Estado
de saúde do Sr. Le Prevost. A provação não poupa ninguém e nos acompanha em
todo o lugar. O segredo da paz.
Chaville, 30 de julho de 1872
Senhora
Marquesa,
Demorei
muito para responder à carta, porém tão íntima e tão interessante, que fez a
honra de me escrever, há perto de três semanas. Tenho vergonha de dizê-lo e
estou confuso sobretudo por esse aparente descuido. Todavia, não estou sem
desculpa. Os grandes calores dos últimos tempos, ultrapassando minhas forças,
me causaram um tremor nervoso que me impedia de segurar a pena, e também uma
contenção de cabeça muito penosa. Há dois dias somente, se começa a respirar um
pouco. Paris, e mesmo seus arredores, pareciam com falta de ar vital. A
vizinhança do mar a terá certamente preservado, Senhora, com seu caro mundo,
desses inconvenientes. Isso me alegra, tanto mais que, após uma longa estada
aqui, sua saúde reclamava um repouso prolongado e essa paz que os grandes centros
do movimento e do barulho não saberiam nunca proporcionar.
Mas, é
mesmo verdade que o campo lhe tenha dado plenamente essas preciosas vantagens?
Não seria assim, se acredito nos detalhes que contém sua carta. Não se diz com
razão que Deus reserva provações e preocupações dolorosas para todas as
condições deste mundo? Qual estado em aparência mais feliz do que o seu,
Senhora? Dons de fortuna, residência encantadora, família de elite, companhia
na medida do desejável, cultura do espírito, dons do coração mais preciosos
ainda, nada lhe foi recusado, e, no entanto, um grande gemido escapa de seu
peito como para lhe dar alívio. Pobre alma humana, de que precisas, então, para
ficar satisfeita? És, então, insaciável, ou tens aspirações que nada nesta terra
satisfaz? Sim, aí está o segredo de tantos sofrimentos, de tantas queixas e de
tanto desânimo. Os bens deste mundo, por grandes que sejam, têm pontos
defeituosos que enganam nossa espera e trazem o desgosto. Hoje, nesta mesma
manhã, lia este singular comentário feito pelo Pe. Olivaint, de santa memória,
sobre estas palavras do Senhor ao bom ladrão crucificado com ele: “Hoje, tu
serás comigo no Paraíso”.
“Sim, hoje
mesmo, será a liberdade, a paz, a alegria do Paraíso em meu coração, se hoje
entrego meu coração, todo o meu coração a Jesus crucificado”.
Quem nos
dará essa ciência dos santos, essa maravilhosa paciência que transforma as
amarguras em doçuras, que torna tudo em proveito e, como o diz tão amavelmente,
Senhora, faz dinheiro de tudo para o Céu? A graça de Deus, se nos
humilhamos diante dele em nossa fraqueza, se pedimos com constância sua
misericórdia e seu apoio. Não preciso lhe ensinar essas coisas, Senhora, e não
é minha pretensão. Sua carta as exprime e seu coração as sente vivamente em sua
fé. Portanto, tenho boa confiança de que a oração fiel e a união santa com o
Salvador no banquete sagrado lhe darão capacidade e vontade para responder a
tudo. Rezo muito, sempre, com a Senhora nessa intenção. Virá a hora em que terá
essa paz tão esperada, é Jesus que a trouxe na terra: “Dou-vos a paz, deixo-vos
a minha paz, mas não como o mundo a dá441.” Não a peçamos,
então, ao mundo, mas ao Deus Salvador, já que está unicamente nele. A palavra
do Pe. Olivaint não passa de um eco dessa palavra do divino Mestre; é quase a
última que Ele tenha pronunciado nesta terra.
Perdoe-me,
por favor, Senhora Marquesa, essas citações mais ou menos oportunas, mas o
mundo de Chaville tem bem poucos fatos notáveis, não acho nenhum que mereça sua
atenção. O Paris bem circunscrito aonde vou cada semana não me fornece também
nada de interessante.
Acho que
seu caro tio está perto da Senhora atualmente. Anunciava-me, nestes últimos
dias, que ia visitá-la e lhe tirar por algum tempo a Senhora d’Hurbal que
encantará e consolará sua solidão no Jardim. Seus caros filhos lhe ficarão,
ficará ainda muito rica. Bendito seja Deus por tê-la amado tanto!
Ficarei
muito feliz, Senhora, se tiver a bondade de me apresentar à memória do Sr.
Richard e de oferecer também minhas homenagens respeitosas à Senhora sua nora
como ao resto de sua cara companhia. Queira aceitar também, Senhora Marquesa,
todos os meus sentimentos de muito respeitoso devotamento.
Seu humilde
servo em N.S.
Le Prevost