhos! Infelizes extenuados pelo cansaço por causa do clima, pelos insetos, caem desconsolados sobre a gleba fecundada, por seus suores, àmargem de florestas virgens, que souberam cultivar não para si, nem para os seus filhos, atingidos pelo micróbio fatal e doce da saudade, talvez sonhando com a pátria, que não soube dar-lhe nem o pão, suplicando em vão ao ministro da santa religião de seus pais, que lhes suavize os terrores da agonia com as imortais esperanças da fé.

O quadro não é feliz, mas é a história verdadeira de milhares de nossos patriotas migrantes, como pude colher das relações dos meus missionários e como me é escrita e narrada por quem foi testemunha e participante daqueles tristíssimos êxodos.

Porém, não desejo ser mal entendido ou parecer pessimista. As tristes coisas acenadas não podem ser ditas a respeito de todos os nossos migrantes. Muitíssimos deles encontraram nos países hospitaleiros, pão suficiente, muitos bem-estar, alguns, riquezas, e no seu conjunto formam colônias das quais a mãe pátria pode se orgulhar. Mas são também muitíssimos os desgraçados e em grande parte o são por causa de sua ignorância e por nosso descuido. 8

 

“Males infinitos, tanto materiais, quanto morais.”

 

Os perigos que aguardam os migrantes são tantos e tão numerosos que dificilmente um homem, também atencioso, poderia escapar totalmente deles. Que dizer então dos pobres camponeses, que, ignorantes de tudo, confiam em pessoas, que não vêem no migrante senão coisa a ser desfrutada?

Aqueles que lêem jornais devem ter em mente um certo número de fatos ora torpes, ora trágicos, sempre tristes, nos quais os nossos pobres irmãos que migram, aparecem como vítimas.

Alguns anos atrás, os diários públicos falaram de duzentos ou trezentos migrantes, que ao chegar ao porto de embarque, não sei, se de Gênova ou de Nápoles, souberam que seu dinheiro, ajuntado quem sabe com que dificuldade, talvez com a venda dos últimos móveis, acabaram nas mãos de um embusteiro. Por tanto, lágrimas, gritos, imprecações e depois o retorno ao povoado nativo, às custas do Estado.


- 365 -


No início do inverno de 1873, chegou a Nova Iorque, um navio com muitas famílias de camponeses do Abruzzo que foram embarcados pelos agentes de migração, com a promessa de serem levados a Buenos Aires, onde ansiosamente os esperavam parentes e amigos. Aqueles infelizes, que tinham sofrido muito durante a travessia, encontram-se em outro lugar, esgotados, bem longe da meta de sua viagem e sem meios, para prossegui-la.

Estas podem ser exceções. Regra geral é o modo como é feito seu transporte. Despachados pior que animais, em números muito maior do que permitiriam os regulamentos e a capacidade dos navios, eles fazem aquele longo e penoso trajeto, literalmente amontoaos, com sério problema moral e de saúde.

Que dizer da sorte ainda mais lamentável que os espera, quando chegam à meta suspirada? Freqüentemente enganados com artes dissimuladas, iludidos por mil promessas mentirosas, constrangidos pelas necessidades, se vinculam, com contratos que são uma verdadeira escravidão e as crianças encaminhadas para a mendicância, para o caminho do delito e as mulheres jogadas no abismo da desonra.

As vastas e incultas terras da América do Sul, do Brasil, do Chile foram cedidas com contrato aos migrantes ou diretamente pelos governos, ou pelas sociedades particulares, que consquistaram a propriedade para fins de especulação. E depois de um certo número de anos, mediante o pagamento de taxas convenientes, o camponês torna-se proprietário do solo fecundado com o próprio suor. Portanto os colonos armam sua tenda naqueles terrenos incultos, que freqüentemente transformam em sorridentes e férteis campos. Os camponeses, na maioria das vezes, de uma mesma região e algumas vezes de um mesmo povoado, batizam, lá longe, com o nome do lugar de origem, o lugar onde a Providência os lançou.

Se estes agrupamentos podem reduzir os perigos da migração, formando menos triste e mais segura a vida, podem também, se não forem bem orientados, ser causa de infinitos males, tanto materiais quanto morais. Nossos pobres camponeses correm perigo de serem mandados pelos especuladores a acabar sua vida, em terrenos estéreis e lugares nocivos, mal defendidos dos animais ferozes e de índios. Todas estas coisas já se verificaram mais de uma vez e sobre as quais a imprensa e a opinião pública repetidamente se comoveram. 9


- 366 -


 “Presa fácil da especulação.”

 

Para onde se dirige esta massa de pessoas, esta enchente de sangue italiano?

