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Congregações Scalabrinianas dos Missionários e Missionárias de São Carlos Scalabrini Uma voz atual IntraText CT - Texto |
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c) PASTORAL DOS MIGRANTES
“Para o bem-estar religioso, moral e civil dos nossos migrantes.”
Irmãos e filhos caríssimos, continuai a empregar toda a vossa capacidade e força, para o bem-estar religioso, moral e civil dos nossos compatriotas, procurando manter vivo neles o amor à mãe pátria. Guardai-vos de fomentar entre eles, o que possa separá-los de seus novos concidadãos, e destacá-los de qualquer modo, dos outros fiéis. Cabe a vós fazer com que os italianos não se distin gam, senão por maior respeito à autoridade, por uma conduta mais exemplar, por uma operosidade maior, por uma observância mais exata dos seus deveres, por um apego mais vivo à fé de seus pais. Bons como são e católicos, naturalmente, eles facilmente responderão como fizeram até agora, aos vossos cuidados, contanto que vos vejam laboriosos e desinteressados. Sede para eles modelos em todas as coisas, em fazer o bem, nas palavras, na pureza dos costumes, na gravidade, de tal modo que, como escreve o Apóstolo, quem vos é contrário conserve o respeito, não tendo nada de que falar de vós. A exemplo dele, vos repetirei com S. Bernardo: honrai vosso ministério. Vede que digo ministério e não senhorio, ministério e não vós mesmos. Honrai ainda o vosso ministério, não com vã ostentação, mas com costumes íntegros, com solicitudes espirituais e com obras santas. 13
“Obra de evangelização confiada ao zelo e à sabedoria do episcopado americano.”
Agora posso assegurar que hoje a Sagrada Congregação romana leu com viva satisfação, aquelas belas páginas, nas quais Vossa Excelência tão bem demonstra a importância da obra que empreendi e nas quais faz, justamente, notar que do seu sucesso, não depende somente o futuro de tantos católicos italianos, lançados para além dos mares, pela migração, mas também o sucesso das grandes obras de evangelização confiadas ao zelo e à sabedoria do episcopado americano. De fato, os homens estão muito habituados a deduzir as conclusões lógicas e rigorosas dos fatos que acontecem ao seu redor. Hoje, mais que nunca, o sistema experimental tende a prevalecer. Portanto, é natural que os seus compatriotas protestantes, vendo a ignorância e a indiferença religiosa de um grande número, para não dizer da maioria dos italianos migrantes, concluam que a vida cristã deve ser bem pouco intensa em nosso país, se tantos filhos seus perdem tão facilmente a fé e abandonam a prática dos deveres do cristianismo. Ora, assim como a Itália não é somente um país exclusivamente católico, mas é o centro da nossa Santa Igreja e a residência do seu Chefe Supremo, segue-se, como V. Excelência bem ressalta, que os protestantes são levados a crer que o catolicismo está em decadência e que a causa desta decadência é, sem dúvida, a ausência de fé e de virtude, causada pela incompetência dos padres, ou por sua negligência culpável. Estes erros, sem dúvida, precisam ser combatidos, mas é necessário, sobretudo eliminar as principais causas, que os geram. Ora, da prosperidade e do sucesso da obra que empreendi, depende a cura destes males, que nós deploramo5 e que é igualmente nocivo, para a propagaçao da fé, na América, se não se conservarem as tradições cristãs e os princípios do catolicismo, nos milhões de migrantes italianos, que habitam o continente americano. Por estas razões a Propaganda acolheu a minha obra, com a maior benevolência e vê com satisfação, que ela é apreciada pelo episcopado americano e em particular por V. Excia., que é um dos bispos mais famosos e mais cultos do Novo Mundo. 14
“Exercer livremente o ministério sob a dependência de Vossa Excelência.”
