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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 71 - ao Sr. Pavie
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71 - ao Sr. Pavie

Efusões de seu coração. Notícias de sua mãe, e de sua irmã cujo casamento é um fracasso. Tece um balanço de seu próprio casamento: há três anos, apesar de uma estima recíproca, “é uma caminhada penosa”. Deus sempre presente na provação.

 

17 de julho de 1837

 

            Como sua amizade, meu caro Victor, é generosa e fiel, como envergonha ela minha negligência e minha preguiça! Você tinha esperado demais de mim; não, Théodore nada trazia para você senão a humilde confissão de um torpor estúpido de que não se pode arrancar nada. Havia, junto, no entanto, muitas ternuras e afeições, pois eu amo apesar disso, dormindo ou acordado, mas era tudo. Nada de queixas, pois elas teriam recaído sobre meu nariz, nada de desculpas, porque eu não estava no direito de perdoar. Você, meu amigo amado, cuja fecundidade não se cansa e cujo coração não tem repouso em suas efusões, você toma a iniciativa, você me fala primeiro dessa doce alegria que eu precisei reencontrar por alguns instantes, aos raios de sua calorosa afeição. Você me fala das benignas influências de uma afeição ainda mais suave talvez, da doce intervenção de sua esposa, branca claridade de noite após os esplendores do dia. Como isso é bem próprio de você, amigo, provocar minha alma e remexer nela essas ternas lembranças. Sinto-me, por isso, todo aliviado. É um orvalho sobre a erva seca, bendito seja você. É verdade, caro amigo, que esta doce alma, tornada metade de sua alma, atraiu-me ingênua e fortemente. Eu ia a ela por inclinação e atração, sem nenhuma reflexão nem pensamento, como outrora me tinha deixado ir a você; era floração nova de nossa velha afeição. Vejo isso nesta hora, mas nem pensava nisso na época, e me sinto todo surpreso com impressão tão ingênua, velho que já sou e tão acostumado às análises. Diga-lhe, caro amigo, que meu coração é ternamente reconhecido pelo bem que recebeu, que por aí permanecemos apegados, ela, por me ter sido tão amável, eu por tê-la amado dignamente!

 

            A esta hora sem dúvida, Théodore lhe disse que no dia em que me viu com flores na mão, era uma dupla festa para mim: de manhã, acompanhava o pai que está no céu; à tarde ia reencontrar a mãe que me deixou na terra. Tornei a vê-la, meu amigo, melhor ainda e mais santa; esses três anos fizeram-na crescer muito espiritualmente e é verdadeiramente uma maravilha divina que, num país tão mau, tão desprovido de todo recurso para a cultura das almas, a sua, por riqueza própria da natureza, por cuidados diretos da graça, tenha  assim crescido no bem e amadureça para os celeiros do Senhor.  Por iniciativa dela, conduzia-me aos seus pobres para quem ela trabalha hoje quase unicamente; depois, quando, de manhã, voltando da missa com ela, apoiava-se em mim, apertava-me o braço dizendo-me: “Oh! como nos entendemos bem! Ela tem 73 anos, anda bem ainda, mas um  apoio lhe agrada. Eu lhe servia de apoio. Como me seria suave se as coisas continuassem assim até o fim! Mas não, eis-nos separados. Ela está bem longe, e será que estarei lá quando Deus a retomar? Oh! por que não me é dado antes, para coroar todos os meus votos, desde hoje correr para a frente, e, lá no alto, à sombra da santa morada, esperá-la, amigo, assim como a alguns outros ainda. Eis alguns bons e suaves pensamentos, mas não creia que me tenha sido dado entregar-me a eles em paz por ali. Eram flores crescendo sobre o estrume das grandes aflições! Minha pobre irmã anda dobrada sob um fardo de penas sempre mais pesado, sem que nenhum alívio pareça possível por via conciliadora e pacífica. Dez anos de convívio ainda não puderam fazer de sua vida e da de seu marido uma só vida, e humanamente, a fusão parece impraticável, por causa dos elementos verdadeiramente dissociáveis de uma das duas partes; alguma explosão pode se esperar de uma hora para a outra. Não tive, então, repouso ali, nenhum dia de abertura alegre. Trouxe de volta o coração triste e fechado que eu tinha na ida, com inquietação a mais deste lado. União, paz, caridade, indulgência terna e misericordiosa, virtudes ausentes ao redor de mim. Onde, então, encontrá-las? Em você, espero, caro amigo, pois, com as palavras, Deus nos aqui embaixo também um pouco da realidade das coisas.

 

            Por que me pressionar ainda, amigo, para ter só repetições? Os três anos que acabam de passar não foram senão uma série de amarguras, de atritos dolorosos, e, às vezes, de angústias desesperadas. Tudo isso, espero firmemente, foi medido para a vida melhor; mas o tempofoi plenamente sacrificado. Lutei quanto pude, por afeição e mansidão, por vontade e domínio de mim, mas tudo isso, na proporção insuficiente de minhas forças, permanecia inferior à posição. Alegro-me porque, nesta hora, uma etapa desta caminhada penosa foi vencida. Tudo parece inofensivo e, em certo ponto, benevolente entre nós. Quem sabe o que reserva o futuro? Deus está lá. Aliás, após nos ter bem convencido de nossa impotência, talvez ele intervirá? Ou melhor, ele nunca cessou de intervir. Eu o senti nos dias piores, como amparo e consolação, ou como aguilhão e freio, perseguindo-me no dia-a-dia, apesar de minhas queixas e de meus gritos. Sem Ele, eu não teria agüentado até aqui; com Ele, prosseguirei, ignorando os recursos que permanecem escondidos para mim, mas confiando no fim. É coisa maravilhosa que, em semelhante naufrágio, algo tenha escapado. A estima mútua, entretanto, ficou à tona. Reze com ardor, meu caro irmão, para que, com este pequeno apoio, a caridade também  volte a flutuar.        

 

            Adeus, mil afeições aos seus que são meus também, à sua esposa bem-amada sobretudo, depois ao pai e a seu irmão Théodore. Adrien a quem quero e devo escrever, bem como aos outros. Verei Gavard, mas ele está muito melindrado; não creio que houve falta voluntária de minha parte; farei o possível. Adeus.

 

            Seu amigo e irmão

 

                                                Le Prevost

 




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