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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1501 - 1600 (1870)
    • 1570 - à Sra. Marquesa de Houdetot
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1570 - à Sra. Marquesa de Houdetot

A respeito do serviço militar de seu filho. Notícias da guerra: cópia de uma carta enviada do campo militar de Châlons por um membro do Círculo de Grenelle.

 

Vaugirard, 13 de agosto de 1870

 

Senhora Marquesa,

 

Agradeço-lhe muito por me manter informado sobre o que concerne a seu caro filho, e a suas disposições próprias, e ao estado de sua boa mãe. Neste tempo de agitação e de inquietude, tem-se necessidade de não perder de vista todos aqueles de quem se tem respeito e amor.

 

Será bem difícil, com efeito, que seu caro Richard evite uma separação temporária, pois as leis que convocam todos aqueles que são válidos se apressam e se sucedem, cada vez mais invasoras. Acredito que se, por motivo de sua pouca idade e da necessidade que teria de concluir o grande empreendimento de seus estudos, for possível subtraí-lo ao serviço neste momento, será o mais sábio. Se não for possível consegui-lo, a vontade de Deus sendo manifesta e nada tendo sido descuidado para afastar essa provação, a Senhora aceitará com submissão e confiança as disposições da Sabedoria divina, esperando que ela saiba tirar algum grande bem do que seria tão penoso para seu coração de mãe.

 

Temos, de nosso lado, muitas dificuldades: 28 ou 30 de nossos Srs. leigos nos serão retirados das obras para o serviço militar, todas as nossas casas vão estar em grande sofrimento. Deus dignar-se-á lembrar-se de que lhe pertencem, como tudo o que está em nossas mãos.

 

Cuido que a Santa Missa seja oferecida cada dia às suas intenções por algum de nossos padres. É o mais poderoso meio da ordem espiritual. Tenhamos confiança, Deus nos ouvirá.

 

Um dos jovens membros do Círculo de nossa casa de Grenelle, simples operário ou contramestre, mas muito cristão e inteligente, escrevia nestes últimos dias a seu colega uma carta do Campo de Châlons, onde está como guarda móvel. Essa carta é tão simples e tão ingênua, tão bem a noção do Campo e da vida no local, que acho agir bem lhe enviando uma cópia. Um de nossos padres que chega do Campo, onde esteve para visitar um de seus jovens que faz parte dos recrutas, ficou tristemente impressionado pelas disposições morais do conjunto dos homens que aí estão reunidos.

 

Há, perto do Campo, uma linda igreja, mas, mesmo no domingo, se nela apenas alguns militares. A uma hora de caminhada do Campo, há uma outra igreja num vilarejo isolado, onde  vão os bons militares de bom grado, longe dos olhares malévolos.

 

Queira, Senhora Marquesa, aceitar e partilhar com a Senhora dHurbal e seu caro filho, todos os meus sentimentos de respeito e de devotamento em N.S.

 

                                               Le Prevost

 

Campo de Châlons,

 

            A meus bons amigos do Círculo,

 

            Ainda estou perguntando-me se não estou sonhando e se é bem verdade que, há oito dias, estou separado de todos aqueles que amo. Família, amigos, costumes, tudo desapareceu para mim e, como quinhão, tenho a companhia de pessoas que, sob nenhum aspecto, me são simpáticas. Pouso sob uma tenda, exposto ao vento e à chuva e em relacionamentos contínuos com uns dez indivíduos mais ou menos convenientes!

 

            Que linda invenção que é o correio! Somente ele me permite comunicar-me com aqueles que deixei ao partir para a glória. Os testemunhos de afeição não me faltam. Chegam-me da minha família querida, de meus amigos íntimos e, nesta manhã, recebi uma longa carta de nosso amigo comum, do excelente Sr. Edouard [Lainé]. Em uma das folhas, li com um prazer indizível os nomes de vários de meus mui queridos amigos do Círculo. Obrigado mil vezes por pensarem neste pobre móvel que, longe de tudo, longe de seu caro Círculo de Notre Dame de Grace, não esquece de ninguém. Não lhes direi, meus caros amigos, que tenho muita saudade, acho que não duvidam disso. Os primeiros dias foram rudes, asseguro-lhes, mas escrevi tudo isso ao nosso caro Presidente, e sei que lhes deu notícias minhas. Direi-lhes, no entanto, que, para um jovem acostumado a viver em sua família, nada pode ser mais penoso do que a vida do Campo. Mas, para nós cristãos, que recursos não temos? É possível rezar em todo lugar, mesmo sob uma tenda (que é, no meu parecer, o que mais se assemelha ao inferno). Faço-o do melhor modo possível, e asseguro-lhes que meus colegas não desconfiam muito!... No domingo, tive a felicidade de poder assistir à Santa Missa em Mourmelon (de onde escrevo). Fica a 25 minutos do lugar onde está meu acampamento. Vou para lá quase todos os dias, pois não se acha nada no Campo.