Recebi sua cordialíssima carta de 10 de fevereiro, acompanhada da generosa oferta de mil liras para o nosso instituto. Sinto-me incapaz de agradecer-lhe quanto desejaria, mas o afeto e a gratidão é também boa moeda, e eu entendo pagá-lo com esta, Excelência. Espero que a esta hora o Pe. Marcelino tenha exposto as minhas idéias acerca dos Missionários a serem enviados a Nova Iorque. Espero mandar-lhe três e mais um irmão catequista, dentro de alguns meses mas seria necessário que houvesse ali, uma casa para hospedá-los, devendo, possivelmente levar vida comum, e uma Igreja, que poderia ser o subterrâneo, onde pudessem exercer, livremente, sempre sob a absoluta dependência de Vossa Excelência Reverendíssima, o sagrado ministério. Caso seja possível, conveniente e prudente, subtrair os italianos da jurisdição paroquial e colocá-los aos cuidados espirituais dos nossos Missionários, cada coisa conseguiria sua realização. Mas tudo isto, a critério de V. Excia., que fará o que julgar oportuno, no Senhor. Quanto a mim, desejaria mesmo que o senhor, que merecidamente goza de tanta estima junto à Santa Sé, fosse o primeiro dos Bispos Americanos a abrir uma casa dos nossos padres. É uma obra que quase realizamos juntos, enquanto o senhor se dignou encorajar-me, desde o início e prometer-me seu alto patrocínio. Da casa de Nova Iorque, crescendo os Missionários em numero, poderiam a seguir, se difundir, como de uma central, nas outras dioceses, que lhes pedissem. Depois, em Nova Iorque poder-se-ia também, ao que me parece, abrir alguma escola para os filhos dos italianos, algum jardim de infância, dirigido por Religiosas; constituir os comitês de padroado para os nossos migrantes, a exemplo das Associações de S. Rafael, para os alemães, e como se faz para os irlandeses. 15
“Sem liberdade de ministério consegue-se pouco, ou nada.”
Ao Senhor Arcebispo do Rio de Janeiro pedireis humildemente, se permite aos nossos Missionários retornar à missão de Nova Mântova e às colônias italianas circunvizinhas. Além disso, dar-lhes-ei a conhecer o que o Santo Padre quer a este respeito. Por isso vos transcrevo a seguinte deliberação como se lê na disposição 2978, da Propaganda Fides: “Quanto aos Bispos do Brasi1 o Santo Padre quer que concedam aos missionários as faculdades necessárias, diretamente e sem dependência dos Párocos e de Vigários autóctones, autorizando-os, quando necessário, a separar da circunscrição paroquial, os territórios habitados pelos italianos, constituindo novas paróquias, a serem confiadas à direção dos referidos missionários.” A experiência destes anos demonstrou que sem liberdade de ministério, embora com qualquer dependência dos párocos autóctones, consegue-se, nada, ou bem pouco. O mesmo levareis ao conhecimento ao senhor Bispo de São Paulo, assegurando-lhe ainda que, se aceitar a proposta, lhe serão enviados Missionários verdadeiramente sábios e piedosos. Observar-1he-ei também que se algum missionário não foi bem sucedido, como deveria, encontra uma atenuante na falta de apoio da parte de quem deveria favorecer-lhe. Talvez o seu antecessor, como o falecido Bispo do Rio, não puderam fazer o que teriam desejado fazê-lo. Se puder estender-se até Curitiba, pedireis também àquele Bispo se permite reocupar a Missão já ocupada por Pe. Colbachini, missão com casa, igreja e vários oratórios. Manifestareis também a Ele o desejo do Santo Padre. Em todo caso, seria bom que os bispos acima mencionados colocassem por escrito as condições com que os missionários seriam aceitos e todas as disposições que quisessem tomar para este fim. 16
“Sejam concedidas aos missionários, as faculdades paroquiais.”
