Excelência
Queridos Irmãos!
Antes de tudo gostaria de expressar a minha alegria e gratidão por esta
possibilidade de me encontrar convosco. Quando se é Papa existe o perigo que se
esteja um pouco distante da vida real, da vida de todos os dias, sobretudo
também dos sacerdotes que trabalham na primeira linha, precisamente no "Vale",
em tantas paróquias e agora, como disse Sua Excelência, com a falta de
vocações, também em condições de empenho físico particularmente intenso.
É para mim uma graça poder encontrar nesta bonita Igreja os sacerdotes e o
presbitério deste Vale. Desejo agradecer-vos porque viestes; também para vós é
tempo de férias. Ver-vos reunidos, e ver-me unido a vós, estar próximo dos
sacerdotes que trabalham dia após dia para o Senhor como semeadores da Palavra,
é para mim um conforto e uma alegria. Sentimos na semana passada duas ou três
vezes, parece-me, esta parábola do semeador que já é uma parábola de conforto
numa situação diferente, mas num certo sentido também semelhante à nossa.
O trabalho do Senhor tinha começado com grande entusiasmo. Via-se que os
doentes se tinham curado, todos escutavam com alegria a palavra: "O Reino
de Deus está próximo".
Verdadeiramente, parecia que a mudança do mundo e o advento do Reino de Deus
seria iminente; que, por fim, a tristeza do povo de Deus teria mudado em alegria. Havia a expectativa de um mensageiro de Deus que teria assumido o timão da história.
Mas depois viam que, de facto, os doentes se tinham curado, os demónios tinham
sido expulsos, o Evangelho anunciado mas, no restante, o mundo permanecia como
era. Nada mudava. Os romanos ainda dominavam. A vida era difícil todos os dias,
apesar destes sinais, estas belas palavras. E assim o entusiasmo esvaecia e, no
final, como sabemos pelo sexto capítulo de João, também os discípulos
abandonaram este Pregador que anunciava, mas não mudava o mundo.
O que é esta mensagem? O que traz este profeta de Deus?, perguntam por fim
todos. O Senhor fala do semeador que semeia no campo do mundo. E a semente
assemelha-se à sua Palavra, como as curas, uma coisa verdadeiramente pequena
comparando-a com a realidade histórica e política. Assim como a semente é
pequena, que se pode descuidar, também a Palavra se pode descuidar.
Contudo, diz, na semente está presente o futuro porque a semente traz em si
o pão de amanhã, a vida de amanhã. A semente parece quase nada, mas é a
presença do futuro, é promessa já presente hoje. E assim, com esta parábola
diz: estamos no tempo da sementeira, a Palavra de Deus parece só palavra, quase
nada. Mas tende coragem, esta Palavra traz em si a vida! E dá fruto! A parábola
diz também que grande parte da semente não dá fruto porque caiu na estrada, na
terra pedregosa, etc. Mas a parte que caiu na terra boa dá trinta, sessenta,
cem vezes mais.
Isto faz compreender que devemos ser corajosos também se a Palavra de Deus,
o Reino de Deus, parece não ter importância histórico-política. No final,
Jesus, no Domigo de Ramos, sintetizou todos estes ensinamentos sobre a
semente da palavra: se o grão de mostarda não cair na terra nem morrer
permanece só, se cair na terra e morrer dá muito fruto. Fez compreender assim
que Ele mesmo é o grão de mostarda que cai na terra e morre. Na crucifixão tudo
parece ter malogrado, mas precisamente assim, caindo na terra, morrendo, no
Caminho da Cruz, dá fruto para todos os tempos, para sempre. Temos aqui também
a finalidade cristológica segundo a qual o próprio Cristo é a semente, é o
Reino presente, quer também a dimensão eucarística: este grão cai na terra e
assim cresce o novo Pão, o Pão da vida futura, a Sagrada Eucaristia que nos
alimenta e que se abre aos mistérios divinos, para a vida nova.
Parece-me que na história da Igreja, de formas diversas, sempre existiram
estas questões que nos atormentam realmente: que fazer? Parece que o povo não
tem necessidade de nós, tudo o que fazemos parece inútil. Contudo aprendemos da
Palavra do Senhor que só esta semente transforma sempre de novo a terra e a
abre para a vida verdadeira.
Desejo, brevemente na medida do possível, responder às palavras de Sua
Excelência, mas gostaria de dizer também que o Papa não é um oráculo, é
infalível em situações raríssimas, como sabemos. Portanto, partilho convosco
estas perguntas, estas questões. Também eu sofro. Mas todos juntos queremos,
por um lado, sofrer com estes problemas e também sofrendo transformar os
problemas, porque precisamente o sofrimento é o caminho da transformação e sem
sofrimento nada se transforma.
