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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 43 - ao Sr. Pavie
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43 - ao Sr. Pavie

Doença de Edouard Guépin. Piedade e confiança do pobre doente. À sua cabeceira, o Sr. Le Prevost tem o sentimento da presença de  Deus. Exprime a Victor Pavie sua alegria de sabê-lo novamente noivo.

 

25 de maio de 1835

 

            Meu caro Victor,

     A situação de nosso pobre Edouard não parece melhorar, apenas  se mantém. Não sei se é para melhor, pois o estado é bem grave. Há, dizem os médicos, cavernas no pulmão, e com efeito vômitos quase periódicos de matérias mucosas anunciam que esses buracos interiores se enchem e se esvaziam constantemente. É a isso que se atribui a inflamação e a febre contínua. Os médicos tentam  cicatrizar o mal, mas às apalpadelas e como que duvidando de si mesmos e de seus remédios. Bendito seja Deus em quem a  esperança nos resta, quando tudo se perturba e desmorona ao redor de nós. Assim pensa o pobre doente, cuja piedade e confiança vão crescendo em grau admirável. Eis aí, disse ele ao mostrar o Cristo, meu único e verdadeiro médico! Também ele reza quase em todas as horas com uma simplicidade, uma  candura que encantam. Ontem, ele mesmo pediu a seu confessor que a comunhão lhe fosse dada, e esta manhã o Santo-Viático com a Extrema-Unção que não se separam, lhe foram concedidos. Como, em plena consciência, sem a sombra de suspeita sobre o perigo de sua posição, o doente desejou este remédio supremo? Como o bom pai, que isso apavorava, não fez oposição? Como as pessoas de igreja atravessaram despercebidas esta casa, encontraram perto da cama o pai e eu sozinhos, sem amigos estranhos e importunos, sem chegada de médicos nem de outros para interromper a santa cerimônia? Como? É preciso perguntar? Deus o queria, nada mais a dizer. É para mim uma grande responsabilidade a menos, caro amigo, de que o pobre menino, neste mundo, seja entregue às mãos de seu pai, e para o outro mundo, às mãos de Deus, a quem esse depósito concerne nesta hora e que bem saberá velar por ele. Temos horas bem tristes perto desse leito de sofrimento, mas o que só cabe a Deus realizar, há horas bem calmas e bem doces. Esta, com certeza, é desse número. Chorávamos, mas sem esforço e porque a alma chora ao sentir-se tão perto de Deus; que ele estivesse ali, nenhuma dúvida para ninguém de nós, pois ele falava a cada um de nós, sobretudo ao doente que, visivelmente, conversava de boca à boca com ele. Por que você não estava ali, amigo, você que as grandes realidades tocam tão firmemente? Por que não está ali ainda em outros momentos? Quando estamos sozinhos, os três, Edouard, seu pai e eu, e isso acontece quase cada noite, ao cair do dia, o pobre amigo pede que se lhe reze uma dezena de terço. Então um de nós começa, o outro responde, o doente acompanha, e o Céu desce sobre nós. Há, nesse momento, uma calma, uma paz de que ninguém, se não é cristão como você, saberia compreender a doçura, e tudo isso, no entanto, junto ao leito de um moribundo, entre pai e irmão, perto de se deixarem, pode ser, para sempre. Oh, não, outros não têm um Deus como o nosso e que trata assim seus filhos.

            Passo sem dificuldade alguma deste assunto a um outro que o toca pessoalmente, caro amigo, e eu, por repercussão, como é normal. As lágrimas de alegria e as lágrimas de tristeza não têm a mesma fonte, e, quando se derramam sobre nossa face, quem, portanto, poderia lhes dar um nome? Então, caro amigo, eis a ordem e a paz de volta em você. Não quereria outra prova disso a não ser sua carta de tão doce, de tão fácil efusão. Nunca, amigo, recebi uma de você que fosse mais simples, mais terna, mais singela. Havia  emanação e reflexo evidente, já tinha havido comunicação com a nobre e franca natureza de que você se tinha aproximado e esse único contato já tinha seu efeito. Cercado como você está de bons e sábios conselhos, guiado aliás do alto bem sensivelmente, você pode  passar, amigo, sem meu assentimento, mas livre e plenamente, porém, eu o enuncio para você aqui para a minha própria alegria: isso me agrada, me encanta sem restrição, isso é algo autêntico, correto, faz parte do verdadeiro amor. Amo com ternura e como irmã esta moça, e, tenha certeza disso, em nosso primeiro encontro, nos apertaremos a mão mutuamente e seremos amigos para a vida inteira. É uma contraprova também, que acontece em uma afeição profunda e verdadeira como a nossa; e se, em um sentimento, não houvesse acordo e simpatia para ambos, haveria justa razão de duvidar desse sentimento. Aqui plena unidade. andando depressa, portanto, amigo, e fale comigo andando. Você é francamente injusto comigo ao supor que eu teria gostado do sacrifício insensato que você tinha sonhado. Não é assim que entendo o sacrifício; nada, a meus olhos, é belo do que não é bom, e não é bom o que não torna a alma nem mais bela, nem melhor, nem mais frutuosa, que a enche somente de vazio e a deixa flutuante a todo vento; não, todo sacrifício, a meus olhos, deve ter seu princípio fora do eu, e aqui, por nobre e generoso que quisesse ser o eu, era sempre o eu, portanto, nenhum verdadeiro sacrifício.

            Você deve pensar, assim, tudo o que sua boa notícia tem de feliz e de consolador para mim. Diga-me, portanto, muitas coisas ainda sobre ela; respiro tão livremente assim  que encontro prazer nisso.

            Adeus, respeito e afeição a todos. Será que o encarreguei de dizer a Cosnier toda a minha alegria por sua volta a nós? Pensei nisso muitas vezes e senti minha afeição por ele dobrada. É mal talvez, mas não posso dissimular isso a mim mesmo, amo todo o mundo tanto quanto posso, mas uma irresistível simpatia me arrasta, quase contra minha vontade, para todo verdadeiro católico. Reze a Deus por Edouard.

            Adeus.

                                               Le Prevost

 

 




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