Narração
das provações da Congregação durante a guerra e a Comuna.
Vaugirard, 1o de julho de 1871
Senhora Marquesa,
Sua boa e tão desejada carta me causou uma grande
consolação. Enquanto tinha a bondade de informar-se de nós e de nossas obras,
eu fazia, de meu lado, buscas para descobrir onde se encontrava com sua cara
família. No meio das diversas interrupções que sofreram as comunicações de
Paris com o interior e até com os prédios que confinam com ela, fiz diligências
para saber o local onde residia: na rua St Florentin, a resposta é
que estava em Roma, mas que se ignorava seu endereço. Escrevi em seguida na
Bélgica, esperando que, através do Sr. de Caulaincourt, teria algumas
informações mais precisas; não tive maior sorte. Enfim, começava a escrever
outra carta que ia confiar ao correio com a nota: Mandar seguir, quando
sua cara epístola me tira enfim de embaraço.
Quando quis bondosamente me escrever pela última vez
da Normandia, a Sra. estava com grandes preocupações por toda a sua companhia.
Sua boa mãe partilhava suas inquietações e seu caro Richard tão amado,
improvisado capitão de guardas nacionais, tinha também com certeza seus
embaraços. Foi nesse momento que a separação se fez tão dolorosa e
longamente para tantas afeições privadas de toda efusão e até de todo sinal de
vida. O que lhes aconteceu, caras Senhoras, com seu bem-amado filho? Sofreram
apenas o medo, diz sua carta, mas os perigos foram grandes? Encontraram nas
pessoas da região um pouco de fidelidade e de coração, e sua viagem a Roma não
foi muito perturbada pelos movimentos revolucionários que agitam esse lugar
santo, consagrado ao Deus de caridade e de paz, e que os homens de ódio e de
sangue pervertem tão lamentavelmente? Enfim, na sua volta, não se ressentiram
das catástrofes de Paris, e sua morada da rua St Florentin foi
poupada? De todos os lados, no campo como na cidade, podia se encontrar o perigo.
Pensei nisso muitas vezes diante de Deus, me recordando de que Ele sozinho
podia nos proteger eficazmente em tão terríveis provações.
Quanto a nós, Senhora, suportamos todas as privações e
os perigos do sítio, todas as dores e as inquietudes resultando das revoltas e
dos crimes da Comuna. Tivemos de abandonar ao corpo militar, em primeiro lugar
os prédios de nosso orfanato, e mais tarde os insurrectos se apoderaram
violentamente dele. Os estragos, bastante consideráveis, foram, em seguida,
quase inteiramente consertados por nós, o mobiliário sofreu particularmente. Em
Chaville, nossa casa, habitada durante sete meses por 160 Prussianos, foi muito
mais devastada. Os prédios saqueados, despojados de todos os revestimentos,
estavam portanto, na sua maior extensão, absolutamente inabitáveis. Os móveis
foram queimados ou dispersados, 400 pés de árvores cortados. Pudemos restaurar
mais ou menos algumas partes, o resto ficará muito tempo sem poder ser ocupado.
Mas a maior aflição nos veio do lado de nosso pessoal. Um de nossos padres, o
padre Planchat, o mais dedicado, o mais zeloso para o bem dos operários e dos
pobres, foi no número dos reféns. Foi fuzilado com o R.P. Olivaint e os outros
religiosos que tinham sido presos ao mesmo tempo que ele. A consolação de ter
dado à Igreja um mártir alivia a tristeza de um tão doloroso sacrifício. Seu
corpo, que pudemos recuperar, está depositado em um pequeno jazigo estabelecido
em nossa capela de N. Sra. da Salete. Sou persuadido, Senhora, de que rezará
com consolação sobre essa humilde tumba.
Fiquei, pessoalmente, em Vaugirard durante todo o
sítio até o fim de março, quando as violências da Comuna iam pegar todos os
nossos leigos e padres, para pô-los à força em suas fileiras, e me
retirei a tempo em Chaville, onde todos os nossos que estavam ameaçados
puderam, sob diversos disfarces, me alcançar. Tivemos ali, como todas as nossas
casas, uma ambulância onde cuidamos ainda de 25 feridos.
Abrevio esta exposição já comprida demais e peço a
Deus, em união com a Senhora Marquesa, e com toda sua excelente família, que
Ele se digne pôr fim a tão terríveis provações, devolvendo à nossa França a fé
tão esquecida e essa sabedoria de que parece ainda longe demais. Nossas
orações, esperemos, obterão essa conversão que será um milagre sem dúvida, mas
que o Pai todo poderoso e cheio de bondade concederá aos votos de seus filhos.
Seu respeitoso servo e amigo em N.S.
Le Prevost