Este é também o sentido da parábola do grão de mostrada que caiu na terra:
só num processo de transformação sofrida se obtém o fruto e se apresenta a solução.
E se não fosse para nós um sofrimento a aparente ineficiência da nossa pregação
seria um sinal de uma falta de fé, de compromisso verdadeiro. Devemos
comprometer-nos com estas dificuldades do nosso tempo e transformá-las sofrendo
com Cristo e, assim, transformar-nos a nós mesmos. E na medida em que nos
transformamos, podemos também responder à pergunta feita acima, também podemos
ver a presença do Reino de Deus e mostrá-la aos outros.
O primeiro ponto é um problema que se apresenta em todo o mundo ocidental: a
falta de vocações. Nas últimas semanas, tive as Visitas "ad Limina"
dos Bispos do Sri Lanka e da parte Sul da África. Ali as vocações aumentam,
aliás, são tão numerosas que não podem construir Seminários suficientes para
acolher estes jovens que desejam ser sacerdotes. Naturalmente também esta
alegria traz consigo uma certa amargura porque uma parte vem na esperança de
uma promoção social. Fazendo-se sacerdotes tornam-se quase chefes da tribo,
naturalmente são privilegiados, têm outra forma de vida, etc. Por conseguinte,
erva daninha e grão caminham juntos neste bonito crescimento das vocações e os
Bispos devem estar muito atentos no discernimento e não sentir-se simplesmente
contentes por ter muitos sacerdotes futuros, mas ver quais são realmente as
verdadeiras vocações, discernir entre erva daninha e grão bom.
Há contudo um certo entusiasmo da fé porque se encontram num determinado
momento da história, isto é, no momento em que as religiões tradicionais
obviamente se revelam não ser suficientes. E compreende-se, vê-se, que estas
religiões tradicionais têm em si uma promessa, mas esperam algo. Esperam uma
nova resposta que purifica e, digamos, assume em si tudo o que há de belo e
liberta tais aspectos insuficientes e negativos. Neste momento de passagem onde
realmente a sua cultura tende para uma hora nova da história, as duas ofertas
cristianismo e islão são as possíveis respostas históricas.
Por isso, existe naqueles Países, num certo sentido, uma primavera da fé,
mas naturalmente no contexto da concorrência entre estas duas respostas,
sobretudo também no contexto do sofrimento das seitas, que se apresentam como a
resposta cristã melhor, mais fácil, mais indulgente. Por conseguinte, também
numa história de promessa, num momento de primavera, permanece difícil o
compromisso daquele que deve semear com Cristo a Palavra e, digamos, construir
a Igreja.
É diferente a situação no mundo ocidental, que não é um mundo cansado da sua
própria cultura, mas um mundo que chegou a um momento em que já não é evidente
a necessidade de Deus, muito menos de Cristo, e por conseguinte, no qual parece
que o próprio homem poderia construir-se por si mesmo. Neste clima de um
racionalismo que se fecha em si, que considera o modelo das ciências o único
modelo de conhecimento, tudo parece ser subjectivo. Naturalmente, também a vida
cristã se torna uma escolha subjectiva, por conseguinte arbitrária e já não o
caminho da vida. Por isso torna-se difícil crer e se é difícil crer é muito
mais difícil oferecer a vida ao Senhor para ser seu servo.
Sem dúvida isto é um sofrimento posto no nosso momento histórico, no qual
geralmente se vê que as chamadas grandes Igrejas se apresentam moribundas.
Assim é sobretudo na Áustria, também na Europa, em menor medida nos Estados
Unidos.
Ao contrário, crescem as seitas, as quais se apresentam com a certeza de um
mínimo de fé e o homem procura certezas. E portanto as grandes Igrejas,
sobretudo as grandes Igrejas tradicionais protestantes, encontram-se realmente
numa crise profundíssima. As seitas têm a supremacia porque se apresentam com
certezas simples, poucas, e dizem: isto é suficiente.
A Igreja Católica não está tão mal como as grandes Igrejas protestantes
históricas, mas naturalmente partilha o problema do nosso momento histórico.
Penso que não há um sistema para uma mudança rápida. Devemos ir além,
ultrapassar esta galeria, este túnel, com paciência, na certeza de que Cristo é
a resposta e de que no fim aparecerá de novo a sua luz.
Então a primeira resposta é a paciência, na certeza de que sem Deus o mundo
não pode viver, o Deus da Revelação e não um Deus qualquer: vemos como um Deus
cruel, um Deus não verdadeiro, pode ser perigoso o Deus que mostrou, em Jesus Cristo, o seu Rosto. Este Rosto que sofreu por nós, este Rosto de amor que transforma o
mundo no mundo do grão que caiu na terra.