Acontece freqüentemente, aos nossos missionários encontrarem muitos italianos em seu caminho. A chegada do homem de Deus passa de boca em boca, como a boa nova, para aqueles míseros que, chorosos e festivos acorrem aos seus passos, porque no padre italiano, não somente vêem reviver as imagens da religião e da pátria, mas sabem colocar em seu seio, aquilo que onera suas consciências, sem dizimar o escasso pão de seus filhinhos. São concubinatos forçados, são filhos ainda não regenerados pelas águas batismais, são os mil casos de consciência de uma vida quase desligada de todo vínculo civil... Mas ai de mim, o pobre Missionário não tem as faculdades, para aquela paróquia, o pároco ou não pode ser interpelado, ou não quer concedê-las (...). Temo ultrajar a perspicácia e o zelo de Vossa Eminência, se eu empregasse palavras para relevar tamanha desordem. Porém, é necessário reparar e logo, porque semelhante vergonha não só torna odiosa a religião e fornece um pretexto aos espíritos desabusados ou maldosos, para combatê-la e esclarecê-la e colocam a dúvida e a descrença naquelas pobres almas simples dos colonos, os quais se habituam a viver sem o padre (não podendo pagar fartamente aquilo que deveria ser gratuito) e que julgando as instituições pelos efeitos práticos, devem tirar bem tristes conseqüências para a sua fé, da evidente impotência do bem e do espírito de desinteresse e de sa~ crifício, contra os males, o egoísmo e a simonia. Termino, pedindo novamente à Vossa Eminência, para que consiga obter quanto já foi decidido a respeito, por esta Sagrada Congregação, isto é, que os bispos do Brasil separem as colônias italianas das paróquias brasileiras, deixando aquelas inteiramente sob a dependência dos Missionários para os italianos migrantes. Compreendo que se trata de coisa muito difícil, mas é preciso tentar conseguir. Proponho e peço, como provisão completamente indispensável, que sejam concedidas aos referidos missionários todas as faculdades paroquiais, no que diz respeito aos colonos italianos, ainda que seja com a obrigação dos mesmos missionários referirem aos respectivos párocos, cópia exata dos batismos conferidos e dos matrimônios celebrados. Se não se obtiver do Episcopado de nenhum modo para os nossos missionários, plena liberdade de ação, nem o exercício absoluto das faculdades paroquiais, acredito que seria melhor retirá-los do Brasil e dar-lhes nova destinação, pois considere um grande prejuízo e uma grande responsabilidade de consciência, desperdiçar forças preciosíssimas, em trabalho santo, mas esterilizado pela má vontade dos homens. 17
“A idéia da nacionalidade.”
A idéia da nacionalidade não é uma idéia convencional, mas real. Vários elementos concorrem para concretizá-la: tradições históricas, comunhão de raças, afeto ao lugar de origem, tradições locais ou de família, glórias e dores comuns etc.... A idéia da nacionalidade é conforme às necessidades do homem e não, sem forte razão, Deus dividiu os homens em nações diferentes, e estabeleceu confins entre os povos e nações. Esta divisão é necessária para o progresso moral e material da humanidade. A diferença de talento das várias linhagens, a admiráve1 variedade de tendências, de aspirações, de afetos, que distinguem um povo de outro, contribuem para criar aquele grande movimento intelectual que faz a humanidade progredir e satisfaz às novas necessidades dos tempos e dos lugares. A divisão dos homens nas várias origens, nas várias nações, gera a emulação, fonte primeira da atividade moral, intelectual e material do gênero humano. Sem dúvida, as lutas e os ciúmes entre nação e nação produzem erros e muitas vezes também injustiças; mas estas lutas mesquinhas, estas condenáveis cobiças não excluem que a grande emulação, entre o povo e povo, a corrida trabalhosa, para o melhor, onde cada um procura preceder o vizinho e o adversário, não sejam fautoras do progresso real e verdadeiro, e portanto do bem. 18
“O ambiente, a educação, as tradições, a religião e a cultura criam o sentimento da nacionalidade.”
O ambiente e a educação, geralmente criam o sentimento de nacionalidade, sentimento providencial que torna cada um feliz por seu próprio país, e que por conseqüência, impede que os cidadãos de uma pátria menos dotada que muitas outras, aspirem a abandonar a pátria para, por capricho, escolher uma outra, em país mais rico, de clima melhor, de comércio mais fácil. Sobre esta conseqüência providencial do amor à pátria, foi-me dado refletir muitas vezes, ao atravessar países infelizes, seja pela esterilidade do terreno, como pela escassa beleza de lugares, ou também por um número de circunstâncias que os tornam feios e desanimados. Por todas as partes encontrei os autóctones animados de afeto, pelo solo nativo e disse a mim mesmo: — Que felicidade! Que providencial disposição de Deus! Se aqueles vissem a sua pátria com os olhos com que eu a vejo, abandoná-la-iam imediatamente, e então teremos lugares inabitados e outros, onde os homens se degolariam para ocupar um lugar: em um mesmo país, teremos regiões desertas e outras super povoadas. Ao contrário, as tradições familiares, de juventude, o ambiente moral e material, a parentela, os costumes fazem esquecer os mais graves inconvenientes, os quais não conseguem matar, nem mesmo enfraquecer o amor à pátria, que é o fundamento da teoria da nacionalidade. Considerando bem as coisas, a Religião tem muito, ou melhor, talvez, a parte principal, no sentimento de nacionalidade, mas não é a única a constituir a idéia nacional. É o complexo moral, religioso e material do ambiente pátrio que constitui esta idéia, da qual vimos antes o benefício e providencial efeito, para a paz do mundo e a felicidade dos homens. A cultura de um povo aumenta nele o sentimento de nacionalidade, porque o determina, da melhor forma em sua mente. Aí nós vemos, que, com o progredir dos tempos, a aversão a toda dominação estrangeira tomou-se irresistível e aqueles mesmos povos como o italiano e o eslavo do sul, que no passado tanto suporta ram, hoje se opõem vigorosamente àquilo que mais ou menos toleravam, ontem. 19 “A influência que o sentimento nacionalista pode exercer sobre a idéia religiosa.”
