O Sr. Le Prevost se
resigna a vê-lo deixar definitivamente Paris para Angers. Lei do desapego
cotidiano do que se ama. O que o tempo desgasta e destrói, a caridade o
repara. Pede notícias de seus amigos cuja ausência lhe é custosa.
30 de setembro de 1836
Você me acusa, caro filho, baixinho, talvez até em voz alta, de descuidar de
seus negócios. No entanto, não me esqueci de seu recado: já tenho seu diploma
há bastante tempo. Esperava alguma ocasião de fazê-lo chegar a você, mas esta
estação não é favorável, portanto envio-o, como você tinha pedido, pelo correio
simplesmente.
Eu ainda alimentava, com alegria, a ilusão de que a decisão não era irrevogável
quanto à sua ida definitiva para Angers: sua última carta não deixa mais
dúvidas a esse respeito: é mais um artigo, então, para o capítulo das
resignações. Tenho muitas desse gênero, há algum tempo: dois dos meus mais
caros amigos77 vão para o Seminário: Deus os chama, não posso negá-los
a Ele. Outros, e você está entre eles, são reclamados pelas exigências da
carreira e posição no mundo: esses, parece-me que os perco ainda mais. Os
primeiros rezarão por mim e, assim, guardarão de mim boa lembrança, mas os
segundos, quanto tempo contarei para eles, quanto tempo o mundo e seus mil
cuidados, preocupações, desejos em espirais, deixarão lugar para mim no seu
pensamento e alguma afeição em seu coração? Não ouso quase pensar nisso. É uma
das mais tristes coisas de nossa natureza, essa impotência em guardar impressas
em nós imagens sempre vivas, lembranças, sentimentos sempre reavivados.
Comecemos, então, caro filho, é a lei, comecemos desde agora a nos esquecer
cada dia um pouco, até o esgotamento inteiro do tesouro. Não sei quem me diz
que o meu terá mais longa duração, que o conservarei melhor e, quem sabe, se
minha vida não for longa demais, até o último instante? Isso não é em mim
temerária presunção, eis minha razão: seu nome, desde há muito tempo, está
inscrito inteiro em minha oração, ali permanecerá. Desse modo, se o tempo
desgastar e destruir, a caridade consertará; cada dia, sem cansar, refará o
traçado, e, enquanto ela mesma subsistir, não deixará o esquecimento
prevalecer. Procure, de sua parte, encontrar alguma maneira ou jeito para
suprir esse recurso, se não preferir adotá-lo você mesmo; seria isso o
mais caro dos meus votos e, doravante, eu estaria sem receio quanto à
duração e ao futuro de nossa íntima afeição.
Diga ainda ao nosso caro Victor que vou escrever-lhe logo. Estou há algum tempo
em matagais tão tristes, tão desolados, que não me sinto próprio para nada: é
efeito de outono, sem dúvida, vou sair disso e pagarei minhas dívidas
atrasadas. Se, até lá, Victor ou qualquer outra alma devotada me escrevesse,
peço, por favor, notícias do Sr. Bruneau que deixou Paris doente e num estado
que me parece inquietante. Eu o vi dois dias antes de sua saída, e essa última
entrevista nos tornou enfim amigos. Fale de mim a Théodore, a Cosnier e a
Beauchesne e ao amigo Godard: a ausência de todo esse mundo ao mesmo tempo me é
dura, acrescida ainda à sua, caro filho. Isso me explica minha prostração: exílios do coração, diz o livrinho que lhe dei, e que você não
lê, indócil filho!
Adeus, respeito como sempre a seu bom pai e lembrança amigável a Emile.
Seu todo afeiçoado,
Le Prevost
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