Portanto, nós mesmos devemos ter esta profundíssima certeza que Cristo é a
resposta e sem o Deus concreto, o Deus com o Rosto de Cristo, o mundo
autodestrói-se e cresce também a evidência de que um racionalismo fechado, que
pensa que o homem sozinho poderia reconstruir o verdadeiro mundo melhor, não é
verdade. Ao contrário, se não há a medida de Deus verdadeiro, o homem
autodestrói-se. Vemo-lo com os nossos olhos.
Nós próprios devemos ter uma renovada certeza: Ele é a Verdade e unicamente
caminhando pelas suas pegadas vamos na direcção justa e devemos caminhar e
guiar os outros nesta direcção.
O primeiro ponto da minha resposta é: em todo este sofrimento não se deve
perder a certeza de que Cristo é realmente o Rosto de Deus, mas devemos
aprofundar esta certeza e a alegria de a conhecer e, desta forma, sermos
realmente ministros do futuro do mundo, do futuro de cada homem. E devemos
aprofundar esta certeza numa relação pessoal e profunda com o Senhor.
Porque a certeza pode crescer também com considerações racionais.
Verdadeiramente parece-me muito importante uma reflexão sincera que convence
também racionalmente, mas se torna pessoal, forte e exigente devido a uma
amizade vivida pessoalmente todos os dias com Cristo.
Por conseguinte, a certeza exige esta personalização da nossa fé, da nossa
amizade com o Senhor e assim crescem também novas vocações. Vemos isto na nova
geração depois da grande crise desta luta desencadeada em 68 onde parecia
realmente ter passado a era histórica do cristianismo.
Vemos que as promessas de 68 não se mantêm e renasce, digamos, a consciência
de que há outro modo mais complexo porque exige estas transformações do nosso
coração, mas mais verdadeiro, e assim surgem também novas vocações. E nós
mesmos devemos encontrar também a fantasia para ajudar os jovens a encontrar
este caminho para o futuro. Este aspecto também foi realçado no diálogo com os
Bispos africanos. Apesar do número de sacerdotes muitos estão condenados a uma
solidão terrível e moralmente muitos não sobrevivem.
E, por conseguinte, é importante ter à sua volta a realidade do presbitério,
da comunidade de sacerdotes que se ajudam, que estão juntos num caminho comum,
numa solidariedade na fé comum. Também isto me parece importante porque se os
jovens vêem sacerdotes muito isolados, tristes, cansados, pensam: se este é o
meu futuro não é para mim. Deve criar-se realmente esta comunhão de vida que
demonstra aos jovens: sim, este pode ser um futuro também para mim, assim posso
viver.
Prolonguei-me demasiado. Sobre o segundo ponto, mesmo se em parte, parece
que já disse algo.
É verdade: ao povo, sobretudo aos responsáveis do mundo, a Igreja parece uma
coisa antiquada, as nossas propostas não parecem necessárias. Comportam-se como
se pudessem, ou quisessem viver sem a nossa palavra e pensando sempre que não
precisam de nós. Não procuram a nossa palavra.
Esta é uma verdade que nos faz sofrer, mas também faz parte desta situação
histórica de uma certa visão antropológica, segundo a qual o homem deve fazer
as coisas como disse Karl Marx: a Igreja teve 1800 anos para mostrar que teria
mudado o mundo e não fez nada, agora fazemo-lo nós sozinhos.
Esta é uma ideia muito difundida e apoiada também com filosofias e assim se
compreende a impressão que muitas pessoas têm de que se pode viver sem a
Igreja, a qual parece pertencer ao passado. Mas torna-se sempre mais evidente
que só os valores morais e as convicções fortes dão a possibilidade, também com
sacrifícios, de viver e construir o mundo. Não se pode construir um mundo
mecânico como propôs Karl Marx com a teoria do capital e da propriedade, etc.
Se não existem as forças morais nos corações e não há disponibilidade para
sofrer também por estes valores não se constrói um mundo melhor, ao contrário,
o mundo piora de dia para dia, o egoísmo domina e destrói tudo. E vendo isto,
surge de novo a pergunta: mas de onde provêm as forças que nos tornam capazes
de sofrer também pelo bem, pelo bem que faz mal antes de tudo a mim, que não
tem uma utilidade imediata? Onde estão os recursos, as nascentes? De onde vem a
força para dar continuidade a estes valores?
Vemos que a moralidade como tal não vive, não é eficiente se não tem um
fundamento mais profundo em convicções que dão realmente certeza e também força
para sofrer porque, ao mesmo tempo, fazem parte de um amor, um amor que no
sofrimento cresce e é substância da vida. De facto, no final, só o amor nos faz
viver e o amor é sempre também sofrimento: matura no sofrimento e dá a força
para sofrer pelo bem sem me ter em consideração neste meu actual momento.