Muito se poderia dizer sobre a influência que o sentimento nacionalista pode exercer sobre a idéia religiosa, ou melhor sobre a Religião de um povo e dos cidadãos que o compõem. É suficiente, porém, repetir quanto foi dito acima, ou seja, já que o ambiente, a educação e as tradições históricas e de família são poderosas, antes, fatores exclusivos da idéia nacionalista, a Religião tem a principal parte entre as causas que dão origem ao amor pátrioe a idéia nacional. O homem tem dois grandes afetos que o acompanham, em toda parte, o amor de Deus, dos pais e da família. Ambos formam junto a algum elemento, a idéia da nacionalidade. Por isso, até que o homem permaneça, embora passivamente, fiel à religião de seus pais, experimenta o amor da família e com ele o amor da pátrai. O homem que abandona a religião, o apóstata, abandona também o sentimento nacional. Daí deve-se concluir que a fidelidade à religião traz consigo a fidelidade à pátria, a menos que um conflito fatal, colocando em choque os dois grandes afetos de religião e pátria, não impulsione os iludidos a sacrificarem o primeiro ao segundo, coisa que invariavelmente aconteceu no passado, onde o conflito foi contínuo. As grandes agitações religiosas tiveram esta origem. O cisma da Igreja Oriental foi provocado, em grande parte, pela intolerância dos Orientais em obedecer Roma (...). Assim uma após outra, perderam-se as Igrejas Orientais e tanto este fato é verdadeiro que Leão XIII o reconheceu, quando, para reconduzir estas Igrejas à suspirada unidade, ordenou que fossem respeitados os ritos e as tradições antigas, não diferentes da doutrina católica e proibiu formalmente, que se latinizassem os orientais convertidos a fim de lhes fazer compreender que no catolicismo todos os povos têm direito de cidadania e que, como religião universal, ela respeita todas as nações e seus direitos, as suas legítimas aspirações, o seu patriotismo. Também a heresia protestante foi sustentada pelo sentimento nacionalista mal interpretado. As tradições de Armínio, o desejo de esmagar o Papado, considerado como instituição latina, e portanto aquilo que muitos alemães chamam ainda “a maldade latina”, foi suficiente para expandir o protestantismo não só na Alemanha, mas nos países escandinavos e na Inglaterra. O Papa apresentado como soberano estrangeiro, embora espiritual, foi o suficiente para instigá-los contra o sentimento nacionalista e isto foi suficiente, para fortificar por muito tempo a heresia (...). Assim, igualmente, se o catolicismo se mantém seguro na Irlanda e na Polônia, é porque o anglicanismo e o cisma são religiões dos conquistadores estrangeiros e porque o povo vê, na Religião Católica a salvaguar da da Pátria. E por isto em tempos idos, antes da emancipação dos católicos (1827) os ingleses quiseram protestantizar a Irlanda a ferro e fogo, certos de que abandonando a religião de seus pais, os irlandeses teriam também perdido o sentimento nacional. O mesmo fizeram os russos sem maior sucesso, na Polônia. Aqueles não se acreditaram seguros, porque viam no catolicismo o fundamento do sentimento pátrio na Polônia, e pensavam que esmagado aquele, este diminuiria, se produziria a completa assimilação, entre conquistadores e conquistados. 20
“A idéia nacional influi sobre a conservação ou a perda da fé.”