 

            Na missa, três móveis, dois ou três militares e um oficial superior, que edificou a assistência aproximando-se da Santa Mesa. A igreja de Mourmelon é bonita como estilo, mas a devoção não é o forte da população. As ruas estão cheias de soldados e de móveis, os restaurantes transbordam, os cafés são muitos, extremamente cheios, mas a casa de Deus está vazia!... Amanhã à noite, se estivesse em Grenelle, passaria uma boa hora em adoração em nossa pequena capela. Espero que, por não estar ali, meus confrades da adoração não se esqueçam do ausente e que rezem de todo o seu coração por aquele que seria tão feliz por estar com eles nessa santa noitada, tão salutar para nossas almas.

 

            Esperava receber em breve a visita de meus amigos, os móveis do Círculo, mas foi julgado prudente não ajuntá-los aos que já estão aqui. Irão para onde... Deus sabe!... Fala-se de Saint Maur  (felizardos!), de Saint Omer (para onde gostaria muito de ir por causa de minha família), de Lunéville (não chique).

 

            Querem ter uma idéia do que é o Campo de Châlons e da vida ali dentro? É o seguinte: o Campo tem 80 km. de circunferência (não tenho muita vontade de dar a volta). Essa imensa área é dividida em planícies imensas para as manobras (as menores são do tamanho do Campo de marte). Há o quartel imperial, onde reside o Marechal Canrobert, que nos passou em revista há 3 ou 4 dias; há também outeiros para o treinamento do canhão, alvos, acampamentos para 80 ou 100.000 homens, parques de artilharia e mil outras coisas que não vi. Oh! há também um templo protestante (nada para os católicos). Esquecia o hospital, as ambulâncias. Não acabaria. De resto, quase não vi nada ainda, tudo isso está longe. Às 4h30 da manhã, um tiro de canhão o sinal do despertar, que é tocado em música para a tropa (há ainda 30.000, diz-se até 50.000 homens acampados aqui e que aguardam a ordem da partida). Às 6 horas, vamos para a chamada, depois ao exercício durante 2 ou 3 horas. Em seguida, comemos a sopa, depois, para quem não está de guarda ou de faxina, é tempo livre até o meio-dia. Vai-se à chamada e, em seguida, para onde se quer (para quem não está de serviço). É preciso estar de volta às 9h., mas mais da metade volta só às 11h. e mais tarde ainda. Durante quase todo o dia, os soldados executam grandes manobras. Os grupos musicais tocam e, para mim, não é a parte menos interessante. Ontem, assisti, com uma multidão considerável, a experiências de metralhadoras. Mantinham-nos à distância muito muito respeitosa. Os oficiais de todos os corpos estavam sozinhos perto das máquinas de morte, cujas formas percebíamos apenas vagamente. A detonação é formidável

 

            No primeiro disparo, mais da metade dos espectadores se tinham deitado de bruços. Atiraram a 2.000 e a 2.500 metros, e parece que o resultado obtido é espantoso. Tudo isso não é alegre... Se, após esta guerra, fosse possível se chegar a um desarmamento geral, mas... Perdão por ser tão tagarela, não quero cansá-los a me escutar mais tempo.

 

            Amizades e agradecimentos a todos. Não digo o nome de ninguém, por medo de esquecer alguém. Recomendo-me de novo às boas orações do Círculo e, aguardando que volte receber minhas cotizações, aperto-lhes a mão a todos.

 

            Seu amigo e todo devotado

 

                                                                       A. Gobrecht

 

            Meus respeitos ao Sr. padre Baumert, M. Piquet, Caron e todos aqueles que esqueço. O tumulto me impede de escrever um pouco corretamente. Desculpem os erros, rasuras etc...

 

                                                           Campo de Châlons, sexta-feira 5 de agosto de 1870

 

 




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