É doloroso dizer, mas a maior parte dela não sabe para onde vai. Para eles, a América é o país, para onde se dirigem os que deixam a pátria, em busca de fortuna. Ao Sul ou ao Norte, nas zonas temperadas ou tropicais, em climas sadios ou pestilentos, em terras férteis ou mais estéreis do que as que abandonaram, em certtros populosos ou em regiões desertas, eles não sabem. Vão para a América, e não poucas vezes com a agravante de um contrato assinado em branco que coloca, a sua pessoa, o seu trabalho a disposição de um patrão qualquer.

Foi assim que os agentes de migração mandaram um considerável número de migrantes para o Brasil, para substituir a mão-de-obra que já era insuficiente para a agricultura, tomando-se completamente deficiente, com a abolição da escravidão. Foi assim que, em Nova Iorque, o chamado sistema dos patrões, condenado com um Bill pelo Senado dos Estados Unidos, aglomerou um ilimitado número de migrantes, atraídos para lá por mil promessas, desfrutados indignamente e depois abandonados, para deixar lugar aos recém-chegados, novas vítimas de torpes lucros. Finalmente, foi assim que no Chile, para silenciar muitos outros casos, encontraram o abandono e a miséria mais de mil de nossos compatriotas, seduzidos a irem para lá, por alegres mentiras. E como a ignorância e a pobreza tornam nossos compatriotas vítimas fáceis para os agentes de migração, assim lá longe, o isolamento e a miséria os tornam presas fáceis da especulação, sempre e por toda a parte, sem entranhas de piedade, lá mais que em qualquer outro lugar. Por isso, em lugar de trabalho apto e bem recompensado, em vez de abundante e sadia comida, aqueles infelizes encontram um trabalho rude, quando o encontram, uma recompensa que, comparada com os esforços, os perigos, ao encarecimento dos gêneros de primeira necessidade, é irrisória, pois encontram o melhor alimento pago a alto preço, freqüentemente com a privação de quanto significa vida civilizada. 10

 

“Perdem o sentimento da nacionalidade e o sentimento da fé.”

 

Quem pode descrever os perigos que encontram nossos pobres migrantes a respeito da vida religiosa? Na imensa maioria, eles


- 367 -


vivem lá, sem nunca verem o rosto de um padre e a cruz de uma torre. Portanto, abandonados a si mesmos, ou caem no indiferentismo mais desolador ou abandonam a fé de seus pais. Aperta-me o coração só de pensar. Segundo cálculos oficiais, em sessenta anos, migraram, em uma grande república Americana, quarenta milhões de católicos. Ora, supondo que vinte milhões, o que nunca se verificou, tenham voltado à pátria, os católicos residentes lá, tendo presente os nascimentos e as mortes, deveriam atingir a cifra de mais ou menos vinte milhões. Ao contrário, segundo o último recenseamento eclesiástico, o seu número, não chega, oito milhões. Onde foram parar os outros doze milhões?

Perderam o sentimento da nacionalidade e com ele, coisa que aperta o coraçao só de pensar, o sentimento da fé católica. Caem vítimas da propaganda protestante, vítimas infelizes das seitas, lá mais ativas e numerosas, que em outros lugares. Ah! senhores, permitam a um Bispo chorar diante de vós tanta desventura! A privaçao do pão espiritual que é a palavra de Deus, a impossibilidade de se reconciliarem com Ele, a falta de culto e de todo estímulo ao bem, exerce uma influência mortífera sobre a moral do povo. Também o homem instruído está sujeito a tal perigo, mas em menor grau, porque sua educação, sua cultura, o conhecimento teórico da Religião, ajudam de algum modo, a salvá-lo do gelo da indiferença, podendo ele senão de outra forma, associar-se com o pensamento, aos divinos mistérios, que se celebram em outros lugares e nutrir a mente, com leituras morais. Mas o pobre filho da gleba, como poderia ascender a pensamentos assim elevados? Para ele, mais que para os outros, o conceito da religião é inseparavelmente unido ao do Templo e do Padre. Onde todo o aparato religioso sensível se cala, ele pouco a pouco se esquece dos seus deveras para com Deus, e a vida cristã no seu espírito enfraquece e morre. Mas não morre nele a sede da verdade, o desejo do infinito. “O homem, diz um moderno filósofo incrédulo, tem naturalmente necessidade de Religião e de Culto. Ele é religioso por natureza, como por natureza é racional, ou melhor ainda ele é religioso porque é racional”. Esta necessidade é tanto mais sentida quanto menos é possível satisfazê-la. Isto se toca com a mão, em meio aos nossos migrantes, também lá onde, por falta de padre, reina soberano o materialismo mais desprezível. Imaginai quanto esta necessidade deva ser viva naqueles e são a maioria que ainda experimentam a dignidade do próprio ser, ouvem ainda os apelos de sua consciência. 11


- 368 -


“Abandonados, longe, sem sombra de assistência religiosa.”