Não existe dúvida de que a idéia de nacionalidade seja um dos sentimentos chamados a exercer grande e às vezes, decisiva influência sobre a conservação ou perda da fé de um povo. Do mesmo modo que as idéias filosóficas têm a sua repercussão na vida social de um povo, como comprova a história antiga e moderna, a idéia nacionalista sempre influiu sobre o sentimento religioso e tanto mais influiu, quanto mais vivo o sentimento patriótico. O que consolidou o cisma e deu tanta força ao protestantismo foi o conceito de que as duas formas de cristianismo foram garantia de independência nacional. Os grandes fundadores de religiões, quase sempre procuram colocar juntos os conceitos de pátria e de religião, a fim de que o sentimento nacionalista sustente a fé do povo e seja a alavanca, com a qual se possa levantar do antigo estado, para arrastá-lo no novo caminho e atá-lo ao seu carro (...). Infelizmente, toda vez que o sentimento religioso apareceu em conflito com a idéia nacionalista, esta se rebelou, e como os homens são mais sensíveis às coisas concretas que às abstratas impe rou a apostasia das nações e o indiferentismo mais ou menos hostil (...). A idéia nacional influi sobre a conservação ou a perda da fé de um povo, ou melhor, é elemento fundamental da fidelidade deste povo, à Igreja, ou de sua apostasia. Isto vale tanto para as nações, tomadas no aspecto geral, como para os indivíduos. Mais particularmente nestes é certo que se evidenciam os mesmos sintomas, que no inteiro corpo social e nacional. Enquanto o homem vive no próprio país, mais ou menos conserva os sentimentos comuns à maioria de seus compatriotas. Existem exceções, mas elas não mudam a regra. Para o migrante a coisa muda. Ele vive atirado, em terra estrangeira e como que afogado no grande mar de um outro povo, ou nos países mistos, de mais povos que tem costumes, tradições e hábitos totalmente diferentes dos seus 21
“O que mantém a vida católica é o ambiente religioso.”
Talvez a fé seja a coisa que um católico perde, mais facilmente, em terra estrangeira, quando o país em que habita seja cristão, mas heterodoxo. O que mantém a vida católica é o ambiente religioso. As idéias são patrimônio de poucos. Um pensador pode ser católico em Roma, em Nova Iorque, entre os lapões, os esquimós, os chineses e os turcos. Um operário que não pensa, e que é dominado pelas idéias materiais, não se mantém, na religião de seus pais, quando se encontra lançado, em terra estrangeira, senão com a condicão de encontrar ali, alguma coisa que lhe recorde o ambiente que deixou, abandonando a pátria, e conservando um afeto intenso e inalterávelmal, por suas tradições nacionais. Por isso, também nos países católicos, como a América do Sul, o sentimento nacionalista vem sustentar o sentimento religioso e o pobre migrante tem necessidade, não só da assistência de um sacerdote católico, mas do afetuoso cuidado de um apóstolo, que cultive nele as antigas tradições da pátria e da família, que são o fundamento de sua fé. 22
“Se o migrante conserva as tradições, permanecerá católico.”
Se ele conserva as tradições pátrias, permanecerá católico, se as perde tornar-se-á protestante, insensivelmente, nos países protestantes; maçon ou indiferente nos países católicos, ainda mais, porque não faltarão incentivos, também da parte de compatriotas transviados, para arrastá-lo à apostasia. Mas a tradição é o maior obstáculo para esta apostasia, o povo que não pensa, portanto, está sujeito à menor variedade de sentimentos, é mais firme nas tradições que a pessoa culta, mas, vice-versa, quando neles estes sentimentos tradicionais se enfraquecem esta memória perene do solo nativo, que se sintetiza, na casa paterna, na Igreja, nas sagradas funções, no pároco, ele se transforma, radicalmente e assimila-se ao novo ambiente, ou perde todo princípio, torna-se um isolado, um homem para si mesmo, todo voltado à materialidade, sem ideais e sem princípios sobrenaturais. 23
“O homem não pode viver abandonado e isolado.”
