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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 33 - ao Sr. Pavie
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33 - ao Sr. Pavie

A esfera religiosa é a única capaz de proporcionar a verdadeira felicidade. Consolações e conselhos a seu amigo. Ele é comovido pela estima de Ed. Guépin por ele. Dificuldades para cuidar de um pequeno interno. Notícias dos amigos de Angers. V. Pavie se afastou momentaneamente da Gerbe. Lacordaire encarregado das conferências de Quaresma em N.D. de Paris.

 

                           5 de fevereiro de 1835           

            Sua carta anterior, caro Victor, me tinha deixado inquieto sobre sua situação e por isso  eu guardava uma impressão vaga de tristeza que me era difícil dissipar. Tinha lido suas cartas a Gavard, Marziou, Godard, pois, na falta de comunicações diretas com você, procuro umas sem rodeios por todos os meios, mas em nenhum lugar achava resposta inteira à minha solicitude sobre seu estado de coração. Por isso achei que você demorava muito a me escrever. Estou agora, não direi mais tranqüilo, isso o assustaria, somente, caro amigo, estou menos atormentado. Sinto-me, como você mesmo esteve, aliviado por essa efusão que lhe foi permitida, em desvio sem dúvida e não imediata, mas que não terá sido, certamente, sem algum eco para essa jovem alma. Como volto depressa a tudo o que você quer e como é de bom grado que lhe entrego tanto meu coração como minha cabeça a todo vento soprado por você. No entanto, seja estreiteza de espírito, seja velhice de coração, seja, prefiro acreditá-lo, firme, inabalável, exclusiva convicção, não consigo ver, idealmente ou no real, nenhuma felicidade fora da esfera religiosa; e se não o soubesse inserido para sempre nela, caro amigo, se não o visse tão minucioso, quase tão inquieto, por mais que quisesse, você teria minhas ternas simpatias, mas confiança no futuro e descanso no presente, impossível. Não saberia. Por isso, é com uma alegria infinita que já, há longos anos, o acompanhei nesse ponto. Vi você,  e lembro-me, quase criança ainda, à força de candura, de ingênua franqueza, por meio da arte, da  poesia e dos brilhantes sonhos de nossos filósofos, a se desembaraçar, abrir caminho e sempre ir ao alvo. Em sua última viagem, todavia, você me parecia mudado, mas era transformação simples, eu o vi logo; em vez de 19 anos, você estava com 25, nada mais. A luta não mais estava inteiramente do lado de fora, efetuava-se no interior, mas ali também você era mestre. Enxugada sua fronte e caída a poeira, você se reencontrava em frente de Deus. Isso ainda dura hoje, caro amigo, mas não tenho medo. Li as primeiras páginas do livro. Adivinho e pressinto-lhe as últimas. Todo passado, atentamente estudado, traz indício do futuro. O seu, caro amigo, gera sossego,  é bom; é todo de ouro, dizia Marziou, a tais pés não se impõe cabeça de barro. Isso me explica não só meu ardor em seguir todos os seus projetos mas também minha confiança sem limites em todas as suas idéias sobre seu próprio futuro. Você tem uma regra, um ponto de prova; bem certo que você tudo refere a isso por vontade expressa ou irresistível instinto, o que poderia eu recear e o que de melhor tenho a fazer senão abandonar a você cegamente tudo o que há em mim de sentimento para ser conduzido e controlado a seu gosto. Assim é que sempre acontece e o senti sobretudo nessa ocasião. Isso não quer dizer que seus negócios me parecem ter definitivamente chegado a um ponto melhor, mas a perseverança, a persistência de vontade, em semelhante matéria me parecem quase decisivas e, se você quiser, com teimosia, conseguirá. Quanto à feliz aplicação desse firme querer, quanto ao julgar que o leva ao  escolher, vou confiando em você, como para todo o resto. , portanto, amigo, siga seu caminho e guarde bem a nossa lei, que me é tão cara, de me fazer participar de toda essa obra tão íntima e tão pessoal para você.  

 

            O que me diz de seu amigo Ed. Guépin63 me comove muito. Amo-o ternamente e eu o quereria, de toda a minha alma, feliz como ele me parece merecer. Ele me mostra também alguma confiança, há em nós pontos de sofrimento que combinam. Seria  uma grande alegria para mim, se pudéssemos chegar a completa simpatia; assegure-o ainda de minha dedicação sem limite; tinha colocado ao de minha carta meu endereço como convite a me escrever outra vez. Diga-lhe isso, ele tem folga, e, nos meus momentos de folga, pode, com ousadia, tomar e escolher os melhores.

