Efusões de seu coração.
Notícias de sua mãe, e de sua irmã cujo casamento é um fracasso. Tece um
balanço de seu próprio casamento: há três anos, apesar de uma estima recíproca,
“é uma caminhada penosa”. Deus sempre presente na provação.
17 de julho
de 1837
Como sua amizade, meu caro Victor, é generosa e fiel, como envergonha ela minha
negligência e minha preguiça! Você tinha esperado demais de mim; não, Théodore
nada trazia para você senão a humilde confissão de um torpor estúpido de que
não se pode arrancar nada. Havia, junto, no entanto, muitas ternuras e
afeições, pois eu amo apesar disso, dormindo ou acordado, mas era tudo. Nada de
queixas, pois elas teriam recaído sobre meu nariz, nada de desculpas, porque eu
não estava no direito de perdoar. Você, meu amigo amado, cuja fecundidade não
se cansa e cujo coração não tem repouso em suas efusões, você toma a
iniciativa, você me fala primeiro dessa doce alegria que eu precisei
reencontrar por alguns instantes, aos raios de sua calorosa afeição. Você me
fala das benignas influências de uma afeição ainda mais suave talvez, da doce
intervenção de sua esposa, branca claridade de noite após os esplendores do
dia. Como isso é bem próprio de você, amigo, provocar minha alma e remexer nela
essas ternas lembranças. Sinto-me, por isso, todo aliviado. É um orvalho sobre
a erva seca, bendito seja você. É verdade, caro amigo, que esta doce alma,
tornada metade de sua alma, atraiu-me ingênua e fortemente. Eu ia a ela por
inclinação e atração, sem nenhuma reflexão nem pensamento, como outrora me
tinha deixado ir a você; era floração nova de nossa velha afeição. Vejo isso
nesta hora, mas nem pensava nisso na época, e me sinto todo surpreso com
impressão tão ingênua, velho que já sou e tão acostumado às análises. Diga-lhe,
caro amigo, que meu coração é ternamente reconhecido pelo bem que recebeu, que
por aí permanecemos apegados, ela, por me ter sido tão amável, eu por tê-la
amado dignamente!
A esta hora sem dúvida, Théodore lhe disse que no dia em que me viu com flores
na mão, era uma dupla festa para mim: de manhã, acompanhava o pai que está no
céu; à tarde ia reencontrar a mãe que me deixou na terra. Tornei a vê-la, meu
amigo, melhor ainda e mais santa; esses três anos fizeram-na crescer muito
espiritualmente e é verdadeiramente uma maravilha divina que, num país tão mau,
tão desprovido de todo recurso para a cultura das almas, a sua, por riqueza
própria da natureza, por cuidados diretos da graça, tenha assim crescido
no bem e amadureça para os celeiros do Senhor. Por iniciativa dela,
conduzia-me aos seus pobres para quem ela trabalha hoje quase unicamente;
depois, quando, de manhã, voltando da missa com ela, apoiava-se em mim,
apertava-me o braço dizendo-me: “Oh! como nos entendemos bem! Ela tem 73 anos,
anda bem ainda, mas um apoio lhe agrada. Eu lhe servia de apoio. Como me
seria suave se as coisas continuassem assim até o fim! Mas não, eis-nos
separados. Ela está bem longe, e será que estarei lá quando Deus a retomar? Oh!
por que não me é dado antes, para coroar todos os meus votos, desde hoje correr
para a frente, e, lá no alto, à sombra da santa morada, esperá-la, amigo, assim
como a alguns outros ainda. Eis alguns bons e suaves pensamentos, mas não creia
que me tenha sido dado entregar-me a eles em paz por ali. Eram flores crescendo
sobre o estrume das grandes aflições! Minha pobre irmã anda dobrada sob um
fardo de penas sempre mais pesado, sem que nenhum alívio pareça possível por
via conciliadora e pacífica. Dez anos de convívio ainda não puderam fazer de sua
vida e da de seu marido uma só vida, e humanamente, a fusão parece
impraticável, por causa dos elementos verdadeiramente dissociáveis de uma das
duas partes; alguma explosão pode se esperar de uma hora para a outra. Não
tive, então, repouso ali, nenhum dia de abertura alegre. Trouxe de volta o
coração triste e fechado que eu tinha na ida, com inquietação a mais deste
lado. União, paz, caridade, indulgência terna e misericordiosa, virtudes
ausentes ao redor de mim. Onde, então, encontrá-las? Em você, espero, caro
amigo, pois, com as palavras, Deus nos dá aqui embaixo também um pouco da
realidade das coisas.
Por que me pressionar ainda, amigo, para ter só repetições? Os três anos que
acabam de passar não foram senão uma série de amarguras, de atritos dolorosos,
e, às vezes, de angústias desesperadas. Tudo isso, espero firmemente, foi
medido para a vida melhor; mas o tempo aí foi plenamente sacrificado. Lutei
quanto pude, por afeição e mansidão, por vontade e domínio de mim, mas tudo
isso, na proporção insuficiente de minhas forças, permanecia inferior à
posição. Alegro-me porque, nesta hora, uma etapa desta caminhada penosa foi
vencida. Tudo parece inofensivo e, em certo ponto, benevolente entre nós. Quem
sabe o que reserva o futuro? Deus está lá. Aliás, após nos ter bem convencido
de nossa impotência, talvez ele intervirá? Ou melhor, ele nunca cessou de
intervir. Eu o senti nos dias piores, como amparo e consolação, ou como
aguilhão e freio, perseguindo-me no dia-a-dia, apesar de minhas queixas e de
meus gritos. Sem Ele, eu não teria agüentado até aqui; com Ele, prosseguirei,
ignorando os recursos que permanecem escondidos para mim, mas confiando no fim.
É coisa maravilhosa que, em semelhante naufrágio, algo tenha escapado. A estima
mútua, entretanto, ficou à tona. Reze com ardor, meu caro irmão, para que, com
este pequeno apoio, a caridade também volte a
flutuar.
Adeus, mil afeições aos seus que são meus também, à sua esposa bem-amada
sobretudo, depois ao pai e a seu irmão Théodore. Adrien a quem quero e devo
escrever, bem como aos outros. Verei Gavard, mas ele está muito melindrado; não
creio que houve falta voluntária de minha parte; farei o possível. Adeus.
Seu amigo e irmão
Le Prevost
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