Parece-me que esta consciência cresce porque já se vêem os efeitos de uma
condição na qual não se encontram as forças que provêm de um amor que é
substância da minha vida e que me dá a força de conduzir a luta pelo bem.
Também neste aspecto, evidentemente, devemos ter paciência, ter uma paciência
activa para fazer compreender às pessoas: precisais disto.
E mesmo se não se convertem imediatamente, pelo menos aproximam-se daquele
grupo que, na Igreja, tem esta força interior. A Igreja conheceu sempre este
grupo forte interiormente que transmite realmente a força da fé e pessoas que
se afeiçoam e se deixam guiar, e desta forma participam.
Penso na parábola do Senhor sobre o grão de mostarda tão pequenino que
depois se torna uma árvore frondosa na qual até os passarinhos do céu nela
encontram lugar. Diria que estes passarinhos podem ser as pessoas que ainda não
se convertem, mas pelo menos pousam na árvore da Igreja. Fiz esta reflexão: no
tempo do iluminismo, no momento em que a fé estava dividida entre católicos e
protestantes, pensou-se que seria necessário conservar os valores morais comuns
dando-lhes um fundamento suficiente. Pensou-se: devemos tornar os valores
morais independentes das confissões religiosas, de modo que eles resistam
"etsi Deus non daretur".
Encontramo-nos hoje na situação contrária, a situação inverteu-se. Não são
realçados os valores morais. Só se tornam evidentes se Deus existe. Portanto,
sugeri que os leigos, os chamados leigos, reflectissem se para eles hoje não é
válido o contrário: devemos viver "quasi Deus daretur", mesmo se não
temos a força para crer devemos viver sobre esta hipótese, caso contrário o
mundo não funciona. Parece-me que este seria um primeiro passo para se
aproximarem da fé. Vejo em tantos contactos que, graças a Deus, aumenta o
diálogo pelo menos com parte do laicismo.
Terceiro ponto: a situação dos sacerdotes que se tornaram poucos e devem
trabalhar em três, quatro e, por vezes até em cinco paróquias e estão cansados.
Penso que o Bispo, juntamente com o seu presbitério procura os meios melhores.
Quando eu fui Arcebispo de Mónaco tinha criado este modelo de funções só da
Palavra sem sacerdote, para manter a comunidade presente na própria igreja. E
disseram: cada comunidade permanece tal, e onde não há sacerdote fazemos esta
Liturgia da Palavra.
Os franceses encontraram a palavra adequada para estas Assembleias
dominicais "en absence du prêtre", e depois de um certo tempo
compreenderam que isto também pode não dar certo porque se perde o sentido do
Sacramento, há uma protestantização e, afinal, se há só a Palavra, também eu a
posso celebrar em minha casa.
Recordo quando fui professor em Tubinga, o grande exegeta Kelemann, não sei
se conheceis o nome, aluno de Bultmann, que era um grande teólogo. Mesmo sendo
protestante convicto, nunca foi à Igreja. Dizia: eu posso meditar em casa as
Sagradas Escrituras.
Os franceses transformaram um pouco esta fórmula "Assemblée dominicale
en absence du prêtre" na fórmula "Assemblée dominicale en attente du
Prêtre". Isto deve ser uma expectativa do sacerdote e diria que
normalmente a Liturgia da Palavra deveria ser uma excepção do domingo, porque o
Senhor quer vir corporalmente. Mas esta não deve ser a solução.
Foi instituído o domingo, porque o Senhor ressuscitou e entrou na comunidade
dos apóstolos para estar com eles. Desta forma compreenderam que não é o sábado
o dia litúrgico, mas o domingo no qual o Senhor quer estar sempre de novo
corporalmente connosco e alimentar-nos com o seu Corpo para que nós mesmos nos
tornemos o seu corpo no mundo.
Encontrar o modo de oferecer a muitas pessoas de boa vontade esta
possibilidade: agora não ouso dar receitas. Em Mónaco disse sempre, mas não
conheço a situação aqui, que certamente é diversa, que a nossa população é
incrivelmente móvel, flexível. Os jovens fazem mais de cinquenta quilómetros
para ir a uma discoteca, por que não podem fazer também cinquenta quilómetros
para ir a uma igreja comum? Eis que esta é uma coisa muito concreta, prática, e
não ouso dar receitas. Mas deve-se procurar dar ao povo um sentimento: tenho
necessidade de estar juntamente na Igreja, de estar juntamente com a Igreja
viva e com o Senhor!
E assim, dar esta impressão de importância e se eu o considero importante,
isto gera também as premissas para uma solução. Mas concretamente devo deixar a
questão aberta, Excelência.
|