 

     Você me agradece mais do que precisa, caro amigo; minha intimidade com o jovem C. é menos avançada do que você pensa e que eu quereria.  O padre Buquet, diretor do Colégio, estava no campo, na Festa dos Reis, quando me apresentei para fazer sair esse menino. Os outros chefes, me conhecendo pouco, não se acharam no direito de fazer, em meu favor, exceção a essa regra que proíbe confiar os alunos a toda pessoa de fora que não está autorizada pelos pais direta e formalmente. O padre Buquet tirou o obstáculo para o futuro, mas nas quartas-feiras (dia de saída) minha esposa está fora o dia todo para negócios; eu, em meu escritório, como passear com o pobre menino? Não é possível. Vejo-o, por razões análogas, muito pouco em seu colégio. Redobrarei a vontade para agradar a você, se for o caso, caro amigo.

 

            Lembrei ontem a Gavard o projeto de retrato pelo Sr. Ménard. Para sua esposa isso já é coisa julgada impraticável; para ele, ele não sabe; mas do possível ao real, há um abismo a transpor, nele sobretudo. Conto pouco com isso. Ele via ontem uma ocasião de conseguir um emprego fraco e de pouco lucro, é verdade, para nosso amigo. Incentivei, porém, vivamente tanto sua esposa como ele próprio, mas... mas a vontade, tenho medo, ainda enfraquecerá aqui. Verei o Sr. Marziou o quanto antes. Eu estava ausente quando me trouxe sua carta. Sempre estou ausente. Vejo sempre Marziou e gosto dele cordialmente. Estamos, espero agora, presos um ao outro por você, sobretudo, que nos serve de laço. Não é assim entre todos os seus amigos? Não é assim em tudo? Você não é sempre o mestre? Embora humilde e desconfiando de si, você procurava acima seus alunos, quando seria preciso descobri-los em baixo. Eu, notadamente, só subsisto, baseado no que restou de você. Surpreendo-me a toda hora copiando-o palidamente e vivo às vezes quinze dias animado por uma palavra sua, animado por alguma lembrança de que me recordo ou que Deus antes me devolve como alimento e amparo. Não tenha mais inveja, portanto, dos pródigos e de algumas lágrimas com que o pai os banha na volta: “fili, omnia mea  tua sunt64”, [meu filho, tudo o que é meu é teu], essa é a parte dos primogênitos, a sua, amigo, conserve-a bem.

 

            Você reage mal, amigo, e por um lado ruim, à sua retirada da Gerbe para este ano; não é traição a seus amigos, não é renegar a alma amante e viva em você; é, amigo, recolher um pouco sobre si mesmo os seus raios que não se sabia refletir em você; deixe agir o tempo. Não entregue de você mais do que se pode compreender de cada vez; nosso Mestre dizia aos seus: teria muitas coisas ainda a  ensinar-lhes, mas a hora não chegou, não saberiam me compreender65, e ele ficava calado. A hora veio porém. Para você também, amigo, na humilde esfera de sua humanidade, a hora virá, tenha paciência, guarde somente sua alma e seu coração, guarde sua , sua pureza, seu ardor, pois vão haurir ali largamente algum dia, é o tesouro raro e que não se despreza. Mas se, por impossível que seja, uma parte íntima, a melhor talvez, ficasse aqui embaixo desconhecida, oh! graças sejam dadas por isso a Deus, que a reserva para si e a guarda para si essa parte. Você a bem depressa a ele, não é isso o encanto indizível, a secreta alegria do místico disce nesciri66 (aprende a ser desconhecido). Adeus, amigo, amo-o, sigo-o e compreendo-o.

 

            Todo seu de toda a alma

Le Prevost

 

            O Sr. Lacordaire fica encarregado oficialmente pelo Arcebispo das Conférences de Notre-Dame para a Quaresma67. Teremos também o padre Coeur. Diga isso a Ed. Guépin ,que me tinha perguntado. Respeitos, lembranças, amizades ao seu redor.

 

   





63 Amigo de infância de V. Pavie, ele também do grupo dos Angevinos de Paris, Edouard Guépin tinha recebido a influência do Sr. LP. Em abril de 1835, escreverá a V. Pavie: “Obrigado, mil vezes obrigado, pelo amigo que me deu no Sr. LP. Que tesouros inesgotáveis de amizade possui! Se houvesse algo mais sagrado do que esses nomes de amigo e de irmão, lhos daria, pois é mais do que tudo isso, no conceito mais amplo, mais favorável que possam representar. Não é um homem de nosso tempo, é um santo. Todos os dias, e não importa o que faça para esconder o que faz de bem e de bonito, fico sabendo sobre ele, e às vezes me deixa adivinhar sem querer, coisas que honrariam um Fénelon, um Vicente de Paulo”. (VLP, 1, p.51). O Sr. LP. o trará de volta à e o apoiará na provação de sua doença (cf. carta 43).



64 Cf. Lc 15,31



65 Cf. Jo 16,12



66 Apreende a ser desconhecido.



67 Foi graças a Ozanam que Dom de Quélen ofereceu a Lacordaire a cátedra de Notre-Dame de Paris. A primeira conferência se realizará em 8 de março de 1835.





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