O operário que perde as tradições nacionais, perde em grande parte a razão de ser de sua fé e ao contrário, quando mantém intacta a fé, conserva também intacta as tradições nacionais. Os milhões de católicos italianos, espanhóis, alemães etc. que se perderam no grande mar do protestantismo ou do indiferentismo da América do Norte, se perderam, porque desde que desembarcaram naquela terra longínqua e estrangeira, sentiram-se abandonados e isolados. Ora, o homem não pode viver por muito tempo abandonado e isolado. O homem é essencialmente um ser social. Pode resistir por um pouco, o isolamento, mas quando, em terra estrangeira, não experimenta saudades, acaba por se adaptar ao ambiente e quando, como a maioria dos nossos migrantes, é ignorante com os novos hábitos nacionais, toma também os hábitos religiosos da nova pátria, apostatando dos dois grandes sentimentos do coração humano: o nacional e o religioso. 24
“Considero necessárias as escolas.”
Considero necessárias as escolas italianas aqui, porque só a língua nacional poderá dar aquela unidade e aquela força que atualmente faltam a numerosíssimas populações de migrantes. Todas as crianças devem saber falar a língua italiana e, por meio dela, todos devem aprender a história pátria e devem saber nutrir no coração, o ideal que nos une a ela. Atravessando o Oceano no “Liguria”, não fiz senão confessar, um por um, os mais de mil migrantes que viajavam comigo. Quanta emoção, quantas lágrimas vi correr dos olhos daquela pobre gente, quase toda siciliana! Eles escutavam minhas palavras que recordavam a pátria que eles abandonaram. A bordo do “Liguria”, em alto mar, sob o toldo onde tinham preparado um altar, com a mitra e com o báculo, rezei solene missa e distribuí a primeira comunhão aos pequenos migrantes e conferi o crisma. Depois fiz a prregação. Não desaparecerá mais do meu coração e da mente a lembrança daqueles momentos: falei àqueles italianos da Pátria e da Religião: vi-os todos chorarem! Oh! por que estes mesmos sentimentos não permanecem íntegros naqueles corações, no futuro? Por que descuidar de conservar viva neles a língua italiana? Eu vim aqui “para fazer” e todos os meus esforços estão voltados para que nesta ordem de idéias entre também o clero americano. Falei sobre isto também a Dom Corrigan: reputo necessário que os italianos, antes de tudo, para que a mesma fé religiosa seja difundida e reforçada entre eles, se conservem unidos, conservando a língua pátria. Penso ser necessário que também entre americanos ninguém contradiga este propósito. 25
“Escola e Irmãs.”
Eu rezarei por todos vós, porque desejo que esta colônia de Boston se torne a mais florescente e a mais religiosa dos Estados Unidos. Mas, para que possais obter esta graça, deveis manter viva a idéia da Escola Italiana e das Irmãs. 26
“Catecismo único.”
Os próprios missionários encontram grande dificuldade na instrução catequetica, dada a multiplicidade de textos usados nas várias dioceses. Portanto seria necessário adotar um único e poderia muito bem ser aquele de Placência, adotado por grande parte das dioceses da Alta Itália e também do Piemonte. Que diz Vossa Eminência? Mas penso que o Santo Padre satisfará o mais breve possível, o desejo universal de um catecismo único, e então toda questão estará resolvida. 27
“Acompanhar os migrantes tanto quando vão, quanto no seu retorno.”
Eminência, existe quem diz que acompanhar os migrante5 tanto quando vão, como quando retornam, é obra de grande importância e caridade, sobretudo agora que os episcopais estabele. ceram suas missões, nos navios italianos, como ficou decidido no sínodo realizado em S. Francisco, em setembro passado. A fim de paralisar, tanto quanto possível, sua nefasta obra, informei sobre isto as várias direcões, as quais darão ordens oportunas a este respeito, porém mais que tudo, haverá assistência do padre católico. 28
“A necessidade de um orfanato italiano.”