 

Os pobres camponeses que migram, quando não morrem pelo caminho, ou não sucumbem pelas privações ou pelo desgosto de se verem enganados, pode-se dizer que são abandonados, lá longe, sem sombra de assistência religiosa. É mais fácil imaginar que descrever o seu estado.

Os padres na América não são muito numerosos, e os poucos que existem, quase sempre desconhecendo a nossa língua, não poderiam, nem mesmo cumprir, como desejariam, os seus deveres pela simples razão que não seriam compreendidos pelos migrantes. Penso que, pelos migrantes estarem dispersos nas intermináveis superfícies, o sacerdote não poderia visitá-los, senão algumas vezes, rapidamente. Por isso o italiano que vive na América, é, geralmente falando, quase constrangido a levar uma vida pior que pagã, sem missa, sem sacramentos, sem orações públicas, sem culto, sem palavra de Deus, o que é já muito se batizarem seus filhos. Ora, é claro que semelhante estado de coisas deve conduzir insensivelmente aqueles infelizes a uma terrível indiferença em matéria de religião e a um materialismo embrutecedor (...).

Devemos lembrar-nos de que, na América faltam muitas vezes templos e sacerdotes católicos, a propaganda protestante ou massônica, conforme os lugares, nada deixa a desejar. Lá onde a voz do ministros de Deus não chega, chegam os folhetos descrentes, os romances imorais, os opúsculos e os livros das seitas. Portanto, se de um lado falta toda ajuda religiosa, do outro são abundantes as insídias contra a fé de nossos pobres compatriotas que, ou por interesse ou por ignorância de levianos, deixam-se levar pelos apóstolos do erro. 12

 

“A maior parte dos males poderia ser evitada.”

 

O que mais entristece em tudo isto, é o pensamento de que a maior parte dos males religiosos, morais, econômicos, aos quais a nossa migração se expõe, poderiam ser evitados ou muito diminuidos, se as classes dirigentes, na Itália, fossem conscientes dos deveres que as ligam aos irmãos expatriados, porque as imensas terras da América não são tão nocivas de não poderem oferecer à nossa migração um canto tranqüilo. Nem todas as terras são assim tomadas pela especulação, são férteis e pode-se fazer contrato que assegure um justo salário aos trabalhadores. Tudo depende de saber orientar a nossa migração. Mas quando se faz isto na Itália?


- 369 -


Quando se falou ao migrante: Ide, este ou aquele contrato que vos é oferecido, estas e aquelas regiões que vos indicam, ocultam tais emboscadas. São sem garantia, insalubres, estéreis; ou também sendo férteis, são totalmente fora de qualquer meio de comunicação possível, tão segregada de todo convívio humano, que o fruto de vossas fadigas não poderá ser vendido, ricos e ao mesmo tempo pobres? Quando, se faz isto na Itália? Ao contrário, grita-se um pouco e se geme sob o açoite de algum acontecimento que naqueles nossos irmãos ofende o nosso amor próprio nacional, grita-se tem compaixão e também se reclama, alguma medida ao Governo.E depois? Tudo silencia, tudo se cobre com o esquecimento, tudo volta à calma. A interminável calma da onda que oculta a vítima e prepara as novas! 13

 

 




8. A Itália no exterior, Turim, 1899, pp. 10-11 (conferência feita em Turim, em setembro de 1898). “Simon” ou simum é o vento violento e tórrido do deserto saariano.



9. A migração italiana na América, Placência, 1887, pp. 9-31.



10.   A migração dos trabalhadores italianos, Ferrara, 1899: é o título convencional da Relação que Scalabrini leu no Congresso Católico Nacional de Ferrara em abril de 1899 e publicada nos Atos e documentos do Congresso Católico, Veneza, 1899.



11.   Id.



12.   A migração italiana na América, Placência, 1887, pp. 45-46.



13. A migração dos operários italianos, Ferrara, 1899.






Precedente - Sucessivo

Índice | Palavras: Alfabética - Freqüência - Invertidas - Tamanho - Estatísticas | Ajuda | Biblioteca IntraText

Best viewed with any browser at 800x600 or 768x1024 on Tablet PC
IntraText® (V89) - Some rights reserved by EuloTech SRL - 1996-2007. Content in this page is licensed under a Creative Commons License