O Sr. Le Prevost
encoraja seu amigo, um pouco indeciso, a seguir o apelo de Deus que o incita a
deixar o mundo; descreve-lhe a felicidade de uma vida pobre e desapegada de
tudo. Exprime a esperança de que seu século verá na França um grande movimento
religioso. Detalhes edificantes sobre refugiados poloneses, cuja vida
comunitária atrai fortemente o Sr. Le Prevost. Zelo dos confrades de São
Vicente de Paulo
Paris, 28
de junho de 1836.
Dei graças a Deus, meu querido amigo, pelas boas e santas coisas que contém sua
última carta: encontro nela, por baixo de algumas reservas de humildade e de
sábia desconfiança, uma firmeza de querer que você ainda não tinha mostrado.
Pouco a pouco o horizonte se ilumina e logo você lerá seu futuro com o clarão
da luz do dia. Sinto-me mais forte agora para encorajá-lo, vendo o bom Sr.
Lecomte e seus outros conselheiros tão firmes em seu parecer. Ouso dizer depois
deles que tudo, neste grave assunto, virá a ser bom para você e para os seus,
porque você nada quis a não ser segundo o coração de Deus e que seu coração que
o ama o quer feliz.
Pela minha própria experiência, posso atestar que
nunca coisa empreendida com intenção piedosa e reta teve final ruim. Se o
sucesso não estava segundo minha esperança, é que a ultrapassava demais para
minha previsão alcançá-lo. Coragem, portanto, meu querido amigo, mais um leve
esforço, e a obra será consumada; uma vida toda de abnegação e de amor, toda
entregue a Deus, tal será aqui na terra seu quinhão e, no fim: Deus meus et
omnia! Isso não vale um pouco de incerteza, algumas dores de coração, algumas
lágrimas talvez, que a Virgem Santa enxugará com ternura e compaixão?
Conjuro-o, meu caro Adolphe, meu caro irmão, não recue, chegou a hora, Deus o
chama, você não pode duvidar. Grite, portanto, com toda a sua força: eis-me
aqui, ecce venio; faça o sacrifício do coração. Quanto ao resto, ele se
encarrega, disporá tudo; a partir do dia em que, em efusão de alma,
você lhe disser: “sim, eu sou seu, sim, pertenço a você, pegue-me”, na mesma
hora Ele o levará.
Não sei se me engano, mas parece-me que nosso tempo fará algo de grande pela
causa de Deus. Parece-me que há sinais de que a graça faz germinar uma obra de
regeneração; vejo em tantos corações um fervor ardente, uma aspiração de futuro
tão grande! Sim, Deus quer trazer de volta nossa França a Ele. Portanto,
quantos operários Ele pedirá para sua santa messe, e você entre os primeiros,
amigo, estará ali sob a sua mão, desapegado de tudo, pronto a tudo. O Espírito
armá-lo-á de força, inspirá-lo-á divinamente. Oh! você não desejaria tudo isso?
Que remorsos você teria!
Você se lembra de
nosso pobre Marziou? Ele quis a felicidade da terra; é rico, casado, com uma
mulher que ele ama, no entanto chora amargamente os bens que perdeu; não me
imite, escreveu ao nosso amigo Lambert, vá a Deus, somente Ele é amável,
somente Ele é manso; para atingi-lo, tome o caminho mais curto, os outros são
rudes e cheios de aborrecimentos. Não preciso recomendar-lhe aqui o segredo:
isso foi escrito quase como confissão; somente o caso atual pode me autorizar a
revelá-lo a você.
A Providência parece preparar para você uma roda tão agradável como edificante
no retiro onde deve entrar no fim desta estação. Além de alguns de nossos
amigos que você já sabe, conheço outros ainda cuja intimidade lhe será bem
doce. Nesse número estão alguns jovens Poloneses refugiados que Deus chama a
si. Pobres exilados, dizem eles, não temos mais pátria, nem familiares nem
amigos, mas eis que o Senhor quer nos fazer as vezes de tudo, Ele nos recolhe
em sua casa; ali será para nós o lar, a família, a pátria; oh! não
perdemos nada! Por isso, eles são da mais admirável piedade; amanhã, dois entre
eles, e logo um terceiro, vão a Stanislas; mas passarão de lá para São
Sulpício, ali você os encontrará. Desde algum tempo, reunidos a alguns outros
de seus patrícios, vivem em comunidade, dirigidos por um superior tomado entre
eles, com uma regra cristã rigorosamente observada; não têm empregados. Além
disso, a oração, o estudo, as santas obras, sobretudo a conversão de seus
irmãos exilados, fazem toda a sua vida. Vi o interior dessa pequena comunidade;
nada mais edificante, é tudo caridade, tudo paz em Deus. Um crucifixo
enorme, colocado na sala de entrada, está ali como para nos acolher e nos
avisar do espírito da casa; as pessoas são afáveis, cada uma o cumprimenta e
lhe sorri, é a fraternidade dos primeiros tempos. São somente 8, creio, só
aceitam os de seu país. São muito pobres; a esmola que lhes faz o Governo, 500
francos a cada um, é seu único recurso mais ou menos, mas são austeros e sóbrios,
ainda sobra a parte dos pobres. Não estou embelezando nada, é pura verdade.
Você não terá uma grande alegria ao contar entre seus irmãos dois ou três
desses pobres refugiados? Os dois que conheço, e de quem estou falando aqui
sobretudo, são muito instruídos e do espírito mais distinto; são muito jovens
(22 ou 24 anos), de um rosto nobre; um é acutilado. Serão magníficos padres,
asseguro, mas tão piedosos, tão humildes como bonitos; um dos dois sobretudo
não cessa de orar, mesmo falando, agindo; sente-se que sua alma está vendo a
Deus sempre e nunca o perde. Estou sabendo, da parte de um pobre doente de quem
cuidava de noite, que sem cessar ele estava de joelhos, conversando com seu
Deus, voltando a Ele desde que podia; achava assim a noite curta. Durante cinco
semanas também, ele velou no hospital sobre um de seus patrícios, jovem e
adoidado ferido em duelo. Á força de cuidados, ele o salvou, a alma e também o
corpo, fez dele um cristão. Eis aí como Deus, meu caro amigo, trata uns pobres
exilados. Não sejamos invejosos disso; todos também não estamos exilados? Oh!
Como eles, temos nossos direitos, é só reclamá-los. Deus nos será manso e
misericordioso. Se acreditar em mim, trataremos de nos pôr a trabalhar nesse
sentido de todo o coração, nossa miséria, nossa fraqueza serão nossos títulos
e, talvez, com a graça, nos tornaremos fervorosos e bem-amados do Senhor.
Adeus, não se esqueça de me pregar em sua resposta; não deixo de fazê-lo aqui a
seu respeito, desforre-se; serei dócil e bom ouvinte.
A conferência se mantém; o Sr. Housset é dos mais zelosos, não por minha causa;
não pude ter com ele, Deus o terá levado a isso; parece amável e bondoso. Suas
boas senhoras vão como sempre. Redobre em oração por mim, seu irmão em Jesus Cristo. Nunca
falto nisso do meu lado por você.
Le Prevost
Lembranças de respeito ao Sr. Lecomte, recomendo-me a ele.
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