Parto de São Paulo, muito contente por ter combinado com este excelente Bispo várias coisas, que serão de grande proveito, para as almas de nossos compatriotas aqui, mais que na Itália, sedentos da palavra de Deus e de Sacramentos. Estão nesta Diocese mais de duas mil fazendas que os Missionários de São Carlos como verdadeiros apóstolos, percorrem incansáveis, com a maior freqüência possível, mas não certamente mais de uma vez por ano, apesar de serem doze. É necessário aumentar o número também, para providenciar melhor assistência destas importantes obras de caridade, criadas por eles há dez anos. Os órfãos italianos acabavam todos de maneira ignominiosa. Os primeiros missionários enviados para cá perceberam logo a necessidade de um orfanato italiano: corajosamente colocaram mãos à obra e Deus lhes veio em auxílio. São 802 os jovens já recolhidos, instruídos e com o aprendizado de um ofício: e são 242 jovens que estão aqui, divididos em dois estabelecimentos, grandes e bem situados fora da cidade, onde eles estudam, rezam, aprendem um ofício, aqui em casa e se preparam para serem bons cristãos. Vivem de esmola que os missionários recolhem, nas suas contínuas peregrinações apostólicas. Aquilo que mais me surpreende é que não têm dívida de nenhuma espécie. É Deus que vê e provê. 29 “Um hospital, símbolo de união e de paz.”
O vosso desejo de ver concretizada a ereção de um hospital, para os italianos não poderia ser mais legítimo, mais santo, mais oportuno, e eu não posso senão abençoá-lo. Certamente nada agrada tanto a Deus, quanto o cuidado dos enfermos. É uma das formas mais belas da vida cristã e civil (...). Mas o cuidado dos enfermos, útil e louvável, em todo lugar e sob todas as formas, torna-se uma necessidade absoluta entre os que estão fora da pátria. Um dever essencial entre aqueles, para os quais a nacionalidade deve ser um vínculo fortíssimo e deve ocupar o lugar da família, na pátria. Vós tendes muito bem acenado, honrados senhores, na Vossa caríssima carta. Em uma sociedade como a desta considerável metrópole, onde cada nacionalidade tem os seus templos e os seus hospitais, seria para a colônia uma desonra, não tê-lo. Suna portanto, e suna logo, fruto da inteligência e da eficaz cooperação de todos, o pio edifício idealizado, e seja em vosso meio um perene símbolo de união e de paz. Convém que no terreno da caridade, toda divisão seja extirpada, toda iniciativa tenha passagem livre, sem exclusão ou preferência, sem consideração de partidos, sem nenhuma distincão. 30
“Meios de difusão.”
Interessa, em grande parte, tornar conhecido ao público, e especialmente aos homens da Igreja, a grandeza da necessidade espiritual em que se encontram os migrantes italianos, na América, e a urgência de providenciar. Isto favoreceria imensamente a partida dos sacerdotes, a instituição dos comitês, dos quais se falou antes, e os outros meios de difusão que se costuma utilizar, para coisas semelhantes, sem esquecer os periódicos religiosos, e qualquer opúsculo especial, fartamente distribuído a fim de colocar a par dos fatos, o público católico italiano. O Sr. Gladstone, para trazer um exemplo de outro campo, não tendo conseguido como ministro, e com os fortes meios com que dispunha, a libertação da Irlanda, tenta obtê-la agora esclacendo o povo inglês com o opúsculo: A história de uma idéia. Se outros pensam em facilitar e facilitarão a consecução do seu fim, isto é, a libertação de um povo do jugo político, por meio da imprensa, porque esta não deverá servir para facilitar a libertação de nossos co-nacionais de uma escravidão, muito mais prejudicial? 31
d) A MIGRAÇÃO, PROBLEMA DE TODA A IGREJA
“Uma Congregação, que em nome do Santo Padre, ordenasse as providências para o caso.”
E agora me permito, Santo Padre, expor-lhe minha idéia. Vossa Santidade se propôs o sublime e fecundo programa: Instaurar tudo em Cristo. Agora a Igreja, que com a admirável Instituicão de Propaganda Fidei gasta tanto dinheiro e emprega tantos padres na difusão da fé, entre os infiéis, não fará algo semelhante, para a conservação da fé entre os migrantes de todas as nações e de todas as regiões católicas: italianos, alemães, espanhóis, portugueses, canadenses etc.? Uma Congregação especial que se dedique a este problema, o maior do nosso século, obteria honra para a Santa Sé Apostólica, aproximando os povos, como terna mãe e produziria um bem imenso. Nos Estados Unidos da América do Norte atingem milhões as perdas do catolicismo, certamente mais numerosas que as conversões dos infiéis, realizadas pelas nossas missões, em três séculos, e apesar das aparências, continuam ainda. O protestantismo trabalha lá e trabalha também aqui, para perverter as almas. Ora, uma Congregação que se colocasse em relação com os Bispos, dos quais partem e com aqueles junto aos quais chegam os migrantes católicos, e caso isto não seja suficiente, com os respectivos governos. Que ela estudasse em cada uma de suas partes, o árduo e complexo problema da migração, aproveitando-se, para isto, dos estudos antigos e modernos e em nome do Santo Padre tomasse as providências para o caso, seria uma bênção para o mundo e bastaria para tornar glorioso o vosso Pontificado. Perdoai, Santo Padre, a minha audácia de filho devoto e reconhecido, que daria por vós e por Vossa causa o sangue e a vida, e dignai-vos continuar com vossa santa bênção, que cada dia recebo ajoelhado, com profunda emoção, para que possa cumprir, com o auxílio divino, as obras, para as quais vim e assim na solenidade dos Santos possa encontrar-me em meio ao meu caríssimo povo. 32
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13. Aos missionários para os italianos nas Américas, Placência, 1892, 11-12. 14. Carta a D. J. Treland, 12-3-1889 (AGS 3/1). D. Ireland, arcebispo de S. Paulo, Minnesota, foi o principal interlocutor estadunidense da S. Sé, sobre problemas da migração. 15. Carta a Dom M. A. Corrigan, 27-2-1888. (Arquivos diocesanos de Nova Iorque). O Arcebispo de Nova Iorque foi o primeiro a solicitar o envio de missionários Scalabrinianos para a América. Pe. Marcelino Moroni foi enviado, por Scalabrini a Nova Iorque, para preparar a chegada dos primeiros missionários. 16. Carta a Pe. Marchetti, 26-12-1884 (AGS 3023/2). “A missão de Nova Mântova etc.”, foi aberta em 1888 pelos scalabrinianos no Estado do Espírito Santo. Pe. Pedro Colbachini teve de abandonar as “colônias de Curitiba em 1894 por razões políticas. Pe. José fundou o Orfanato Cristóvão Colombo, de São Paulo. 17. Carta ao Card. G. Simeoni, 4-9-1889 (AGS 3/1). 18. Memorial sobre a necessidade de proteger a nacionalidade dos migrantes — A Leão XIII. Esboço de 1891 (AGS 3014/1). Em março de 1891 Scalabrini foi encarregado por Leão XIII de elaborar um memorial “sobre a necessidade de proteger as várias nacionalidades” dos migrantes. O memorial foi escrito pelo marquês G. B. Volpelandi, sob inspiração, senão ditado, por Scalabrini. 19. Id. 20. Id. 21. Id. 22. Id. 23. “O Progresso Ítalo-Americano”, 7-8-1901, p. 1. 24. Carta aos italianos de Boston, 28-10-1891, citado por V. Gregori, vinte e cinco anos de missão entre os imigrantes italianos de Boston, Mass. 1888-1913. Milão, 1913, p. 246. 25. Carta ao Card. A. Agliardi, 1898 (AOS 3020/2). 26. Carta a E. Schiaparelli, 30-1-1888 (AOS 2/1). O egiptólogo Ernesto Schiaparelli era secretário da Associação Nacional, para socorrer os missionários católicos italianos de Florença e foi o primeiro secretário da Obra Bonomelli. 27. Carta ao Card. G. Simeoni, 12-10-1890 (AGS 4/1). O Cardeal respondeu afirmativamente. 28. Carta ao Card. M. Ledóchowski, 17-2-1902 (AGS 9/2). O Card Miecislao Ledóchowski sucedeu ao Card. João Simeoni, como Prefeito de Propaganda Fide. 29. Carta a Pio X, 22-7-1904 (AGS 3019/3). 30. Carta a um comitê italiano de Nova lorque, 10-12-1890 (AGS 3/2). O Hospital Cristóvão Colombo foi aberto por Pe. Felice Morelli boteriormente adquirido por Sta. Francisca Xavier Cabrini. 31. Carta ao Card. G. Simeoni, 16-2-1887 (AGS 1/1). 32. Carta a Pio X, 22-7-1904 (AGS 3019/3). |
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